É possível a ocorrência de danos morais por humilhações causadas pela figura do orientador de monografia?



Introdução

Nunca havia refletido acerca da possibilidade de verificação de danos morais em razão do comportamento do orientador de monografia. Na verdade, esta questão sequer tinha figurado em meus pensamentos. Até que há duas semanas presenciei uma situação deveras constrangedora. Fiz parte de uma banca avaliadora de monografia, que transcorreu normalmente. Todavia, ao sair, ato contínuo, vivenciei a cena de um aluno, que aguardava ansiosamente pela apresentação e não pode fazê-lo. A examinadora não permitiu que a monografia fosse avaliada, alegando que o trabalho estava fraco e com trechos de plágio. Estavam presentes o pai, a namorada, o irmão e muitos amigos desse orientando, que, pegos e surpresa, decepcionaram-se com a notícia. A seu turno, em alto e bom tom, a orientadora falou por mais de meia hora, questionando a qualidade do trabalho apresentado. Por fim, saiu sorrindo (e rindo) do local, como se nada tivesse acontecido. Intimamente, passei a me perquirir se este seria o momento adequado para tal conduta e se a profissional não havia tido meses para "orientar" aquele aluno, ensinar o que realmente era necessário para um trabalho de conclusão de curso, não precisando sujeitá-lo a uma humilhação pública e familiar.

Conceito de orientação. Afinal, qual a função do orientador?

Orientar, grosso modo, implica em auxiliar, guiar, dirigir algo ou alguém.

Segundo Maria Amélia Azevedo Goldberg (2008):

"Literalmente, orientação é o ato ou processo de orientar. A semântica do termo orientar nos diz que ele significa "guiar, dirigir, indicar o rumo", mas que também pode ser empregado no sentido de "reconhecer a situação do lugar em que se acha para se guiar no caminho"".

Assim, aquele que orienta deve guiar, indicar o rumo. No caso do orientador de monografia (ou trabalho de conclusão de curso), é imprescindível que indique os rumos do trabalho científico, asseverando as fontes de pesquisa, questionando a qualidade do conteúdo apresentado, no sentido de proporcionar e contribuir para a aquisição de conhecimentos e habilidades específicas para o graduando.

Ainda nos dizeres de Maria Amélia Azevedo Goldberg (2008), a orientação, como atividade profissional específica é "a assistência técnica proporcionada pelo orientador ao orientando, com o objetivo de desenvolver, neste último, a habilidade de tomar e executar decisões, de forma racional e responsável".

É claro que o orientador deve corrigir o seu orientando (aliás, isto faz parte de sua função!), bem como aclarar acerca de eventual insuficiência da pesquisa científica (por falta de interesse, comodismo, dificuldade no aprendizado ou na pesquisa, plágio de internet, etc). Se todos os orientados não errassem nem tivessem dúvidas, a função do orientador seria até mesmo dispensável. Todavia, é cediço que existe um momento oportuno para a correção  durante a elaboração do trabalho. O orientador pode até, em casos extremos, abandonar a orientação se perceber que o aluno não respeita nem considera as suas colocações e correções (tenho certeza que muitos já presenciaram tal hipótese ou, ao menos, "ouviram falar" de um caso parecido).

Uma vez concluído o trabalho científico, este resultou fraco, incompleto ou plagiado, é certo que houve falhas tanto do aluno e do orientador.

Não pode (quer dizer, não deve) o orientador esperar, aguardar, o momento da apresentação da monografia para "sentenciar" que o aluno não tem condições de apresentá-la. Não pode montar uma verdadeira "armadilha" para o aluno e permitir que até o último momento, este acredite que será avaliado pela banca examinadora, inclusive levando a família e os amigos para partilhar a ocasião.

Eventual aluno relapso deverá, obviamente, ser impedido de apresentar o trabalho, mas não pode ser ludibriado. Se o orientador sabe que a monografia, de plano, não tem condições de ser aprovada, oriente o aluno. Esclareça a situação. Explique os motivos. Mas não espere a família e os entes queridos estarem presentes para o fazê-lo. É decepcionante, vexatório, humilhante tanto para a pessoa quanto para os presentes. É falta de ética, de bom senso, de respeito e de preparo do profissional. O orientador não pode faltar (ou omitir) a verdade, levando o aluno a presumir que o texto estaria consistente e bem redigido.

Ademais, como já afirmado, se nada foi dito até àquela hora, também houve carência do orientador. Como não foi visto que o trabalho não estava apto para avaliação? Como permitiu, de modo inerte, que o aluno realizasse um trabalho fraco?

A repreensão não pode ser excessiva, desmedida, mas somente visar o aperfeiçoamento do processo educacional.

Dos danos morais. Situações ensejadoras da reparação moral. Da ocorrência dos danos morais em razão da conduta do orientador

Tal qual já asseveramos em diversos artigos científicos de nossa autoria, os danos morais se caracterizam como aqueles que ofendem os direitos inerentes à personalidade em geral (como o direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc). Estarão caracterizados os danos morais nos casos de distúrbios anormais na vida de uma pessoa.

Define Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 249):

"O dano exclusivamente moral (...) é aquele sem repercussão patrimonial. (...) Dano moral consiste em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa, à sua dignidade, enfim, que se traduz nos modernos direitos da personalidade".

A possibilidade de ocorrência de tais danos é há muito reconhecida pela doutrina e jurisprudência, o que culminou com o reconhecimento pela Constituição Federal (artigo 5o, incisos V e X) e pelo Código Civil (artigo 186, parte final).

Pondera Consoante Rui Stoco (2001, p. 1.362):

"(...) Foi com o advento da Constituição Federal de 1988 que a aceitação plena da reparação por dano moral se consagrou. (...) A Lei Magna fê-lo de forma irrestrita e abrangente. Fez mais. Alçou esse direito à categoria de garantia fundamental (CF/88, art. 5º, incisos V e X), considerada como cláusula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, § 4º, da Magna Carta".

Pode-se afirmar que graças à indenização dessa modalidade de dano, a reparação civil se tornou um instrumento de efetiva proteção dos direitos da personalidade.

Hoje em dia, é certo que a ofensa à honra deve ser indenizada, razão pela qual questões como perdas de um ente querido, violações de intimidade, protestos indevidos, danos estéticos, rompimento de relacionamentos em situações vexatórias, perdas de chance, prestação de serviços deficitários ao consumidor, entre muitos outros, recebem reparação jurídica. Busca-se uma verdadeira restauração da dignidade.

Para se avaliar se uma hipótese é passível de indenização por danos morais, é mister a ponderação se esta se caracteriza (ou não) como uma situação anormal, um incômodo desmedido na vida em sociedade. A ilicitude residirá na ofensa ao neminem laedere. Explicita Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 248):

"Exemplifica-se que é incômodo perfeitamente tolerável aguardar alguns minutos em uma fila para obter um serviço público ou privado; é incômodo intolerável e atenta contra a dignidade da pessoa ficar numa fila mais de 24 horas para se obter vaga para o filho em escola pública ou para ser atendido pelo sistema oficial de saúde. (...) Em cada caso específico, cumpre ao intérprete que dê a correta resposta a incômodos anormais que atentem contra a personalidade como privacidade, valores éticos, religião, vida social. A ilicitude não reside apenas na violação de uma norma ou do ordenamento em geral, mas principalmente na ofensa ao direito de outrem, em desacordo com a regra geral pela qual ninguém deve prejudicar o próximo (neminem laedere). Nesse diapasão, alarga-se o conceito de culpa, de molde a refugir à clássica trilogia imprudência, negligência ou imperícia, conteúdos da ilicitude que passam a ser secundários (...) em situações que a doutrina denomina de "culpa contra a legalidade", hipóteses que implicitamente hoje se estendem a inúmeras transgressões de conduta ou incômodos que atentam contra a dignidade do ser humano. (...) A falta na conduta é o desvio social que autorizará, dentre outros fatores, a indenização".

A hipótese de humilhação causada pelo orientador, em frente à família e aos familiares (e de quem mais quisesse assistir) seria capaz de ensejar a reparação?

Acredito que sim. Ora, o vexame público não se caracteriza como uma ofensa corriqueira, normal na vida de um indivíduo. A apresentação da monografia era um momento único e não poderia ser maculado desta forma. Frise-se bem, que não estamos a defender os alunos desinteressados ou falsificadores de monografia, mas pregando a ética na relação existente entre orientador e orientado.

Muito já escrevemos acerca da boa-fé objetiva e de sua incidência em toda e qualquer relação jurídica. Neste contexto, é facilmente perceptível que, no caso de o orientador surpreender o aluno quando da banca, em nada afirmando anteriormente que a pesquisa estaria fraca, há ausência de boa-fé objetiva. O homem mediano não tem este padrão de conduta. O comportamento deveria ser pautado na lisura e na probidade.

Se o trabalho realmente estava ruim (o que implicaria em culpa do orientando), deveria ter sido refeito em momento anterior ou mesmo impedido de apresentar. Não há uma mera censura do orientador perante a banca, mas uma exposição desnecessária, com o propósito de denegrir a honra do aluno em frente àqueles que nele acreditavam.

Tanto a honra objetiva (a reputação, o nome e a imagem social e familiar) quanto a honra subjetiva (a auto-estima) do aluno são atingidas por uma conduta imoderada do orientador. Não há qualquer orientação, auxílio ou comportamento tendente ao aprimoramento do estudo, mas sim desorientação.

Por derradeiro, em se verificando uma ofensa psíquica anormal, praticada pela conduta do orientador, como em qualquer outro caso em que a honra seja atingida, poderá se evidenciar a reparação a título de danos morais.

Conclusões

O orientador deve guiar, auxiliar, na conclusão de uma monografia ou um trabalho de conclusão de curso. É sua função avaliar e repreender, quando necessário, colaborando para que a pesquisa científica atinja as finalidades propostas e que o estudo do graduando seja aprimorado. Abandonar o ofício quando o aluno não se propõe a realizar a tarefa com responsabilidade, é um direito deste profissional pedagógico. Todavia, como em qualquer outra relação interpessoal, deve ser permeada pela ética, pautada na boa-fé objetiva. Não poderá o orientador sujeitar o aluno a situações vexatórias e humilhantes. É desnecessário e incorreto ludibriar o aluno, deixando a avaliação ser formada, a família comparecer em peso, para só então avisá-lo da má qualidade de um trabalho. Se um trabalho científico se resta insuficiente, há falhas de ambos os lados (orientador e orientado). Não é lícito ao orientador, sob o pretexto de estar orientando, ofender psiquicamente um aluno, causando-lhe humilhações públicas. Em se verificando tal situação, é cediça a caracterização dos danos morais.

Bibliografia

GOLDBERG, Maria Amália Azevedo. A função do orientador educacional. Disponível em http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/223.pdf Acesso em 17.dez.2009.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária ejurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns impactos da nova ordem constitucional sobre o direito civil. In Revista dos Tribunais. Ano 79. Dezembro de 1990. V. 662.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil  Responsabilidade Civil. V. 4. São Paulo: Editora Atlas, 2004.


Autor: Mariana Pretel


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