LEITURA: DIRETRIZES METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DE TEXTOS ACADÊMICOS



FURTADO, L. de M. V.[1]

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1.Considerações preliminares:

Este artigo é fruto de vivência com a dificuldade dos alunos do curso superior em ler, analisar e sintetizar um texto. Normalmente convivemos com trabalhos resultantes de leituras que estão muito longe de ser classificado como síntese, mas se assemelham a uma colcha de retalhos sem começo nem fim. Então, pensando nisso resolvi trazer o meu trabalho de sala de aula para uma publicação, no sentido de atingir um publico maior. Desta forma, procurei unir nesse texto os processos envolvidos na tarefa de ler e aprender: técnica e lógica.

As atividades acadêmicas solicitam a aquisição de instrumentos metodológicos para que se desenvolvam a aprendizagem a contento, para tanto, se faz necessário hábito de estudo disciplinado e sistematizado que viabilize o desenvolvimento de uma vida intelectual. Entende-se aqui as atividades acadêmicas como um "processo de estudo, de pesquisa e de reflexão que caracterizam a vida intelectual do universitário" (SEVERINO, 2002:19), por isso, procura-se neste texto tornar prático um conjunto de diretrizes que se constitui em ferramentas operacionais visando uma preparação adequada para a manipulação de instrumentos, técnicos ou lógicos, necessários às atividades solicitadas nos curso de formação superior.

Desse ponto de vista, fica claro, que estudar envolve um trabalho intelectual sistemático, voltado em primeiro lugar, para a aquisição de informações, que serão apreendidas na construção de um conhecimento científico. E, apropriar-se de uma informação tornando-a conhecimento significa: compreendê-la em seu significado; analisá-la em seu conteúdo; procurar meios de verificá-la e convencer-se de sua veracidade; relacioná-la com conhecimentos anteriores, e; inseri-la em sua rede conceitual. Portanto, a aprendizagem ocorre quando uma informação é apreendida, ou seja, foi percebido o seu significado, a sua utilização e a sua importância, dessa forma, apropriada pelo aprendiz.

Assim, podemos afirmar que uma leitura foi realizada e a aprendizagem ocorreu.

2.A leitura com o objetivo de estudo:

No estudo, a leitura tem como objetivo extrair a essência do texto para aplicação no trabalho intelectual. Esta tarefa solicita do leitor habilidades específicas que o torne capaz de retirar as idéias postas no objeto de estudo, de compreendê-las em profundidade e de articulá-las entre si de forma coerente. Os autores Quivy e Compenhoud (1992: 55)corroboram com esta afirmativa quando escrevem:

Ler um texto é uma coisa, compreendê-lo e reter o essencial é outra. Saber encurtar um texto não é dom do céu, mas uma capacidade que só se adquire com o exercício. Para ser totalmente rendível [sic!], esta aprendizagem precisa de ser sustentada por um método de leitura. Infelizmente, poucas vezes é este o caso. Os neófitos são geralmente abandonados a si mesmos e lêem muitas vezes de qualquer maneira, isto é, com prejuízo. O resultado é invariavelmente o desânimo, acompanhado de um sentimento de incapacidade.

A partir destas idéias, podemos pressupor que estudar um texto começa por ler e implica em compreendê-lo, para tanto, é imprescindível questioná-lo, dialogar com o autor ao longo da leitura e refletir sobre seu conteúdo. Habitualmente, os estudantes acostumados a abordagens de textos literários, ou à leitura mnemônica, quando ingressam no curso superior se deparam com certa dificuldade em lidar com textos teóricos, necessitando de uma reestruturação na forma de perceber a leitura - ler por lazer e para memorização é diferente de ler com o objetivo de estudar. Assim, nessa etapa da vida acadêmica faz-se necessário aprender a estudar em textos. O Professor Severino (2002: 47), em função de sua vasta experiência, afirma:

Os maiores obstáculos de estudo e da aprendizagem, em ciências e em filosofia, estão diretamente relacionados com a correspondente dificuldade que o estudante encontra na exata compreensão dos textos teóricos. Habituados à abordagens de textos literários, os estudantes, ao se defrontarem com textos científicos ou filosóficos, encontram dificuldades logo julgadas insuperáveis e que reforçam uma atitude de desânimo e de desencanto, geralmente acompanhada de um juízo de valor depreciativo em relação ao pensamento teórico.

Essa citação nos chama a atenção também para outro aspecto presente nas nossas atividades: é importante perceber as diferenças existentes entre os mais variados materiais que precisamos consultar durante a vida acadêmica. Os textos técnicos, teóricos e informativos são diferenciados entre si e, portanto, solicitam abordagens distintas. O impresso técnico e a documentação são fontes que nos fornecem os dados necessários para a elaboração de algum trabalho de pesquisa ou para o estudo de assuntos preestabelecidos, não é necessário criar condições de abordagem e de inteligibilidade do texto. Da mesma forma, os textos literários, pois, o enredo é apresentado dentro de quadros referenciais fornecidos pela imaginação, onde se compreende o desenvolvimento da ação descrita e percebe-se logo o encadeamento da história (SEVERINO, 2002). Por outro lado, em uma explanação teórica, defende-se uma idéia por meio de argumentos, na ampla maioria, dedutivos, o que requer, para a sua compreensão, reflexão na apreensão da forma lógica dos raciocínios em pauta. Por isso, para a leitura com o objetivo de estudo é preciso aplicar algumas técnicas que auxiliam na análise e interpretação dos textos e que são diferentes daquelas que estamos acostumados para realizar uma leitura de lazer.

O bom desempenho nas atividades de estudo, supõe a aplicação sistemática e habitual de técnicas facilitadoras da análise e de registro posterior - fichamento, bem como, a utilização de recursos cognitivos que tornam possível mergulhar em um texto e extrair-lhe a essência, ou seja, localizar a idéia central compreendê-la, avaliá-la e usá-la efetivamente.Nota-se que estudar em textos teóricos requer não somente o uso de técnicas específicas, mas, o uso sistêmico de operações cognitivas desenvolvidas a partir de um raciocínio treinado. Dessa forma, considerando as duas principais dimensões da ciência temos uma dupla disciplinadora da leitura e da aprendizagem: a lógica e a técnica. Recursos que juntos representam a maneira correta de conduzir o pensamento e as ações para se atingir meta pré-estabelecida.

A compreensão dos fatos pela inteligência humana fornece a base lógica que proporciona ao leitor a objetividade necessária para o tratamento das informações. Oferecem normas gerais destinadas a sistematizar o raciocínio e estabelecer a ruptura dos objetos científicos com os do senso comum. Nesse sentido vale ressaltar:

O raciocínio, a argumentação, é o conjunto de idéias e proposições logicamente encadeadas, mediante as quais o autor demonstra sua posição ou tese. Estabelecer o raciocínio de uma unidade de leitura é o mesmo que reconstruir o processo lógico, segundo o qual o texto deve ter sido estruturado: com efeito, o raciocínio é a estrutura lógica do texto. (SEVERINO, 2002: 55)

Perceber essa estrutura lógica é apreender o essencial. Mediante esse recurso, o estudante pode decidir sobre o alcance de sua leitura, avaliar os vários aspectos de uma situação, argüir e reagir diante de estímulos que não aparecem concretamente definidos. Para se chegar a compreender intencionalmente um objeto, é preciso ir além de uma visão restrita à sua unidade inicial, é fundamental uma consciência do todo percebendo as partes e suas relações. Todo este processo solicita esforços empreendidos pelas funções superiores de nossa inteligência, que no caso, são postas pelas capacidades cognitivas estudadas por Benjamim Blomm et alii (1973, p. 55-165).

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2.1.Capacidades cognitivas de acordo com Bloom [2].

Quando se pretende extrair a essência de um texto, em um primeiro momento, o leitor deve ater-se ao ponto de vista do autor, à tese que é defendida, compreendendo o assunto tratado pelo autor. Desta perspectiva, compreensão é a capacidade de entender a mensagem literal contida em uma comunicação. Procurar obter uma visão do texto como um todo buscando responder à pergunta: qual é a tese defendida pelo autor? Desta forma, o leitor irá localizar a idéia central, a pilastra de sustentação de toda a argumentação.

Compreender é então o primeiro momento no estudo de um texto: percebê-lo como um todo. A etapa seguinte solicita uma análise das partes que integram o todo. Vale lembrar: análise é a capacidade de decompor um todo em suas partes, extraindo as idéias-principais dos parágrafos e verificando como estão relacionadas com o texto (o todo); é desdobrar o material em suas partes constitutivas, identificando suas inter-relações e os modos de organização. É como se o leitor obtivesse uma radiografia do texto, percebendo sua estrutura primária  é o mesmo de se obter a planta baixa de um edifício. Depois de obter a idéia principal de cada um dos parágrafos e suas relações com o texto  esquematização, a etapa seguinte é a reconstrução do material extraído pela análise  a síntese. Desta forma, podemos definir o processo de síntese como a reconstrução do todo decomposto pela análise; é ordenar os pensamentos essenciais do autor, a partir da esquematização resultante da análise. O resultado é um resumo dos aspectos essências, isso implica em deixar de lado o secundário e os acessórios, mantendo a ordem e a lógica do pensamento do auto. Até esse momento é importante ser fiel às idéias do autor e as relações estabelecidas na construção do texto, porém, para apreender o material estudado é fundamental extrapolar a simples etapa de extração e ordenamento de idéias, a etapa seguinte manifesta-se por meio de julgamento, de crítica às relações lógicas evidenciadas no texto e sua possível aplicação científica. Enquanto se avalia o material estudado, nossa inteligência vai imediatamente captando o material avaliado e aprovado inserindo-o em uma rede conceitual que servirá de suporte para a construção de novos conhecimentos, desta forma, a avaliação é a capacidade de emitir um juízo de valor e de verdade a respeito da tese defendida no texto e aplicação é a capacidade de resolver situações semelhantes àquela explicitada no texto. Manifesta-se pela habilidade de, ao associarem-se assuntos paralelos, utilizar-se de princípios apreendidos num contexto em contextos semelhantes; é a capacidade que nos garante ter entendido o assunto e nos permite projetar novas idéias a partir dos conhecimentos adquiridos, por meio da criatividade a qual se manifesta pela elaboração de um plano e, em seguida, pela redação de um tema.


3.A técnica:

A técnica nos oferece procedimentos, expressos por técnicas, que visam levar a bom termo a ação, que é alcançar os objetivos estabelecidos, com o mínimo de esforço e máximo de rendimento.

Ao iniciar a leitura de um livro, reserve um caderno ou um disquete, ou fichas, exclusivamente para ele. Um bom aproveitamento nos estudos, além da eficiência na leitura, supõe a aplicação sistemática e habitual de técnicas. A primeira delas é a sublinha  arte de colocar em destaque as idéias e palavras-chave de um texto, que se corretamente sublinhado permite sua releitura com brevidade, economizando tempo sem prejuízo do conteúdo. Embora haja norma para a realização da sublinha, é importante que se crie um código pessoal, que deve ser mantido. Convém salientar que o hábito de sublinhar se adquire com a repetição, tornando-se mecânica, como o que acontece com a escrita.

As indicações a seguir servem como elementos auxiliares para a aquisição desta técnica:

Faça uma primeira leitura de contato com a obra, sem interrupções. Procure o significado de todas as palavras desconhecidas e elabore um glossário: vocabulário do livro. Não sublinhar na primeira leitura, a menos que se tenha conhecimento prévio do assunto.

Sublinhar a partir da segunda leitura, marcando apenas o que é realmente relevante: idéias principais, dando destaque às palavras-chave. A idéia principal, na maioria das vezes encontra-se na primeira frase de sentido completo de um parágrafo. Como em uma constelação, a idéia principal está cercada de outros elementos que lhe servem de suporte explicando-a, apresentando provas, ilustrando-a. Sublinhar apenas as idéias principais, conceitos detalhes importantes usando um traço e dois traços para a palavra-chave; passagens que se apresentam como todo importante, assinalar inteiramente com uma linha vertical à margem, ou dois traços, se for importantíssimo; dúvidas e idéias contraditórias usar interrogação; o que for passível de crítica, reparo ou insustentável também usar a interrogação.

Após assinalar fazendo leituras sucessivas, elaborar um esquema, onde o assunto do texto expressa a palavra-chave e, em; o parágrafo identifique a idéia principal e as idéias secundárias. Procurar ligações que unem as idéias sucessivas, analisando sua seqüência, encadeamento lógico e raciocínio desenvolvido. Dessa forma, evidenciar o encadeamento lógico e raciocínio desenvolvido. Iniciando desta forma uma decomposição do texto (análise), parágrafo por parágrafo, procurando retirar de cada um a idéia central, geralmente encontrada no início ou no fim do parágrafo. A análise é um processo de tratamento do objeto  seja ele um objeto material, um conceito, uma idéia, um texto, etc.  pelo qual este objeto é decomposto em suas partes constitutivas, tornando-se simples aquilo que era composto e complexo. Trata-se, portanto, de dividir e isolar as idéias para compreender sua estrutura e as relações estabelecidas, ou seja, a distribuição das partes em determinadas ordens. A análise é pré-requisito para uma classificação que se manifesta quando um texto é esquematizado, estruturado: as divisões seguem determinados critérios que não podem ser mudados arbitrariamente. Para se descobrir tais caracteres procede-se analiticamente.

4.Considerações finais:

Ler com o objetivo de aprender, ou seja, estudar um texto não é tarefa fácil, requer disciplina e o uso de técnicas e métodos que a princípio torna árduo o trabalho. Porém, o exercício levará à incorporação do instrumental necessário para o estudo eficiente, tornando-os habitual.

É fundamental descartar completamente as antigas práticas de leituras para estudo. Cursar o ensino superior solicita a aquisição de novas ferramentas de estudo diferentes daquelas utilizadas na escola básica. O leitor proficiente, conforme o professor Severino (2002), ao selecionar o material de estudo e determinar o objetivo a alcançar, observa os seguintes elementos: Atenção: mente e espírito voltados para a leitura, busca do entendimento, assimilação e apreensão do conteúdo básico. Intenção: proveito intelectual. Reflexão: consideração, ponderação sobre o que se ler, descobrir novos pontos de vista, novas perspectivas e do texto; julgamento, comparação, aprovação ou não das colocações e pontos de vista. Não admitir idéias sem analisar ou ponderar, perceber no texto o bom, o verdadeiro, o fraco, o medíocre ou o falso.

Após compreender um texto o leitor deve ajustar as informações contidas no contexto em análise às que ele possui em seu arquivo de conhecimento.Ajuste que vai depender da bagagem de conhecimento de cada um e a agilidade do exercício continuo de técnicas específicas até ser incorporada à prática.

As diretrizes aqui apresentadas tratam-se de orientações/sugestões que se acredita ser de grande valia para aqueles que iniciam sua vida acadêmica e que não deve ser visto como um receituário rígido. Cada pessoa tem o seu processo de aprendizagem, por isso, estas orientações devem ser vistas com um suporte às ferramentas que cada um já possui. Mas vale lembrar que não existe produção científica, intelectual ou criativa sem o domínio de técnicas.

5.Bibliografia:

BLOOM, S. R. et alii. Taxonomia dos objetivos Educacionais. Porto Alegre: Globo, 1973.

DEMO, P. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

_____. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.

GALLIANO, A. G. O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harbra, 1986.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de Metodologia Científica. 3 ed. São Paulo: Atlas. 1995.

QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. Manual de investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1992.

RUIZ, J. A. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1979.

SANTOS, A. R. Metodologia científica: a construção do conhecimento. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

SEVERlNO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2002.


[1] Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo  USP, professora do ensino siperior.

[2] BLOOM, S. R. et alii. Taxonomia dos objetivos Educacionais, p. 55-165.


Autor: Luiza Furtado


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