AVATAR É CLICHÊ, MAS RESPONDE TUDO



Avatar deveria concorrer entre outros filmes de qualquer gênero como hors-concours, uma vez que constitui uma obra caríssima (nunca outrora igualada neste mister) e realizada com requintes de tecnologia jamais empregados na 7ª Arte. Isto seria o resumo mais curto que se poderia fazer deste monumental longa-metragem em exibição, e por mais que seja inegável a impossibilidade de se contar qualquer história cem por cento original, posso afirmar que é um filme imperdível, na exata expressão da palavra. E em vista da lista quase interminável de comentários nacionais e internacionais sobre esta última realização de James Cameron (http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Cameron), abordando os aspectos técnicos e cinematográficos propriamente ditos, vou me ater aqui apenas à questão das "lições de moral" que Cameron, mais uma vez, soube dar ao espectador, com a estranha sutileza de um roteiro eivado de explosões e violência.

Avatar conta uma história fora da Terra (numa lua de Saturno chamada "Pandora"  ou num lugar mais distante com este mesmo nome?) e fora de nosso tempo (Ano 2154), quase reprisando a construção de um novo mundo onde os eventos se desenrolam, como vimos em "Harry Potter", "O Senhor dos Anéis", "As Crônicas de Nárnia", "A história sem fim", etc.. Neste mister, conquanto se diga que é um clichê ou uma cópia destes filmes, Avatar traduz esse outro mundo com a beleza estonteante da tecnologia mais avançada de edição de imagem e som em 3D, não apenas explorando o impacto do brilho e da fosforescência emanados das florestas de Pandora, mas também das areias, rochas, nuvens, fumaças e águas daquela Lua. Neste preciso ponto e em muitos outros ao longo do filme, o espectador ficará com sérias dúvidas se Cameron não teria quase plagiado o roteiro arbóreo de filmes como "Tarzan", "A Lenda", "Mogli", "King Kong", "Pocahontas", "O Príncipe Caspian", etc., ou mesmo o encantador desenho animado "Ferngully  As Aventuras de Zak e Crysta na Floresta Tropical" (http://www.oyo.com.br/filmes/animacao/ferngully--as-aventuras-de-zack-e-crysta-na-floresta-tropical/dados/) (1992), de quem cremos ter Cameron extraído a maioria das inspirações que viabilizaram 'Avatar'. Aliás, quem assistiu Ferngully encontrará semelhanças tais com Avatar que se sentirá até certo ponto decepcionado com a pouca atenção dada ao desenho animado australiano, o qual não apenas nos deu todas as lições de moral e de política ecologicamente corretas de Avatar, mas até o superou por conseguir tamanha beleza com baixo orçamento e por ter sido realizado em desenho. As cenas do avatar-mocinho Jake Sully (Sam Worthington) correndo atrás de sua futura amada Neytiri (Zoë Saldana) sobre os troncos das gigantescas árvores é uma cópia futurista perfeita das cenas de Zak correndo com Crysta sobre as árvores de Ferngully, ou que Cameron filmou aqueles com a tecnologia de ponta rendendo homenagem a estes. As máquinas de destruir e engolir árvores também são as mesmas nos dois filmes, a fumaça negra e o ensurdecedor ruído das 'desflorestadoras' idem, e a existência de uma Árvore-X, portadora de um espírito especial que extinguiria toda a biosfera se fosse destruída, estão ali em homenagem a Ferngully. Tudo isso afora o enredo, que prega o perigo de se agredir a "Mãe-Natureza" e pagar caro pelas conseqüências absolutamente desastrosas de tal agressão, mostrando os efeitos diretos sobre o clima mundial.

Todavia Avatar foi uma realização do homem que fez "Titanic", "O Exterminador do Futuro", "O Segredo do Abismo", "True Lies", "Aliens  O Resgate", etc., os quais trazem a marca registrada de um diretor que não se contenta em apenas filmar o possível e o impossível, mas em ensinar como agir corretamente em situações onde o impossível tenha se tornado possível e tenha se voltado contra nós. Em 'Abyss' ele mostra como nossa agressão aos oceanos pode não apenas destruir a vida marinha, mas impedir a convivência pacífica com seres superiores a nós. No "Terminator II" (http://www.webartigosos.com/articles/15628/1/as-lies-do-exterminador-do-futuro/pagina1.html) ele diz explicitamente que "Se as máquinas podem aprender com seus erros e impedir a guerra, por que nós não?"... E por aí vai, enfileirando lições que merecem placas heráldicas em memoriais solenes.

A lição maior ou soberana de Avatar é velha mas é de importância vital para uma geração que já não sabe mais quanto tempo a vida biológica durará na Terra. E Cameron não teve dúvida ou medo algum de atribuir a culpa pela hecatombe climática aos mandos e desmandos humanos, pois afinal foi o Homem quem assoreou os rios, quem desmatou as florestas, construiu enormes açudes desequilibrando o peso sobre as placas tectônicas, reduziu ou eliminou a ozonosfera, etc., agindo como uma criança irresponsável, cujas faculdades mentais não apontam as conseqüências de seus atos. E o diretor de Titanic vai mais longe: ele mostra que os desmandos são geralmente produto de quem manda, e quem manda são aqueles que detém o poder das armas, em primeiro lugar (ou o poder do dinheiro, em última análise).

Isto leva à óbvia dedução de que, se o dinheiro constrói as armas sob as quais todo mundo se rende, e se foram as armas que promoveram historicamente todas as dominações de uns poucos sobre as massas humanas, então é inevitável concluir que serão os detentores das armas que aniquilarão a vida na Terra e em todas as terras onde os homens botarem os pés. Massacre contra animais, contra índios, contra negros, contra estrangeiros, contra o diferente, etc., seja numa Lua, em Marte, em Pandora ou em que outro destino a tecnologia permitir, será sempre o ser humano o grande vilão cósmico. É com esta tristeza amadurecida que Cameron quis que os espectadores de Avatar saíssem das salas de projeção. E ele fez isso de modo tão magistral e realístico que o mostrou em detalhes soberbos, como no cabelo de Neytiri, nas "medusas voadoras", nas raízes vivas dos vegetais, no cabelo-vivo dos avatares que se aninham com os rabos-de-cavalo de seus "cavalos" e pterossauros-alienígenas, e até nos filamentos da árvore-mãe, os quais partem da terra para ela e dela para a terra, numa simbiose perfeita de matéria e alma, espírito e energia, indo e vindo, num fluir vivificante que mostra o quanto a Mãe-Gaia (http://www.fea.unicamp.br/docentes/ortega/ealatina/gaia-2.htm) é um organismo vivo e interligado, sem o qual nenhuma vida subsistirá. Vendo aquelas cenas, é impossível não sentir profunda culpa pelo paraíso perdido, ou simplesmente por aquele viçoso planeta bucólico que assassinamos com nosso egoísmo.

Depois de conhecer Crysta, Zak voltou intimamente transformado num agente defensor das florestas e da biosfera, porque viveu na pele o sofrimento do "povo miúdo", os duendes e fadas do bem que germinam e protegem a vida. Depois de conhecer a deusa Eywa e sobretudoNeytiri, o híbrido Jake Sully passa a lutar contra as forças que ameaçam destruir Pandora, junto com seu bravo e inocente povo Na'vi.

Se os espectadores e cinéfilos se decepcionaram com a profusão de clichês de outros filmes com os quais Avatar foi feito, jamais terão uma palavra de decepção para com a denúncia que Cameron tão bem inseriu ali, porque não apenas é fato notório no inconsciente coletivo o temor sobre o poder apocalíptico das armas, mas também a certeza de que tal denúncia precisa de uma insistente rememorização, a exemplo de líderes atuais que vão a público dizer que crimes hediondos como o Holocausto jamais aconteceram. Que nossa memória seja sempre relembrada, acordada e até assustada, para que estórias como a de Pandora jamais se repitam.

Prof. João Valente de Miranda.

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Autor: João Valente


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