ORTOTANÁSIA E O CUIDADO PALIATIVO COMO INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA VIDA HUMANA



Muito se defende, como garantia fundamental, o bem da vida e a dignidade humana, patrimônios e valores supremos protegidos pela ordem estatal. Porém, será que, ao confrontar esses direitos, reciprocamente, diante de uma questão que envolve o direito de morrer de um doente terminal, o ser humano teria a mesma dignidade conferida ao seu direito de nascer?
Antes, necessário se faz conceituar, ao menos superficialmente, o que vem a ser doente terminal. Trata-se do paciente portador de uma doença que se encontra em estágio de evolução avançado e que, independente das medidas terapêuticas utilizadas, caminha progressiva e inevitavelmente para o óbito.
Grande polêmica circunda o tema, em especial no âmbito da Medicina, Bioética, Direito e Religião, principalmente pelos diversos métodos criados na busca de minimizar as dores decorrentes da doença terminal e auxiliar no processo de morrer, quais sejam: distanásia, eutanásia, eutanásia passiva, suicídio assistido e ortotanásia.
A primeira, visando antes de tudo o prolongamento da “vida” do paciente terminal, caracteriza-se pela luta quase obstinada contra a enfermidade e a morte. No entanto, a obstinação terapêutica, consistente na utilização de tratamentos e medidas inúteis, desnecessárias e inadequadas, na maioria dos casos, proporciona aos doentes terminais uma morte lenta e sofrida. Esse procedimento não encontra respaldo técnico tampouco ético.
Já a eutanásia, extremamente discutida mundialmente, é o procedimento, através do qual, o paciente ou familiar próximo, ansiando atenuar o sofrimento e as dores intoleráveis, decide pela antecipação da morte, sendo esta promovida por uma terceira pessoa, habitualmente, um médico. A contribuição efetiva do terceiro poderá ser por meio da utilização de drogas, retirada dos aparelhos que mantém os órgãos vitais em funcionamento, dentre outras técnicas.
Em relação à eutanásia, há que se falar também da modalidade passiva desse método, que se trata da supressão de medidas necessárias e úteis, que realmente trariam um benefício concreto para o paciente, visando a abreviação da vida do doente terminal.
Existe, ainda, um processo conhecido como suicídio assistido, pelo qual a própria pessoa põe fim à sua vida, recebendo para tanto orientação e auxílio de um médico ou terceiro.
E, finalmente, trataremos do método aqui defendido: a ortotanásia, que significa, etimologicamente “morte correta” (orto: certo; thanatos: morte). Esta se trata de um procedimento que respeita a dignidade humana, proporcionada pelo oferecimento da máxima qualidade de vida possível ao pouco de vida que ainda resta.
Trata-se da abstenção de medidas abusivas e inúteis, que não trazem benefício algum, além de prolongar, artificialmente e de forma irracional e cruel, a existência do paciente. Diz-se existência, pois há uma linha tênue que distingue o direito à vida e o direito a um viver adequado.
O objetivo, aqui, é o bem-estar do paciente terminal através de cuidados paliativos, os quais não visam à cura de quadros graves e de difícil prognóstico, mas sim um alívio da dor e sofrimento. Quer-se, também, preservar, quando possível, a lucidez e o convívio familiar do doente, bem como possibilitar a ele uma morte sem sofrimento e o menos dolorosa possível, enfim, uma morte digna.
Entretanto, em nosso país, todos esses métodos ainda estão tipificados como homicídio pelo artigo 121 do Código Penal: “matar alguém”. Mesmo a ortotanásia, que, embora, em nosso sentir, seja o único processo não violador do princípio da dignidade humana (pelo contrário, prioriza esse valor supremo), também configura homicídio, na forma privilegiada, previsto pelo § 1º do mesmo artigo supramencionado:
“Art. 121. Matar alguém:
(...)
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” (grifos acrescidos).
Justamente pelo “motivo de relevante valor social ou moral”, há tempos questiona-se: será que devem ser realizados todos os esforços no sentido de manter a vida a qualquer custo? Em que consistiria a dignidade humana agindo nesse sentido?
Apesar de alguns países (Uruguai, Holanda, Bélgica e Luxemburgo) já terem legalizado em seu ordenamento jurídico a eutanásia, há uma maior adesão à idéia humanizadora da realização da ortotanásia.
No desenrolar dessa discussão, já é possível perceber apoio técnico, ético e, mesmo, religioso para medidas de cunho humanizador no processo de morrer. A exemplo disso, a Resolução nº. 1.931/09 do Conselho Federal de Medicina, que, em seu artigo 41, apesar de vedar a abreviação da vida do paciente pelo médico ainda que a pedido daquele, aconselha a realização da ortotanásia.
No Brasil, inúmeros projetos no sentido de legalizar a ortotanásia já estão em discussão, porém, importa destacar o PLS nº. 116/00, que pretende acrescentar dois parágrafos ao já mencionado artigo 121 do Código Penal. São eles:
“Art. 121 (...)
§6º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§7º A exclusão de ilicitude a que se refere o parágrafo anterior faz referência à renúncia ao excesso terapêutico, e não se aplica se houver omissão de meios terapêuticos ordinários ou dos cuidados normais devidos a um doente, com o fim de causar-lhe a morte”.
Ou seja, aprovado esse projeto, a ortotanásia será descriminalizada, isto é, não mais tipificará crime, no ordenamento jurídico brasileiro, a interrupção de tratamento penoso e obstinado, que não traz qualquer esperança de recuperação, atrelada, porém, à continuidade de todos os cuidados básicos e indispensáveis à manutenção da vida e dignidade do paciente, além de procedimentos paliativos necessários a mitigar o sofrimento.
No entanto, a fim de que haja plenitude na aplicação do princípio da dignidade humana, é de extrema importância a autorização do paciente (e, na impossibilidade deste, seus familiares mais próximos ou representante legal) para a realização da técnica da ortotanásia, prestigiando, destarte, o princípio da autonomia da vontade do indivíduo nestas condições. Igualmente deve ser respeitada a manifestação contrária do paciente.
Enfim, como já dito exaustivamente, o foco de todo esse debate está no direito individual e intransferível à dignidade humana, que envolve a humanização do processo da morte, buscando poupar a família de angústias e aflições e, sobretudo, evitar o sofrimento desnecessário do paciente terminal.
A luta, portanto, envolve tanto o direito de viver quanto o direito de morrer, ambos com a dignidade inerente a todo ser humano!
Autor: Daniele Silva Lamblém


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