Caso Sean: Questões Políticas que Superam o Afeto



Laura Affonso da Costa Levy[1]

A batalha do menino Sean, travada na justiça entre o pai biológico e a avó materna, chega ao fim na manhã do dia 24 de dezembro de 2009. Uma história que foi acompanhada por milhares de brasileiros teve seu desfecho na véspera de Natal.

O menino Sean, com nove anos de idade, que viveu no Brasil desde 2004 com a família brasileira, foi entregue ao pai biológico, David Goldman. Acompanhado da avó materna, Silvana Bianchi, do padrasto, João Paulo Lins e Silva, e de outros familiares, a decisão judicial foi cumprida.

A entrega ocorre após o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, decidir cassar a liminar que permitia a permanência da criança no Brasil. No fim, o Supremo Tribunal Federal acabou decidindo pela volta do menino aos EUA com base na Convenção de Haia, assinada na Holanda em 1980, que determina o retorno imediato da criança ao seu país de residência, em casos de seqüestros internacionais.

O Brasil é signatário do acordo e um dos argumentos do Supremo, para basear sua decisão, foi de que manter Sean no país poderia implicar em sanções internacionais.

Assim, já havia contra o Brasil uma queixa na Corte Interamericana de Direitos Humanos e uma ameaça do Senado dos EUA de bloquear o acesso das mercadorias brasileiras a benefícios tarifários americanos. A referida ameaça foi retirada assim que o STF tornou pública sua decisão.

Desta sorte, não podemos deixar de analisar a decisão proferida sob a ótica da política internacional. Neste sentido, devido às enormes proporções do caso, com a interferência até mesmo do Presidente da República, a vida de uma criança foi decidida em troca da manutenção da paz e da diplomacia internacional.

Verifica-se, que a vontade da criança e o vínculo de afetivo aqui no Brasil formado, não foram levados em considerações. Muito pelo contrário, meios que hoje são utilizados no judiciário brasileiro em casos de disputa de guarda de menores, como o Depoimento sem Dano, foram deixados de lado e o desejo da criança não foi levado em consideração, vez que nem mesmo foi oportunizado este momento.

Não se pode deixar de afirmar que o direito de ser pai foi usurpado de David Goldman quando teve seu filho trazido para o Brasil sem seu consentimento. Todavia, nossa Constituição Federal prima pelo bem estar do menor e pela defesa de seus Direitos.

Assim, a vontade de ser pai não pode ser colocada à frente do bem estar infantil. A proteção ao Direito da Criança e Adolescente é integral. É este o objetivo do Direito de Família, é este o objetivo da constante luta dos operadores do direito que trabalham nesta área.

Não se pode alterar a vida de uma criança da noite para o dia, trocando seus hábitos, sua cultura, seu país, sua família, sua residência. Não se pode retirar o amor e afeto que foram construídos entre Sean e sua família brasileira, durante estes cinco anos de cuidado, amor, carinho e cumplicidade. Não se pode separar irmãos sem pensar nas conseqüências emocionais que isso possa causar. Ou melhor, não se pode decidir Direito de Família pensando em relações comerciais.

Sabe-se que atuar na área do Direito de Família é uma busca constante pelo inatingível, pela superação e pela construção. A cada dia nos deparamos com casos que não podemos enquadrar em nossas arcaicas regras e, assim, vamos construindo e reconstruindo um Direito cada vez mais avançado.

Enfrentamos as normas já disciplinadas, reconstruímos entendimentos jurisprudências, construímos teses de hermenêutica jurídica antes pouco imaginadas. E, com isto, alcançamos a igualdade entre o homem e a mulher, buscamos o reconhecimento do Direito Homoafetivo, lutamos para enxugar nossos procedimentos em casos de tutelas urgentes.

Enfim, creio que todo o caso de Direito de Família, e principalmente àquele que está envolto os Direitos dos menores, deve ser visto aos olhos do Direito de Família. Não podemos simplesmente privilegiar as relações comerciais e tratados internacionais, pois caso isso ocorra estaríamos sendo hipócritas ao lutarmos bravamente dia após dia em nosso judiciário brasileiro.


[1] Advogada especializada na área de Direito de Família e Sucessões, atuante no Rio Grande do Sul; Membro da Comissão do Jovem Advogado da OAB/RS; Membro da Comissão de Grupo de Estudos de Direito de Família e Direito Processual Civil da OAB/RS.

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Autor: Laura Affonso Costa Levy


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