As Cores Da Liberdade



Entrebeijos, garrafas de coca cola e, algumas tentativasfrustradas de passar a mão nas pernas de Susan:a: a única menina, queusava sutiã na minha classe. Eu Santo Paulo, como era chamado pelos amigos, havia sobrado novamente na festa de aniversário do meu melhor amigo, e campeão de kartmunicipal. Roberto Saldanha.

E, esta sensação de derrota, seguida de angustia,me perseguiriam por toda a vida. O que me faziacrer, nos estranhos sonhosde mamãe:estava escrito, nas entrelinhas, no mapa do meu destino, que quando completasse 15 anos seria enviado para oseminário juntamente, com minhas figurinhas do fantasma, e acoleção defigurinhas da turma da Mônica.No entanto, comoeu poderia viver sem o encanto, e a voz macia, das meninas do colégio, que serviam de elixir para minha a melancolia, e tristeza :prima-irmãs, das minhas indagações existenciais.

Porque, eu que nada devia ao Estado,Previdência, e muito menos aos funcionários da pequena fábricade papelão, do meu pai deveria pagar pelos pecados dafamília, sendo enviado como instrumento de salvação a casa de Deus.

Afinal, foiJoana minha irmã mais velha, que dormiu na camados meus pais, com o namorado,Zeca, que não queria nada da vida. O rapaz que havia chegado de Três Corações, há um ano e se enamorou de Joana numa aula de mandalas só sabia tocarviolãotrês cordas de nylon,e usar roupascom símbolos nazistas. E, depois eu, o caçula, que ainda não tinha pecados cabeludos,e muito menos sabia o significado da palavra sexo;tinha de rezar o terço ajoelhado, para redimir as almas do purgatório.

Porque eu, sempre eu? Será que vão colocar meu busto em praça pública, quando morrer atropelado, por uma bicicleta em algum dia quente de verão.Vão guardar em tubos de ensaio amostras da minha pele com as chagas de Jesus, para alguma revista cientifica?

Paulo Garavacchio garoto que se tornou Santo antes de completar 13 anos. No entanto, o que eu desejava eraser jogador de xadrez,e casar com a professora de artes. Nunca almejei a carreira religiosa, nem muito menosum bustona igreja da cidade perto do altar, onde se ajoelhavam as beatas, e os pecadores.

A padroeira da cidade Santa Terezinha a Santa das rosas, com seu coração solidário,não havia me preparado para tal feito. Mamãe dizia, que eu devia tudo aessa imagem de virtuosidade ,que era Dona Tereza, como eu chamava na hora do aperto.Pois, foicom sua graça, e proteção que eu havia sobrevivido depois de um parto difícil e, meses suando dentro de uma incubadora no único hospital da cidade. Nessa mesma data, quando todos comemoravam a Festa da Padroeira da Cidade, bebendo e, rezando em volta da imagem tristonha, masiluminada de Santa Teresinha conheci Clarisse. Ela fingia não ver meu olhar guloso no seu vestido azul piscina, nem as mãos sardentas procurando seus joelhos, enquanto rezávamos.

Foi naquela tarde azul de sol, que eu fiz minha uma promessa asantinha: queria Clarisse a qualquer custo, em qualquer circunstância; podia chovergranizo, e acabar com as parreiras de uva lá de casa, mas eu haveriadetê-la em meus braços.Ah sim, e não havia sacristão, que me proibiria, ou pároco que desaprovasse o desejo ardente por aquelaruivinha.

Clarisse era filha de um comerciante de má reputação, e uma cabeleireirade língua afiada, que costumava servir de agiota aos menos afortunados. No Colégio, que também levava o nome da Santa, assim como a rua do Hospital, e a Praça,ela não era bem quista, já que a metade da cidade havia pedido dinheiro emprestado para sua mãe.

Era de esperar, quemamãe não via o romance com bons olhos.Além disso, como eu já havia dito anteriormente, euera o Santo Paulinho, e nunca com a benção de Deus teria chance com as garotas.

Para piorar a situaçãomamãe vivia espalhando pela cidade, que no ano vindouro eu iria por bem, ou por mal parao Seminário ,e ai de quem fosse contra, como por exemplo meu nonno Santelmo, um senhor alegre e fanfarrão,amante da vida, do vinho e das mulheres, e que pelo nome, também já havia sido vitima de uma mãe carola.-Não se preocupe bambino, o nonno não vai deixar que vá para aquela casa de maricas.Nem que tenha de esconder você debaixo da minha cama, ou entre as garrafas de vinho que seu tio Bento mandou de Verona no ano passado.

Eu ria baixinho, e chorava ao mesmo tempo.Afinal, um senhor de 90 anos, com os dias contados, peladiabete, eo problema de visão causada pela catarata, que ele não queria operar, não tinha força nem vez com duas mulheres autoritárias, e fortes como mamãe, e minha nonna.Era nessas horas, que eu me escondia no quarto acolhido pela pequena imagem de Santa Terezinhaem meus braços. –Não posso ir para o seminário, não agora que Clarisse já, responde as minhas cartas, erecebe com ardor os olhares distraídos,lançadosna sala de aula, geralmente nas aulas de Religião do Frei Beto.

Na manhã seguinte, quando eu tomava cafée, jogavacartas com o nono, uma triste notícia chegou até a mesa: a doença da filha do Senhor Isaac mais conhecida comoClarisse - a menina dos cabelos de fogo.

-Ela estava tão pálida ultimamente. Além do mais achei estranho, que a mãe da menina,que nunca ia igreja agorareza o terço nas missas dominicais.Bem que eu acheiClarisse sempre muito branca. Achoaté, que não come direito e, a mãe passa trabalhando, enquanto o pai vive tramando contra os outros.continuou mamãe.

Eu saí correndo da mesa, deixando todos atônitos.Fui me esconder entre as parreiras, perto do local, onde mamãe mantinha um pequeno santuário da minha madrinha, e protetora Santa Terezinha.Me ajoelhei, e pedicom todo fervor,que guardava no meu coração adolescente, que salvasse a mulher da minha vida .

Ao me deitar na grama ainda molhada pelo sereno da noite, com somdos grilos, e sapos que habitavam nosso jardim, pensei que, se eu tivesse ouvido as palavras, e preces de mamãe talvez não estivesse sofrendo por causa de umamor impossível.Como religioso estariaocupado dando sermões aos fiéis, e afastadodemulheres, bebedeiras. E, nemo caminho silencioso, e os corredores de um seminário, repleto de padresglutões, e garotos magros e, famintos, parecia ser tão deprimente do que a perda de Clarisse. Talvez, como padrepoderia me penitenciar de todas as revistas pornográficas, que havia roubado do pai do Nicolau, das frutas apanhadas no pátio do vizinho, dasbrincadeiras de esconde esconde no banheiro feminino.Seria esse ocaminho da remição?

No entanto,eu era apenas um rapaz latino americano,de cabelos longos, meias xadrez, alguns discos do pantera, e um skate, que guardava debaixo da cama. Com as angustias, medos, e desejos que não poderiam ser maiores,que meus 12 anos.A paixão eraum sentimento estranho, para um mim.Paulo o menino criado para ser beato; agora apaixonado por uma menina, que padecia de uma doença incurável.Porém, sofrer me tornava mais humano.Normal para um rapazna puberdade.

A culpa me transformava num espantalho, que sob as intempéries do tempo, em uma plantação de tomates, ficava á vista de possíveis invasores.Pronto para sercrucificado pelos, meus pecados,ou livre para ser levado pelo sonho de fugir com Clarisse, que agora por causa da leucemia, tinha poucos meses de vida.

Passado um ano em que eu mepenitenciei por um amor perdido, bebendo todo o vinho da adega do nonno.

Chorando até que meu rosto ardesse pela dor e aslágrimas, consegui sair da prisão ocasionada pelosofrimento .Foi com a ajuda de Santa Terezinha, e meu nono Santelmo, que me contou a história dos 130 anoscolonização italiana no Brasil,que euconsegui voltar a viver.

Voltei a estudar, e passei a freqüentar a biblioteca do Colégio, descobrindo entre livros de viagem, e enciclopédias a Poesia. Comecei com o Bocacio, com seus poemas eróticos, encontrando a simplicidade de Fernando Pessoa, e Jorge de Sena.

Descobri, que mesmo tendo perdido Clarisse, eu ainda tinhaa mim.E, eu não poderia morrer sem descobrir as cores da liberdade.

Lembro que com o coração em frangalhos ajudei a carregar o caixão da menina-mulher, que foi dona do meu coração em toda fase adolescente. Mamãe, e papai não entenderam nada quando, em pranto, depois de um porre com o nonno Santelmo, eu me joguei no lago em frente ao poço, saindo sob os protestos da nonna, que já estava pronta parapassar a vara de marmelo nas minhas pernas ainda brancas e, magrelas de guri. Foi, quando a olhei como quem,procura respostas recitando uma frase de Sartre, (...)"Não há um sentido ou propósito último inerente à vida humana; a vida é absurda". (..).Ela fez o sinal da cruz ,e descobriu que seu neto, já era um homem.

Nada do que dissesse, ou recomendasse naquela noite de estrelas, poderiam mudaromeu destino.

Aos dezessete anos me mudei para, a Capital.

Fui descobri se tinha vocação para o direito, ou a Literatura.Também fui buscar o que tanto almejava:.a liberdade, sendo seguida da angustia, que havia feito as malas comigo.

Santa Teresinha minha protetora, também teve sua chance: sua imagem guardada na caixa de livrosque serviria de escrivaninha. Iria morar em umapartamento que pertencia a um amigode longa data do nonno.

Eu não conhecia nada da vida, quando em um outono chuvoso chequei na cidade.Todas aquelas luzes, e prédios grandiosos me pareceram assustadores.Os rapazes, os quais eu dividiria o apartamento também não foram nada amistosos ao verem o tamanho da minha mala, e a caixa de livros.

Eu aindatinha as feições de menino, e um olhar perdido, que meu nono dizia que eram olhosde poeta.Antes mesmo de eu entrar na pequena sala, que tinha alguns retratos antigos, que relembravam as fotos de meus antepassados, um dos garotos, o mais gordo,e arrogante já destinou onde eu ficaria:

-Terás, que dormir no quarto dos fundos. O que servia dedispensa da vovó.

O único dos garotos, que me ajudou a carregar a caixa de livros, viria a ser mais tarde meu melhor amigo.Márcio o caçula, que estudava matemática naUniversidade, mas sonhava com a carreira, de ator.

Nas tardes de terça, quando os irmãosjogavam basquete, era eu quemajudavaa decorar os textos, para comerciais, e filmes. Ele dizia que, os filmes de Fellini,e o desempenho do ator Marcelo Mastroiani,haviamgerminado em sua almaa arte da interpretação. E, não seria o paicorretor,com seus dilemas de pequeno burguês, e a mãe médica, que vivia emoutragaláxia, por causa da perda de um filho,empecilho para que corresse em busca de seus sonhos. -Sou quase maior de idade, faço dezoito anos no ano que vem. E, quando ainda estiverem comendo o bolo do meu aniversário, eu fujo para São Paulo.diziaainda com um pouco de receio, pelo que poderia acontecer com seu futuro como artista.

Ao conviver com Márcio,e sua sensibilidade velada, tambémcomecei a conhecer a mim mesmo. E, foi entre discussões violentas sobre o existencialismo, bebedeiras, mulheres, e livros,que descobri que a cidade havia ficado pequena para mim. E, eu mal havia entradono curso de Direito.Folheava com extremo desinteresse a doutrina jurídica. OsCódigos, Legislações, e artigos nãosaciavam a minha curiosidade.Eu queria mais, do que isso. Eu tinha um fogo ardendo dentro de mim, que somente, a mais pura liberdade, na sua essência poderia saciar. Paulo, o menino de pernas esqueléticas que sentava no colo do nono e,dizia que um dia percorreria o mundo com uma mochila, sonhos, e a imagem de Santa Terezinha.No teto do mundo seria eu ainda umestrangeiro?

1*(..)Por quantas estradas um homem precisa caminhar
Para que possa ser chamado de homem/ Sim, e quantos anos pode uma pessoa existir
Até que se permita sua liberdade?
Qual a cor da liberdade ?

*2 "A cor da liberdade" Não hei-de morrer sem saber/qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser/desta terra em que nasci./Embora ao mundo pertença/e sempre a verdade vença,/qual será ser livre aqui,/não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,/é quase um crime viver./Mas, embora escondam tudo/e me queiram cego e mudo,/não hei-de morrer sem saber/qual a cor da liberdade(..)




Autor: angelica rizzi


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