O transporte rodoviário e o desequilíbrio das relações de consumo



O transporte público brasileiro não é, em muitos lugares, um serviço reconhecido por seu excelente desempenho. Do contrário. O cotidiano das pessoas que dependem desse tipo de locomoção é permeado por dificuldades que vão da acessibilidade dos veículos às estruturas de captação de passageiros, tais como pontos de ônibus municipais e rodoviárias.
Não obstante a carência de alguns lugares em oferecer um serviço capaz de atender a demanda, o que se percebe no transporte rodoviário é a facilidade que as empresas tem para ludibriar seus passageiros, sempre se utilizando da desculpa de que buscam atender aos clientes da melhor maneira possível.
E qual seria então essa maneira? Cidades de médio porte que contam com redes de transporte municipal muitas vezes não dispõem de ônibus equipados para atender um deficiente físico ou visual. Os pontos de ônibus também são desprovidos de sistemas de informação adequados a essas pessoas.
Observa-se também com freqüência o desrespeito, ainda que de forma parcial, ao Estatuto do Idoso (Lei 10.701/2003) no tocante à venda de passagens e reservas de lugares em coletivos urbanos intermunicipais/interestaduais. Para os idosos com mais de sessenta e cinco anos a Lei assegura a gratuidade nos coletivos urbanos e semiurbanos e 50% de desconto nos interestaduais quando for excedido as vagas gratuitas. O dispositivo legal também assegura a disponibilidade de 10% de assentos destinados a esse público, sendo esses lugares identificados por placas (arts. 39 e 40, respectivamente)
Entretanto, a aplicação do dispositivo não é hegemônica, pois as empresas alegam que a obrigação de reserva está condicionada à venda das passagens dependendo, portanto do fluxo de passageiros. O raciocínio lógico é que não havendo procura de lugares por idosos as vendas ficam liberadas. Porém, não há nenhuma regra sobre a reserva condicionada à venda de passagens com antecedência para esses casos.Observa-se ainda razoável despreparo dos funcionários quanto à orientação legal mencionada, porquanto não informam corretamente os passageiros.
À essa crítica ao transporte rodoviário intermunicipal/interestadual soma-se o fato das empresas concessionárias trocarem os veículos, durante o trajeto, alegando problemas que impedem a continuação da viagem. Ocorre que, nem sempre a troca é para outro veículo de igual, ou melhor, modelo, mesmo que eles estejam disponíveis e à vista dos passageiros. Tem-se um desrespeito sutil à relação de consumo iniciada ainda no guichê rodoviário, quando houve a contratação de um transporte em determinadas condições. Tal atitude afronta o art. 745 do Código Civil, referente às condições do transporte.
Diante desses casos, a reclamação por parte de alguns passageiros costuma ganhar um sorriso simpático do motorista e um pedido de desculpas pelo atraso. Realmente, o funcionário só está cumprindo as ordens que lhe foram impostas e logo, não cabe a ele decidir se vai dirigir um ônibus que não atende as regras básicas estabelecidas nas relações de consumo, entre as quais a de manter a qualidade do serviço ou produto oferecido.
É rara a maioria dos que viajam nos coletivo exigir os seus direitos, pois nem todos tem conhecimento dos detalhes que os compõem. Reitera-se a idéia de um desrespeito sutil porquanto essa maioria, muitas vezes, além de criticar quem aponta o erro da empresa, tem como única preocupação chegar logo ao destino, não se importando com a qualidade do serviço pelo qual pagaram.
A pressa desses passageiros os deixa distantes de detalhes como segurança. O mesmo pode se dizer de motoristas que param fora dos pontos determinados, uma atitude não incomum que aos olhos de alguns podem parecer facilidades, todavia escondem riscos.
Tanto o embarque quanto o desembarque nessas situações expõem os demais passageiros à condições adversas, como roubo ou acidentes de trânsito e, consequentemente a uma responsabilização da empresa pela falta cometida, que poderá exigir do empregado caso comprove não ter autorizado esse tipo de feito. Há que se falar ainda nos problemas causados pelo atraso de quem espera o ônibus no ponto correto.
Nesses pequenos incidentes cotidianos que encontramos o desequilíbrio ético nas relações de consumo do transporte rodoviário, seja ele intermunicipal ou de maior âmbito. As empresas usam da força do mercado para sublimar direitos de quem depende do serviço para se locomover até o trabalho, faculdade, família, entre outros.
São atitudes que apesar de diárias passam com certa naturalidade, vistas como aborrecimentos previstos na rotina, capazes de distorcer a real situação de desrespeito ao consumidor, à liberdade de locomoção, à segurança, aos direitos especiais advindos de necessidades físicas e decorrentes da idade. Frente a esse conjunto de irregularidades, o que se pode depreender é a supremacia da ganância e o atropelamento de direitos como se intrinsecamente se completassem. Não há busca, na maioria das vezes, em oferecer uma rede de serviços de transporte que valorize o empregado e o passageiro.
Autor: Thaís Rodrigues Iembo


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