A INEVITABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS



RESUMO:

O artigo tenta provocar ao caríssimo leitor um questionamento a cerca da importância e inevitabilidade de se reconhecer os nossos direitos mais fundamentais, inafastáveis da nossa existência, intrínsecos ao homem. Fazendo, para alcançar tal objetivo, um apanhamento histórico dos Direitos Humanos (positivados), mostrando toda a evolução, outrossim, buscaremos provar que seu vislumbramento pode ser atingido se utilizando apenas da nossa razão, da nossa capacidade de pensar, valendo-se para tanto de uma análise a respeito das antigas tragédias da clássica Grécia. Dessa maneira, esperamos que, de alguma forma, contribuemos para o âmbito dos acadêmicos de Direito e dos demais estudiosos do tema.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Tragédias. Grécia.


SUMÁRIO – 1 Introdução. 2 Evolução Histórica dos Direitos Humanos. 3 Direitos Humanos na Antiga Grécia. 4 Considerações Finais. 5 Referências.


Introdução
Os Direitos Humanos, sendo todos aqueles inerentes à própria condição humana, tendo como características a imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência, complementaridade, deve receber plena garantia e proteção do Estado. Mas será que, na história, eles sempre foram abraçados por algum tipo de ordenamento regente? Ou, caso contrário, antes do primeiro momento que temos registrado sua positividade, apenas a razão do homem não foi capaz de identificá-los ou ainda de alguma outra forma assegurá-los? Esta é a principal questão a ser debatida no presente artigo, observando e analisando toda evolução histórica destes direitos. O tema do trabalho em mãos foi motivado pela curiosidade de todos em conhecer o período em que a dignidade humana passou a ser respeitada, destarte, possibilitará um maior entendimento aos leitores do grau de importância em assegurar os Direitos Humanos.
O objetivo principal deste texto é averiguar se a racionalidade do homem sempre foi capaz de distinguir, ou ainda proteger, nossos direitos fundamentais, como a vida; faremos isso através de uma análise pormenorizada das tragédias gregas, textos que já desde a antiguidade tratam desses temas fundamentais.
Para entendermos melhor essa questão, abordaremos no próximo tópico uma análise histórica dos momentos em que alguns Direitos Humanos foram abraçados por textos legais, mostrando toda evolução. Outrossim, na parte subseqüente deste trabalho, discorreremos sobre as noções que os antigos gregos já deixavam transparecer nas suas obras, as tragédias, a respeito do assunto. Teremos sempre em mente que aqui não se esgota essa discussão, logo por nos disponibilizarmos de um acervo bibliográfico pequeno e limitado, portanto sempre existirá a possibilidade de se levantar outras linhas de raciocínio, corrigindo ou complementando esta.
Evolução Histórica dos Direitos Humanos
No período da história em que o Regime Absolutista dominava a vida das pessoas, o rei exercia seu poder despoticamente e a relação entre indivíduo e Estado era de súdito e soberano, onde não contávamos com qualquer referência comportamental que nos garantisse os direitos mais fundamentais. Nesta época, o Estado não devia satisfação a ninguém e nem existiam mecanismos que efetivamente impusessem qualquer limitação ao poder real. Então, em 1215, na localidade de Runnymede, condado de Surrey (Inglaterra), o Absolutismo encontrou seu primeiro obstáculo, a Magna Carta, imposta pelo rei que ficou conhecido como “João Sem Terra” por não ser contemplado com a herança do pai Henrique II. Este documento possuía 67 cláusulas, com normas de caráter pioneiro para a fundamentação dos Direitos Humanos, v.g., reconhecia formalmente a proporcionalidade entre delito e sanção, a previsão do devido processo legal, o livre acesso à Justiça, assim como a liberdade de locomoção e a livre entrada e saída do país, servindo de presságio para os princípios da legalidade, da reserva legal e da anterioridade da lei penal. Para ilustrar melhor, veja esses dois artigos retirados da Magna Carta:

Artigo 48. Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado dos seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares segundo as leis do país.
Artigo 49. Não venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos a quem quer que seja, a administração da Justiça. (MARINHO, 2005, p. 49)

A Magna Charta Libertatum não foi uma Constituição, mas exerceu uma influência inegável a todas as constituições modernas, pois se tratou de um importante avanço na relação entre governantes e governados, servindo de primeiro passo para a derrocada do Antigo Regime e ascensão da classe burguesa. Esse não foi o único, existiram outros códigos em datas e locais distintos que tentaram colocar balizas na conduta social, transformando-se em instrumentos asseguradores de Direitos Humanos.
A Petition of Right de 1628, também na Inglaterra, foi um destes códigos, nela está contida diversas proteções tributárias que garantiam a liberdade do indivíduo em hipótese de inadimplência. Outro foi o Bill of Right de 1689, ainda nas terras inglesas, possuía 13 artigos que consolidavam as idéias políticas de restrição ao poder estatal, regulamentando o princípio da legalidade, criando o direito de petição, assim como imunidades parlamentares. No entanto, restringia fortemente a liberdade religiosa e, as liberdades pessoais garantidas pelo habeas corpus e por esse documento não beneficiavam indistintamente todos os súditos do rei, mas, preferencialmente, os dois primeiros estamentos do reino: o clero e a nobreza.
No século XVIII, exatamente no ano de 1776, numa das treze colônias inglesas na América, anterior à Declaração de Independência das mesmas, surgiu o diploma que teria sido o documento mais importante e caracterizador do Estado Liberal, conhecido como Declaração de Virgínia, inspirada nas teorias de Locke, Rousseau e Montesquieu, proclamava entre outros direitos, o direito à vida, à liberdade e à propriedade, prevendo o princípio da legalidade, o devido processo legal, o Tribunal de Júri, o princípio do juiz natural e imparcial, a liberdade religiosa e de imprensa. Observe essas insignes palavras gravadas na Declaração de Direito do Bom Povo de Virgínia:

que todos os homens foram criados iguais, que lhes conferiu o Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais o de vida e de liberdade, e o de procurarem a própria felicidade, que, para assegurar esses direitos, se constituíram entres os homens governos cujos justos poderes emanam do consentimento dos governados; que sempre que qualquer forma de governo tenta destruir esses fins, assiste ao povo o direito de mudá-la ou aboli-la, instituindo um novo governo cujos princípios básicos e organizações de poderes obedeçam às normas que lhe parecerem mais próprias a promover a segurança e a felicidade gerais. (MARINHO, 2005, p. 49)

Com essa passagem notamos a importância deste documento para a gradual cristalização dos Direitos Humanos, pois influenciou fortemente a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que estabelecia a separação dos poderes do Estado e consagrava diversos direitos fundamentais, tais como: a ampla defesa, a inviolabilidade de domicílio, a proibição da aplicação de penas cruéis ou aberrantes.
Direcionando nossa visão para a Europa novamente, especificamente para a França de 1789, onde ocorrera um movimento que mudaria a história do mundo, a Revolução Francesa, que tentou mudar radicalmente as condições de vida em sociedade, atacando severamente o Absolutismo, levando à “Queda da Bastilha” e à execução dos monarcas e de grande parte da aristocracia francesa. Eles queriam reiniciar a História, apagar todo o passado, simbolizado muito bem pela mudança de calendário.
Nesse ambiente libertário, no mesmo ano (1789), criou-se a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, influenciada pela teoria filosófica do Iluminismo, principalmente dos pensadores Rousseau e Montesquieu, erigiu-se da mesma fôrma das declarações americanas, a diferença era que aquela tinha um caráter universalizante. Neste texto francês foram estabelecidas importantes normas em prol dos Direitos Humanos, destacam-se: a garantia da igualdade, da liberdade, da propriedade, da segurança, da resistência à opressão, da liberdade de associação política, bem como o respeito ao princípio da legalidade, da reserva legal e anterioridade em matéria penal, da presunção de inocência, assim também a liberdade religiosa e a livre manifestação do pensamento.
A partir daí, na gestão do Estado, houve uma maior participação da burguesia, dando brecha para que se erguesse a sociedade industrial burguesa, o Estado Moderno e o Direito Moderno. A despeito da Déclaration des Droits de L’Homme et de Citoyen ter oferecido disposições como “Todos os homens são iguais por natureza e perante a lei” ou “O fim da sociedade é a felicidade comum”, ainda encontrava-se implacáveis obstáculos para a sua confirmação na vida real. Porém, isto não impediu que esse documento exercesse penetrante influxo nas legislações modernas do mundo.
Saltando agora mais de um século pela história e aterrissando na antiga URSS em pleno século XX, no ano de 1918, surge a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e a Lei Fundamental Soviética, ambas fortemente influenciadas pelos pensamentos de Karl Marx e Engels, principalmente pela obra “Manifesto Comunista” (1848), que é a mais importante crítica socialista ao regime liberal-burguês. Estes dois documentos visavam eliminar toda e qualquer exploração do homem pelo homem, assim como também a divisão da sociedade em classes, queriam comprimir severamente todos os exploradores, instaurar a organização socialista em todos os países, destarte, reconhecendo os direitos humanos de caráter econômico e social. Todavia, para dar uma maior garantia ao Estado, esses textos limitavam diversos direitos fundamentais já consagrados.
E então, sucessivamente, eclodiram as duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), onde ocorreram desrespeitos imensuráveis à dignidade humana, guerras químicas de trincheiras, testes de inventos bélicos, holocausto, enfim, genocídios, levando as grandes nações do mundo a estabelecer um foro definitivo para a discussão de interesses comuns, sendo capaz de promover, exigir e garantir a coexistência pacífica de seus membros, que hoje são quase todos os Estados do planeta, resultando no surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU).
Antes de dar prosseguimento à história, vale lembrar de alguns acontecimentos marcantes entre as grandes guerras que contribuíram para a internacionalização dos direitos humanos; em 1919 foi assinado o Tratado de Versalhes, onde se erigiu a Sociedade das Nações, organização similar à ONU, pois também queria estabelecer uma paz mundial duradoura, mas fracassou com a eclosão da segunda guerra. Desse modo, em 1927 instituiu-se a Carta do Trabalhador que possibilitou um avanço notável aos direitos sociais dos trabalhadores, a despeito de ter nascido em meio fascista italiano. Este texto admitia a liberdade sindical, instituía a magistratura do trabalho, os contratos coletivos de trabalho, a remuneração especial ao trabalho noturno, o repouso semanal remunerado, as férias e a indenização por dispensa arbitrária ou sem justa causa, além de previdência, assistência, educação e instrução sociais.
Voltando para o ano de 1948, em Paris, graças à engatinhada Organização das Nações Unidas (ONU), foi possível aprovar e proclamar o mais importante diploma em prol da paz mundial e dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerada a maior conquista da humanidade, seu maior passo rumo à sobrevivência com mútuo respeito e dignidade. Era composto de trinta artigos que tinham como escopo maior a elevação do nível moral, ético, político, religioso, cultural e material da sociedade humana, impondo um contrato universal, sem originar circunstâncias de inferioridade jurídica internacional a qualquer Estado.
Esse estatuto máximo do homem foi elaborado de forma clara, objetiva e concisa, não dando margens a interpretações obscuras, nela estão elencados os direitos mais fundamentais da pessoa humana, principalmente aqueles que dizem respeito a sua essência e que de nenhuma maneira podem ser renunciados, esquecidos ou violados. Trata-se, como já dissemos antes, de uma verdadeira constituição universal, onde todos, sem exceção, estão subordinados e, destarte, expressando seu compromisso com o futuro da humanidade, tentando aniquilar a demência de governantes, apostando numa paz mundial que preservaria a nossa civilização.
Todos esses diplomas que firmam os direitos humanos internacionalmente continuam evoluindo e incluindo novos direitos; agora, depois da magnífica Declaração Universal dos Direitos Humanos, surgem apenas como especificação daquelas garantias contempladas neste estatuto, sendo as mais importantes: Convenção Contra o Genocídio (1948); Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição por Outros (1949); Convenção Européia de Defesa dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950); Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951); Convenção Complementar Sobre Abolição da Escravidão (1956); Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos (1976); Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979); Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989); Protocolo Relativo à Abolição da Pena de Morte (1990); Convenção Interamericana Sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994).
Todos esses dispositivos, entre outros, procuraram abraçar praticamente todas as áreas da atividade humana, dando uma característica mais dinâmica à legislação internacional referente à salvaguarda dos direitos fundamentais. Dessa forma, pela primeira vez na história vimos um ordenamento universalizar valores tão importantes como paz e justiça.
Esse foi apenas um resumo da gloriosa evolução do positivamento dos Direitos Humanos, mostrando seu caráter permanente e gradual. E, para termos certeza de sua inevitabilidade, no próximo tópico deste artigo retrocederemos centenas de anos pela história, especificamente até a época em que viviam a clássica sociedade grega, onde analisaremos algumas de suas obras, no que diz respeito ao tema.
Direitos Humanos na Antiga Grécia
Grécia é considerada o berço da filosofia, da política, do teatro, da poesia, da arte. Aqui surgiram grandes nomes que contribuíram para a mudança na forma de pensar dos homens, vale citar Sócrates, Platão e Aristóteles, cujas filosofias não nos cabe analisar neste momento.
No campo dos Direitos Humanos, é de grande importância o estudo desta nação, pois os gregos ajudaram a construir o edifício jurídico onde se amparam os fundamentos dos direitos essenciais do homem, através, por exemplo, dos princípios democráticos postulados pelo glorioso governador Péricles, cujas ações o festejado Cláudio De Cicco enumera:

transformou a democracia pura de Atenas em democracia representativa. Instituiu um Grande Júri (Dicastério), dividido em dez seções, com quinhentos jurados cada uma. Era o órgão que governava a cidade, pois a assembléia popular, ou Ápela, nada poderia decidir que não fosse proposto pelo Grande Júri, ou Bulé, e tudo o que resolvesse era fiscalizado pelos heliastas, designados pelo Grande Júri.
(...) Seu maior legado foi a idéia de Estado (polis), e de um direito natural acima das leis positivas. (DE CICCO, 2009, p.21)

Passando para a análise das tragédias gregas, começando pela Oréstia de Ésquilo, considerado o mais antigos dos três grandes dramaturgos (para ilustrar, os outros dois são Sófocles e Eurípides) e criador da tragédia em sua forma definitiva. A Oréstia é uma trilogia constituída por Agamêmnon, Coéforas e Eumênides, sua leitura remete à evolução do Direito, onde passamos da justiça privada (vingança) à justiça pública (o Estado pega para si o jus puniendi). A primeira peça da trilogia, considerada a melhor entre os críticos, narra o covarde assassinato do comandante supremo da expedição dos gregos contra Tróia e rei de Argos e de Micenas, Agamêmnon, filho de Atreu. Ao regressar vitorioso da guerra, Agamêmnon é recebido com falsa alegria pela rainha, sua esposa Clitemnestra, onde efetivou o plano que já havia tramado juntamente com seu cúmplice e amante Egisto, primo de Agamêmnon, matar o líder grego. Consumado o crime, a punição da rainha e do comparsa só viria a acontecer na segunda peça, Coéforas, em que Orestes, filho de Agamêmnon e de Clitemnestra, retorna à sua pátria para vingar a morte de seu pai, matando sua própria mãe e Egisto. É interessante notar que a justiça, nesta peça, é ressaltada pelo ato de vingança de Orestes, pela lei de talião, aquela feita pelas próprias mãos. É válido grifar os versos 827 a 840 de Coéforas:

A espada aguda visa o coração
e o atravessa em nome da justiça;
ninguém contesta sua atuação
junto às mal-afamadas criaturas
que espezinharam e que violaram
a majestade única de Zeus.
As raízes sagradas da justiça
estão plantadas no alto firmamento;
o destino prepara suas armas
e já está forjando seu punhal.
As celebradas Fúrias vingadoras
de profundos desígnios, restituem
o filho ao lar; ele vem apagar
a mácula do sangue derramado. (ÉSQUILO, 1991, p. 117-118)

Perseguido implacavelmente pelas Fúrias, Orestes, na terceira peça, Eumênides, suplica ajuda ao deus Apolo, que o manda fugir para Atenas, onde deveria submeter sua causa a julgamento e seria libertado de seus sofrimentos. Então, a estimada deusa atendeu as preces de Orestes, convencendo as Fúrias a concordarem com tal julgamento, não por ela sozinha, mas com a colaboração de seis dos mais distintos cidadãos de Atenas, que constituiriam um júri. Aqui se institui, para sempre, o tribunal. Só por curiosidade, Orestes foi absolvido pelo voto de Minerva (Atena), pois houve empate das vontades dos jurados, e as deusas do ódio (Fúrias) foram transformadas em deusas benévolas (Eumênides).
Talvez, para os acadêmicos de Direito, Eumênides seja a peça mais importante dentre a trilogia, pois foi nesta que se criou um mecanismo para tentar alcançar a justiça na sua forma plena, sem ser necessário retribuir injustiça à injustiça (vingança), sendo apenas necessário a averiguação de argumentos elaborados, recheados de persuasão, retórica, na apuração dos fatos, na busca da verdade real, e, após julgamento destes, aplicar ou não uma pena ao acusado. Esse instrumento foi justamente o tribunal. Nele, tenta-se tutelar o direito mais fundamental: a vida, ou melhor, a vida não seria apenas um direito fundamental, mas sim um pressuposto à fruição de qualquer direito, ou, no que assevera o ilustre José Renato Nalini:

A vida é a motivação de tudo o que a humanidade produz. Motor das atividades, razão última das cogitações. Sem ela nada faz sentido. Na esfera do direito, significativa a expressão bens da vida. O direito existe para quem desfruta desse milagre da existência. Sem o fluxo vital, não interessam as regras. (NALINI, 2008, p. 21)

Note-se que Ésquilo, na Oréstia, deixou claramente implícito seu posicionamento sobre a importância da salvaguarda dos Direitos Humanos, vale lembrar que ele viveu nas proximidades de Atenas no ano de 525 a 456 a. C., aproximadamente. Valendo-se que, a manutenção da justiça privada levaria a um derramamento de sangue eterno pela vingança das partes envolvidas, observando a imperiosidade, para cessar a chacina, da instituição do tribunal.
Partindo agora para o tragediógrafo Sófocles, em sua renomada obra Antígona, veremos a existência, defendida por ele, de normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem. O tema desta tragédia poderia ser discutido em qualquer época e país por envolver aspectos morais e políticos. Pois bem, Antígona é a filha do famoso personagem Édipo (que matara sem saber o próprio pai) com Jocasta (mãe de Édipo), seu pai fora um dia rei de Tebas, mas, nesta obra, Édipo já se encontra morto e a sucessão de seu trono foi terrivelmente disputada por seus dois filhos Etéocles e Polinices, em que, no combate, tombaram mortos, um pela mão do outro. O poder, destarte, ficou com Creonte, irmão de Jocasta e tio de Antígona, cujo primeiro ato foi proibir o sepultamento de Polinices, sob pena de morte para quem o tentasse, enquanto ordenava funeral de herói para Etéocles, morto em defesa da pátria pelo irmão que a atacava. É nesse ambiente que se desenrola a tragédia.
Antígona, vendo que a dignidade da pessoa de Polinices, seu irmão, estava sendo violada por não ter o corpo sepultado, infringiu o edito do Estado (Creonte) e concebeu, arriscando a própria vida, as honras fúnebres a seu consangüíneo. O interessante para nós é justamente o choque entre o direito natural, defendido pela heroína, com o direito positivo, representado por Creonte. Veja agora uma pequena passagem da obra de Sófocles, versos 510 a 537:

CREONTE
E te atreveste a desobedecer às leis?
ANTÍGONA
Mas Zeus não foi o arauto delas para mim,
nem essas leis são as ditadas entre os homens
pela Justiça, companheira de morada
dos deuses infernais; e não me pareceu
que tuas determinações tivessem força
para impor aos mortais até a obrigação
de transgredir normas divinas, não escritas,
inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem,
é desde os tempos mais remotos que elas vigem,
sem que ninguém possa dizer quando surgiram.
E não seria por temer homem algum,
nem o mais arrogante, que me arriscaria
a ser punida pelos deuses por violá-las.
Eu já sabia que teria de morrer
(e como não?) antes até de o proclamares,
mas, se me leva morte prematuramente,
digo que para mim só há vantagem nisso.
Assim, cercada de infortúnios como vivo,
a morte não seria então uma vantagem?
Por isso, prever o destino que me espera
é uma dor sem importância. Se tivesse
de consentir em que ao cadáver de um dos filhos
de minha mãe fosse negada a sepultura,
então eu sofreria, mas não sofro agora.
Se te pareço hoje insensata por agir
dessa maneira, é como se eu fosse acusada
de insensatez pelo maior dos insensatos. (SÓFOCLES, 1997, p. 214-215)

Neste trecho, Sófocles narra o primeiro grito de protesto contra a onipotência dos governantes, mostrando o limite da autoridade do Estado sobre a consciência individual, defendendo a existência de valores universais e indispensáveis (Direitos Humanos) que nem mesmo o Direito Positivo pode afastá-los do homem. E é exatamente nesta linha de raciocínio que quero salientar mais uma vez o caráter de inevitabilidade dos Direitos Humanos e, como foi mostrado, afirmar que na antiga Grécia já havia noções desses direitos fundamentais, provando que a racionalidade humana, por si só, é capaz de vislumbrá-los.
Considerações Finais
“É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada por lei.” (BECCARIA, 2000, p. 107)
Nota-se que, complementando a parte histórica do trabalho, Cesare Beccaria (1738-1794), em sua obra Dos Delitos e Das Penas (1764), assevera ser mister a humanização das penas, atacando diretamente o sistema penal de sua época, em que desrespeitava nossos direitos fundamentais.
Agora, levantando os pontos principais deste artigo, veremos que os Direitos Humanos, na sua forma positiva, nascem de movimentos sociais de caráter libertador, atendendo os interesses sociais de seu tempo, rompendo estruturas de poder vigentes, sendo-lhes inerente a sua característica evolutiva gradual e permanente, no que, nas palavras do célebre Bobbio, são “nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” (BOBBIO apud MARINHO, 2005, p. 48)
Vimos também que os antigos gregos já se preocupavam em evidenciar o grau de importância das normas fundamentais, deixando escapar muitas vezes em suas obras tais direitos.
Assim, para concluir, analisaremos a eficácia dos Direitos Humanos no país. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 cede todo o Título II para tratar Dos Direitos e Garantias Fundamentais, elencando neste rol princípios como a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5°), tendo, o Estado, fundamentos como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, sendo que todo poder emana do povo (art. 1°, II, III, IV e parágrafo único) e tem como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem nenhuma forma de preconceitos (art. 3°). Apesar da validade inegável desses direitos para existência de uma sociedade harmônica, a questão que se coloca é a seguinte: estes direitos estão sendo aplicados realmente? O Estado, na pessoa de seus representantes, está se esforçando ao máximo para garanti-los? Sabe-se que não. Basta olharmos a nossa volta que veremos corrupção político-administrativa, marginalização, criminalidade, miséria. A realidade demonstra a oposição a esses direitos. Assim, nossos direitos fundamentais, lato sensu, infelizmente não saem do papel.
Com essas afirmações, quero instigar os caros leitores a ver com olhos mais críticos e aguçados a nossa realidade, para melhorá-la, contribuindo com novas idéias, e disseminando a única solução até então encontrada e ainda tendo muito por construir: a educação.


Referências

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2000.

BRASIL. Vade Mecum: Acadêmico de Direito. Organização de Anne Joyce Angher. 10. ed. São Paulo: Rideel, 2010.

DE CICCO, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

ÉSQUILO. Oréstia: Agamêmnon, Coéforas, Eumênides. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Século XXI Escolar: O Minidicionário da Língua Portuguesa. 4. ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

MARINHO, Dórian Esteves Ribas. Uma Visão Evolutiva dos Direitos Humanos. Prática Jurídica. Ano IV, n. 43, 31 out. 2005.

NALINI, José Renato. Por que filosofia?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SÓFOCLES. A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
Autor: Milton da Paz Aragão Júnior


Artigos Relacionados


Dos Direitos E Garantias Fundamentais

DeclaraÇÃo Americana Dos Direitos E Deveres Do Homem

Trabalho De Direto Internacional Público

Direitos Humanos

O Direito Internacional E A Liberdade Religiosa

DeclaraÇÃo Dos Direitos Humanos Sonho X Realidade.

Direitos Humanos Sem Retrocesso