Obama, a Mídia e a Quarta Guerra



O recente vazamento de informações sobre a Guerra do Afeganistão, com a exposição, na internet, de cerca de 92 mil documentos em que são descritas atrocidades das tropas ocidentais, é irrelevante: mesmo que os fatos ali especificados não sejam verdadeiros, massacres similares ocorrem todos os dias (quando falamos a respeito de guerra, um raciocínio minimamente razoável nos leva a essa conclusão). Aqueles documentos, portanto, não têm o poder de aumentar a indignação com o estado de beligerância. O que tem esse poder é o comportamento da mídia.

Desde a divulgação, a imprensa insiste em difundir a informação de que tais violações teriam acontecido entre 2004 e o início de 2009, excluindo, assim, de qualquer responsabilidade o atual dirigente da Casa Branca, como se, desde que ele assumiu o poder, o campo minado que é o Afeganistão tivesse se tornado palco de uma guerra “mais suave” e “responsável” (sim, para algumas pessoas existem “guerras responsáveis”). Repito: acontecimentos idênticos aos descritos naquelas páginas se sucedem sempre no decorrer de uma guerra. A mídia, portanto, deu um tiro no próprio pé ao tentar poupar Barack Obama, diretamente responsável por quaisquer crimes de guerra ocorridos desde o primeiro dia de seu mandato, assim como Bush é responsável pelo genocídio cometido quando presidente. Por isso, cabe perguntar: por que, com tão graves infrações em suas biografias, um é ovacionado e o outro é execrado?

Não há justificativa para tamanha diferença de tratamento, pois TODOS os presidentes dos EUA sempre chegam ao poder financiados por grandes corporações, por grandes multinacionais, pelos mais poderosos conglomerados econômicos – gente graúda de vários setores, especialmente das indústrias bélica e de produção de energia. O comprometimento de garantir retorno financeiro a esses grupos é tanto que o preço de desafiá-los seria a queda do governo por meio de impeachment, já que também pagam as campanhas de todo o Congresso dos EUA. Então, para satisfazer a ânsia de lucro dessas pessoas, e, assim, manter o governo até o fim do mandato, tudo é permitido: até se aproveitar dos atentados de 11 de Setembro para invadir e controlar as reservas energéticas de um país não envolvido nos ataques (o Iraque), mesmo se os inevitáveis crimes de guerra que seriam e foram cometidos viessem a ocasionar, como de fato ocasionaram, a radicalização de uma geração inteira de jovens muçulmanos, que, agora sim, engrossam as fileiras da Al-Qaeda a fim de destruir o Ocidente. Bin Laden e a Al-Qaeda são gratos às atrocidades que, iniciadas por Bush, tiveram continuidade com Obama, pois isso lhes permitiu aumentar os efetivos de seu exército terrorista.

Quanto ao Afeganistão, foi invadido em legítima reação ao 11 de Setembro, uma vez que o regime Talibã realmente fornecia abrigo a Bin Laden e à Al-Qaeda. Por isso, logo após a derrubada do Talibã, os EUA deveriam ter deixado ao governo local por eles instalado a tarefa de combater o que resta da milícia (os afegãos têm uma milenar tradição de flagelar implacavelmente oponentes militares, locais ou estrangeiros, e por isso não precisam ser ensinados a lutar), ajudado esse mesmo governo a combater a corrupção, retirado definitivamente suas tropas e investido pesadamente na aliança e eficiente cooperação entre as centrais de inteligência americanas (que falharam ao não detectar o 11 de Setembro), afegãs e de demais países aliados, dando-lhes reais condições de, como serviços efetivamente secretos que são, prevenir atentados, investigar, perseguir e deter as cúpulas terroristas onde quer que se encontrem. Somente assim – com enfoque especial na completa retirada das tropas – teria sido possível continuar a Guerra do Terror sem que em solo muçulmano houvessem sido cometidos, pelos ocidentais, os posteriores crimes de guerra registrados contra civis, e que, a exemplo do Iraque, só serviram para aumentar o ódio ao Ocidente e inflar o capital político de redes como a Al-Qaeda. Entretanto, nada disso importava: a saída dos militares desse teatro de guerra selaria a queda vertiginosa dos lucros da indústria bélica, e, apesar da simultânea guerra no Iraque, pontos a menos para Bush perante os grandes conglomerados. Já Obama possui um cinismo menos explícito: ao mesmo tempo em que, um ano e meio e milhares de mortes após sua posse, anuncia o fim da missão no Iraque, comunica o envio de mais 30 mil soldados ao Afeganistão, numa nítida estratégia de concentração, e não de diminuição de tropas em território islâmico, garantindo, em um prazo razoável e como Bush, a manutenção do faturamento do complexo industrial-militar que o elegeu, ainda que isso em nada contribua para a segurança interna dos EUA (vide as recentes tentativas de explodir um avião que ia para Detroit e um carro-bomba em Nova York, que só fracassaram por causa do amadorismo de seus executores), que Bin Laden continue solto e que, volto a dizer, signifique o aumento das violações de direitos humanos da população civil, com a conseqüente cooptação de futuros terroristas por grupos radicais. Gente que, sedenta de vingança e doutrinada a não temer, mas a desejar a retaliação como forma de martírio, nada terá a perder detonando algum artefato nuclear em território americano - o que é enormemente facilitado quando há ligações com quem pode fornecer a bomba, como o regime extremista do Irã e o corrupto serviço de inteligência do Paquistão, reconhecidamente uma potência atômica.

O rumo dos acontecimentos leva à quase certeza de que algo terrível ocorrerá, revelando um Einstein profeticamente preciso ao preconizar que “a Quarta Guerra será com paus e pedras”. Por isso, não há qualquer razão para que o atual presidente dos EUA seja tratado pela mídia com luvas de pelica, vez que seu governo tem se mostrado tão nocivo, irresponsável e inconseqüente quanto o anterior. A orientação dos meios de comunicação de acobertar as gravíssimas violações da atual administração dos EUA e seus potenciais desdobramentos é tão obtusa e arraigada que chega às raias do ridículo quando procura desconstituir a correta noção a respeito da realidade diária de uma guerra há muito sem objetivo. Tal comportamento, nada profissional e exemplo de péssimo jornalismo, talvez reflita o compreensível desespero em preservar um “líder” fabricado num mundo cada vez mais carente de líderes reais. E não havia melhor cenário para a fabricação de um “líder” que na pessoa do candidato à sucessão de Bush pelo partido de oposição (há alguém pior que George W. Bush?), fosse quem fosse, mesmo que os mecanismos de arrecadação de fundos para a campanha, o total comprometimento com corporações mercadoras de armas, a incapacidade de efetivamente proteger seu país e a inabilidade em lidar com questões cruciais à sobrevivência da Humanidade tenham sido, desde o início, os mesmos. Obama, portanto, nunca foi um líder real, mas um bem-sucedido produto de marketing do Partido Democrata - como seria qualquer outro candidato opositor em seu lugar.

Que, futuramente, os responsáveis pela divulgação dos fatos o façam objetiva e imparcialmente, como lhes manda a ética de seu ofício, não criando irreais expectativas sobre falsos messias, e que esse desejado profissionalismo ajude, de fato, a criar consciências capazes de reformar sistemas eleitorais de cartas marcadas e a eleger líderes, esses sim, reais e comprometidos com estratégias capazes de enfrentar as ameaças que pairam sobre a Humanidade sem se tornarem, eles próprios, agentes do Armagedom.

Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
Autor: Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho


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