Guerra de Canudos - Liberdade ou Coronelismo?



Para compreendermos melhor a Guerra dos Canudos e a violência com que foi esmagada a revolta camponesa é preciso restabelecer o cenário histórico em que ela ocorreu. Não se podem entender Canudos isoladamente, sem conhecer as circunstâncias históricas e políticas que a provocaram.
O Brasil estava em permanente ebulição, desde 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, acontecimentos espetaculares e traumáticos se sucediam um ao outro. A Questão Militar que vinha se arrastando desde 1883, com o debate em torno da doutrina do soldado-cidadão, que defendia a participação dos oficiais nas questões políticas e sociais do país, teve uma conclusão repentina, com o golpe militar republicano de 15 de novembro de 1889.
A derrubada da Monarquia, que de imediato foi sem derramamento de sangue, terminou por provocar reações anti-republicanas. Uma nova constituição foi aprovada em 1891, tornando o Brasil uma república federativa e presidencialista no modelo norte-americano. Separou-se o estado da Igreja (o que vai provocar a indignação de Antônio Conselheiro) e ampliou-se o direito de voto (aboliu-se o sistema censitário existente no Império e permitiu-se que todo o cidadão alfabetizado pudesse tornar-se cidadão).
As dificuldades políticas da implantação da República se aceleraram com a crise inflacionária provocada pelo Encilhamento, quando o Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, autorizou um aumento de 75% na emissão de papel-moeda nacional. Houve muito desgaste do novo regime devido ao clima de especulação e de multiplicação de empresas sem lastro (mais de 300 em um ano apenas). O presidente da República, Mal. Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso, o que serviu de pretexto para a Marinha de Guerra rebelar-se exigindo e conseguindo sua renúncia , o que ocorreu em 23 de novembro de 1891. Deodoro doente retirou-se, sendo substituído pelo vice-presidente Mal. Floriano Peixoto.
Em fevereiro de 1893 estoura no Rio Grande do Sul a revolução federalista, quando maragatos insurgem-se contra o governo de Júlio de Castilhos, conduzindo o estado a uma dolosa guerra civil. Neste mesmo ano em setembro, ocorre o segundo levante da Armada, novamente liderado pelo Al. Custódio de Melo, seguida pela adesão do Al. Saldanha da Gama, que chega a bombardear o Rio de Janeiro, Floriano Peixoto mobiliza a população para a defesa da capital e Custodio de Melo resolve abandonar a baía da Guanabara para juntar-se aos maragatos que haviam ocupado Desterro (em Santa Catarina). A guerra no sul militarmente se encerra com a morte de Gumercindo Saraiva o guerrilheiro maragato em 1894, e com derrota da incursão do Al. Saldanha da Gama na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai em 1895. A guerra tinha produzido mais de 12 mil mortos em uma parte deles havia sido vítima de degolas de parte a parte. Coube ao novo presidente, Prudente de Morais, alcançar a pacificação que é assinada em Pelotas em agosto de 1895.
Foi nesse pano de fundo turbulento, marcado por transformações repentinas e radicais, pela abolição da escravidão, pelo golpe republicano, pelo fechamento do Congresso, pelo estado de sítio, por dois levantes da Armada e por uma cruel Guerra Civil, que a população urbana ouviu com espanto a notícia, em novembro de 1896, de que uma expedição de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunços do interior da Bahia. Começava então a Guerra de Canudos.
A consolidação do modelo republicano federalista e a ascendência das oligarquias agrárias ao poder fez surgir um dos mais característicos fenômenos sociais e políticos do período: o coronelismo. O fenômeno do coronelismo expressou as particularidades do desenvolvimento social e político do Brasil.
Ele foi resultado da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural.O direito de voto estava assegurado pela Constituição, mas o fato da grande maioria dos eleitores habitarem o interior (a população sertaneja e camponesa) e serem muito pouco politizados levou os proprietários agrários a controlar o voto e o processo eleitoral em função de seus interesses. O "coronel" (geralmente um proprietário de terra) foi a figura chave no processo de controle do voto da população rural. Temido e respeitado, a influência e o poder político do coronel aumentavam a medida em que ele conseguisse assegurar o voto dos eleitores para os seus candidatos. Por meio do emprego da violência e também da barganha (troca de favores), os coronéis forçavam os eleitores a votarem nos candidatos que convinha aos seus interesses.
O controle do voto da população rural pelos coronéis ficou conhecido popularmente como "voto de cabresto". Por meio do voto de cabresto eram eleitos os chefes políticos locais (municipais), regional (estaduais) e federal (o governo central).
A fraude, a corrupção, e o favorecimento permeavam todo o processo eleitoral de modo a deturpar a representação política. No âmbito municipal os coronéis locais dependiam do governador para obtenção de auxílio financeiro para obras públicas e benfeitorias gerais, daí a necessidade de apoiar e obter votos para os candidatos de determinada facção das oligarquias estaduais. As oligarquias estaduais também dependiam de votos para conquistarem ou assegurarem seu domínio político, daí a necessidade de barganharem com os coronéis locais. Semelhante condição de dependência política se manifestava nas relações do governo federal com os governos estaduais. As rivalidades, lutas e conflitos armados entre coronéis de pouca ou grande influência e pertencentes a diferentes oligarquias agrárias eram comuns, fazendo da violência um componente constitutivo e permanente do sistema de dominação política da República Velha.
Autor: Jéssica da Cruz Seno


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