No caminho, com a Cesp



Carlos Alberto dos Santos Dutra (*)

O poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, em 1964 escreveu um poema que equivocadamente tem sido atribuída sua autoria ao poeta russo Wladimir Maiakovski. A poesia diz que "Na primeira noite eles se aproximam, roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E como não dissemos nada, já não podemos dizer mais nada".

Essa poesia pode ser comparada ao grito sufocado de centenas de cidadãos e cidadãs de cinco municípios do estado de Mato Grosso do Sul, que foram impactados pela águas da hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta (ex-Porto Primavera), construída pela Companhia Energética de São Paulo-CESP e que no dia 28 de fevereiro último reuniram-se para protestar contra a privatização da concessionária.

O encontro ocorreu na Câmara Municipal de Brasilândia e reuniu Vereadores, o Prefeito da cidade, o Promotor de Justiça, lideranças comunitárias, ceramistas, pescadores, e membros da sociedade civil organizada do município e região, todos interessados em fazer valer junto a CESP as suas reivindicações.

Ali estavam ex-ribeirinhos que residem nos Reassentamentos Novo Porto João André, Santana, Santa Emília, Pedra Bonita, da zona rural e da sede da Comarca, todos esperando um representante da CESP que lhes trouxesse uma resposta às muitas perguntas formuladas no evento pelos próprios representantes locais.

Foi pronunciado diversas vezes o nome do Presidente da CESP, Dr. Guilherme Augusto Cirne de Toledo. Porém, nenhum funcionário compareceu ao evento. Informaram que a diretoria da estatal paulista não havia autorizado a participação de diretor da empresa.

Também pudera. Mal foi anunciado o programa estadual de desestatização do governo José Serra, ainda no final do ano passado, o pregão da Bovespa já acusava a valorização dos papéis ordinários da CESP em 26%.

O governo de São Paulo espera arrecadar R$ 7 bilhões com a privatização da CESP. O Edital foi lançado no dia 25 de fevereiro e o leilão já está previsto para o dia 26 de março. Nesse interin "duas liminares ameaçam a privatização", queixa-se a Folha de São Paulo. Para os economistas, a empresa tem um valor de mercado de mais de 10 bilhões de reais.

Enquanto o pregão festeja, cá do outro lado do rio Paraná, na sua margem direita, cá no fim do mundo, os cidadãos de uma cidadezinha de cerca de 15 mil habitantes conclamam pela suspensão do processo de privatização da CESP, tempo suficiente para que seja incluído no Manual de Privatização da estatal paulista suas reivindicações, consubstanciadas nas obras compensatórias e mitigatórias ainda não executadas ou cuja conclusão se encontra inacabada ou paralisada em razão dos impactos da formação do lago da hidrelétrica.

São pessoas simples, rostos queimados do sol e sem o perfume dos amplos salões refrigerados da Avenida Paulista ou os escaninhos freqüentados por expert de consórcios, como o da Tractebel da vida, provável compradora. São cidadãos comuns, trabalhadores do campo e da cidade, produtores e consumidores de energia elétrica que apelam para a sensibilidade dos homens-políticos que detém o poder em favor de seus diminutos sonhos.

E pedem: olhem para os prejuízos que o processo de privatização irá causar aos municípios se algo não for feito para garantir aqueles que ainda não foram ressarcidos pelas perdas sofridas em seu patrimônio em razão do deslocamento que empreenderam ao deixar as margens do rio Paraná e Verde.

Esses cidadãos não podem ficar calados diante da incerteza e o medo que acomete a todos, ao ver tantas pendências que ainda existem. Obras que correm o risco de jamais serem concluídas se não forem tomadas medidas formes  comprometendo a empresa que vier a comprar a concessão da CESP com os atingidos direta e indiretamente pela construção da barragem construída no rio Paranazão.

O sonho plantado pelos militares ainda em 1966 pela antiga Centrais Energéticas de São Paulo, o secretário de Fazenda, Mauro Ricardo da Costa, do governo José Serra, tratou logo de solapar: "não é tarefa do Estado o fornecimento de energia" (disse a FSP em 27/12/2007). Na verdade a venda da CESP vem mesmo para garantir investimentos para o Estado de São Paulo cujo Orçamento neste ano eleitoral de 2008, com a venda da CESP vai injetar a bagatela de 17 bilhões de reais.

Ainda assim, alheios aos interesses dos tubarões, onde todos ganham, esses cidadãos humildes ouviram com atenção a fala das autoridades: o representante do Ministério Público de Brasilândia Dr. Bolívar Luis da Costa Vieira, o Prefeito local, Dr. Antonio de Pádua Thiago e a defesa inflamada das lideranças políticas e comunitárias locais.

Tudo por uma questão de justiça e em respeito aos acordos já firmados e não cumpridos em favor dos oleiros que, lembrou um vereador na tribuna, ainda esperam uma tal jazida de barro para 30 anos, como medida cabível para a garantia do sustento das famílias que moravam na barranca do rio. Nessa época exploravam de maneira artesanal a cerâmica, e hoje, da noite para o dia, viram-se integrados ao setor industrial que os trata como empresários e lhes impõe pesado ônus, desde a energia mais cara até a falta de maquinário para sustentar a demanda ávida de produção pelo mercado.

Isso para não falar dos pescadores, profissão que foi extinta pela CESP e que afugentou os turistas do município. Pessoas que vivem hoje a saudade de seus ranchos e do grande rio, fonte de sustento de centenas de famílias. Distantes desse recurso hídrico, também os indígenas Ofaié que não podem descansar um caniço sequer na beira do rio, somam-se os brasilandense urbanos que vivem a exclusão de não ter acesso às margens do rio Paraná e Verde, enquanto do lado paulista esse acesso é livre até para o gado que pasta livre e solto nas margens desses rios.

A reunião termina e os ex-ribeirinhos combinam que irão a Campo Grande no dia 3 de março próximo, para participar de um outro encontro, na Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul. Vai com eles a esperança de ver incluído no Manual de Privatização da CESP uma garantia para eles: o compromisso de que os sucessores da CESP ficarão obrigados a assumir todo o passivo econômico, social e ambiental devido e que ainda não foi cumprido pela estatal junto aos municípios e ao povo desses 5 municípios impactados em terras Ofaié e Guarani.

A sala vai ficando vazia. Ao retornar para casa, o povo em silêncio repete as palavras do poema que Maiakoviski não escreveu. Com licença poética a Juareiz Correya, pode-se dizer que os ex-ribeirinhos impactados pela CESP continuam "no caminho", posicionando-se firmes contra a privatização da empresa.

Não é possível deixar que um nome, uma marca, uma referência entre as maiores concessionárias de energia elétrica do Brasil, a CESP, veja enterrada sua história em cova rasa na memória daqueles que expropriou, sob a acusação de  não haver findado seus dias, firme, praticando a justiça e o respeito desejado ao homem e ao meio ambiente. Em que pese esteja ela, não sem lágrimas, nos seus últimos estertores.

(*) É presidente do Instituto Cisalpina e vereador do PV em Brasilândia-MS. [email protected]


Autor: Carlito Dutra


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