Liberdade Para Amar Pelo Espírito - Parte 1



A ênfase na liberdade é sempre suscetível de ser má compreendida e levada para além dos seus limites contextuais. Aliás, é exatamente isto que desejam os inimigos da liberdade cristã. Acusá-la de libertinagem é um modo de desqualificá-la, diminuí-la para, enfim, negá-la.

Tendo afirmado a "liberdade que nós temos em Cristo Jesus" (2:4), identificado os cristãos com Sarah, a "mulher livre" (4:22, 23, 30, 31), e declarado que "foi para a liberdade que Cristo nos libertou" (5:1), Paulo adverte os cristãos gálatas sobre o mau uso da liberdade e o fazcomo reação aos cristãos gálatas cujo comportamento havia se reduzido a relacionamentos nos quais o amor de Deus está ausente.

Ora, a liberdade cristã envolve não só a liberdade da tirania diabólica e da escravidão legalista, mas também uma liberdade para que o homem possa funcionar do modo como Deus planejou pela dinâmica de Sua Graça.

Pela obra de Cristo o cristão é livre do pecado (Rm 6:14), da Lei (2:19), do moralismo legalista que exige um comportamento sempre em conformidade a regras e regulamentos e das performances do auto-esforço que tenta agradar a Deus por meio de "boas" obras.

Entretanto, por meio de sua "obra consumada" Jesus nos libertou (5:1) e pela ressurreição dentre os mortos ele nos deu a graça de sermos livres para receber a dinâmica funcional de sua própria vida e caráter.

Cada pessoa cristã, portanto, tem liberdade para estar receptivo à expressão do caráter de Deus (ao invés de ser um escravo do pecado – cf. Jo 8:34,35;Rm. 6:6).

E mais: cada cristão ou cristã é livre para ser gente como Deus planejou, derivando e manifestando o caráter divino no comportamento cristão para a glória de Deus.

Deve-se ressaltar, contudo, que a liberdade cristã nunca é absoluta. Essa liberdade não o é, de todo limite ou restrição, nem é uma liberdade para se fazer tudo que se quer. Fazer tudo que se quer é intenção tirana, argumento idealistade quem ultrapassa limites alheios para impor os seus próprios. Deus planejou que os cristãos tivessem apenas como limite de sua liberdade, o amor que a possibilita expandir-se saudavelmente, permitindo todo o necessário à formação do caráter de Cristo no cristão.

Aliás, o próprio Deus em Sua onipotência exerce Seu poder no contexto de Seu caráter e até impõe-se um auto-limite, a fim de respeitar as escolhas dos homens.

Assim, liberdade é sempre liberdade no contexto. A liberdade de Deus ocorre no contexto de Seu caráter e a liberdade do homem ocorre no contexto de suas escolhas de conseqüências espirituais.

Embora o cristão seja livre para pecar ou não pecar no contexto de seu ser habitado pelo Espírito, ele não é teleologicamente livre para "caricaturar" o caráter de Cristo através de suas posturas moralistas, legalistas e auto-indulgentes, as quais não manifestam o amor de Cristo que é a base da identidade cristã.

Tal compreensão é fundamental para entendermos a explanação de Paulo acerca da liberdade cristã e de sua tentativa de evitar o mau uso dessa liberdade em comportamentos "moralmente corretos" segundo o contexto, mas completamente desprovidos de amor cristão.

Com efeito, Paulo, percebendo que sua defesa da liberdade cristã poderia ser confundida com uma liberdade além de seu contexto, certa vez escreveu: "Permaneceremos no pecado para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum!"(Rm 6:1).

Ao denunciar o legalismo (pecaminoso) que deseja tolher a liberdade, Paulo procura esquivar-se das possíveis acusações de estar defendendo a licença.

Ora, nenhum esforço para "fabricar" piedade negando a liberdade cristã produz o comportamento amoroso, razão por que Paulo enfatiza a questão da liberdade contextualizada. Isto é: estamos sob o Senhorio de Cristo para manifestar Seu caráter de amor em nossos relacionamentos interpessoais, o que implica que a nossa liberdade é a de amar pelo Espírito. Éo que veremos a seguir.

5:13 Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor.

Em contraste aos agitadores judaizantes que tentavam impor aos gálatas um "jugo de escravidão" (5:1) e sobre os quais Paulo expressou seu desejo de que eles mesmos se auto-mutilassem (5:12), agora, o apóstolo lembra aos jovens cristãos gálatas que alguém lhes havia feito um chamado: " vós, irmãos, fostes chamados à liberdade...".

Paulo, ainda considerando-os como "irmãos" em contraste com os "falsos irmãos" (2:4) que advogavam a submissão à Lei, reafirma (cf. 5:1) a liberdade em Cristo à qual Deus os havia chamado a participar. Portanto, não se tratava de um convite à liberdade feito por Paulo, mas um chamado de Deus à liberdade da santificação (I Tess. 4:7), na certeza de que é eficaz o chamado. (I Tess. 5:24).

O desejo de Paulo era, pois, que os gálatas compreendessem as implicações da liberdade cristã pela qual eles foram chamados a serem gente como Deus planejou, para serem livres segundo o senhorio de Jesus em suas vidas sem jamais se fazerem escravos de quem quer que fosse ou escravizar o servo alheio por meio de códigos, leis e quaisquer outros dispositivos que reprimem qualquer manifestação espontânea de alegria e sanidade diante de Deus.

Neste sentido, Paulo se precavê contra o abuso da liberdade: "porém, não useis da liberdade para dar ocasião à carne...".

O Apóstolo reconhece a tendência do homem para "afrouxar" a liberdade por razões egoístas que, no início parecem "corretas e boas", mas que no fim, geram licença. Por isso, ele pôde dizer aos coríntios: "vede, porém, que esta liberdade não venha, de algum modo, a ser pedra de tropeço" (1Co 8:9). Pedro, semelhantemente, escreve: "...não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia" (1Pe 2:16).

A palavra grega que Paulo usa para ocasião (aphormen) implica que a liberdade pode ser utilizada como um ponto-de-partida, um estímulo, uma oportunidade (cf. I Tim. 5:14) para a auto-indulgência da carne.

Embora "carne" possa ser empregada para se referir ao corpo humano como em "carne e sangue" (cf. 2:20) e ao homem natural (cf. 2:16), Paulo parece estar usando "carne" aqui para referir-se às tendências egoístas e pecaminosas do homem, as quais se escondem atrás dos desejos da alma até mesmo dos cristãos (cf. Rm 7:15-21).

Ora, o cristão não está "na carne" (Rm 8:9) como um escravo da Lei (cf. 5:24), mas ele pode ainda andar "de acordo com a carne" (Rm. 8:12,13) quando tenta viver pela via do auto-esforço, da auto-afirmação, e da certeza do caráter imprescindível de certas regras a serem cumpridas e que só o torna um religioso, um piedoso, um "perfeito homem carnal" (cf. 3:3).

Desse modo, os cristãos gálatas corriam o risco de serem persuadidos pelos judaizantes de viverem segundo a Lei (leia-se segundo a carne) e isso faria deles "santos" no sentido de estarem separados do mundo, mas, paradoxalmente, completamente mundanizados! (I Jn. 2:16).

Ora, o relacionamento entre os gálatas não os permitia serem "sevos uns dos outros pelo amor". E, portanto, eles estavam usando a liberdade cristã além do seu contexto, em detrimento da expressão do amor de Deus, o qual jamais é voltado a seus próprios interesses, mas aos outros.

"Deus é amor" (I Jo 4:8,16) e a liberdade do cristão consiste em amar a Deus do único modo possível: amando a seu próximo!

Pode o cristão tentar ser "moralmente correto", procurar viver separado das coisas "mundanas" e dos pecadores, dentro do templo, conforme a liturgia etc; mas se não cultiva relacionamentos de amor cristão, então todo o seu esforço é o de "andar na carne" e viver além do contexto de sua liberdade, fora do "Caminho" (cf. Jo 14:6) no qual a vivência do amor de Deus não é libertinagem, mas a expressão do Seu caráter.

O exemplo maior de amor quem nos deu foi Jesus. Ele nos amou e se entregou por nós (cf. 2:20) e ainda hoje atua em nós pelo amor (cf. 5:6). Isto significa que a presença de Cristo no cristão não é só para o seu benefício espiritual, mas também para beneficiar o seu próximo. Cristo está em nós para o outro!

Assim, fomos livres da escravidão da Lei, livres para sermos servos do amor. Isto não é ironia. Lembre que a contextualização da liberdade cristã está em nossa submissão ao Senhorio de Jesus Cristo pelo que ele expressa Seu amor em nós para com todos.

O amor de Jesus ficou evidente quando ele assumiu a forma de servo (cf. Phil. 2:7) desejando morrer pelos outros. Desse modo, o serviço de amor é a evidência do discipulado cristão (Jo 13:35). Escrevendo aos Coríntios, Paulo explicou: "Porque sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível." (1Co 9:19).

É interessante notar que a expressão uns (dos) aos outros aparece no cap. 5 nos versos 13, 15, 26 (duas vezes); e em 6:2; para revelar que não se pode exercer a liberdade cristã (amar servindo) numa perspectiva individual, pois a dinâmica do amor de Cristo é sempre orientada para o outro, sendo necessária a interdependência entre os cristãos.

Assim, onde houver "dois ou três" comprometidos com a liberdade cristã, aí existe amor mútuo, mesmo que imersos numa atmosfera de religiosidades.


Autor: Adir Freire


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