REENCONTRO



Voltando no tempo. Esta expressão sempre mexeu comigo, que com certeza serei sempre uma eterna saudosista. E nada me deleita  mais do que ficar parada em algum lugar quieto,olhando a esmo, fitando o espaço, o nada e voando nas asas da ilusão para algum lugar do meu remoto passado. São lugares comuns, desses que cada pessoa tem os mesmos em sua memórias; escolas, casas em que viveram, igrejas onde forambatizadasouse casaram, praças que foram testemunha de furtivos encontros de amor da adolescência. Lembranças que a gente guarda, assim como se guardam as jóias. São lembranças que só podem existir em alguém que não voltou mais a esses lugares quase sagrados da nossa infância e juventude, povoados de pessoas muito queridas, das quais poucas ainda existem. E um dia resolvi voltar e percorrer esses lugares, revê-los um a um, para sentir a emoção de ter voltado no tempo, como se assim pudesse ser.

Que saudade das minhas queridas professoras... Dona Ivanete, do Colégio Batista, Dona Etelvina, do Atheneu, que de tanto falar o francês sua boca mais parecia um biquinho. Era tão boa e tão religiosa que costumava não dar notas durante a Semana Santa para não entristecer alguma aluna, com possíveis notas baixas. Como eu gostava dela! Dona Angélica, professora de latim; professor Josino e Chico Lima, de matemática. Este último, rapaz solteiro, sabia-se que despertava paixões secretas em algumas alunas. Muitas dessas pessoas queridas, amigos da família, vizinhos e parentes, infelizmente já não estão mais entre nós.Ruas por onde eu costumava passar, praças e tantos outros lugares, já não são mais os mesmos e outros já nem existem. Outros agonizam em triste abandono. Só que em meus devaneios, eu os via alegres e movimentados como os conheci. Eram como se fossem fotografias. Pra mim eles continuavam intactos, como eu os mantinha na caixinha das minhas douradas recordações. Entrei em antigas salas de aula vazias, recordando a alegria daquelas antigas alunas, as mocinhas em seus impecáveis uniformes colegiais. O Instituto Batista de Natal, com suas meninas de saias cor de vinho e blusas brancas.., Parecia-me ouvi-las cantando o hino tradicional do colégio,"Oh IBN! Até à morte e além... Oh IBN! Teu nome ficará". Mas o salão estava vazio, as janelas estavam fechadas e tudo ali era silêncio. Apenas um zelador esperava que eu despertasse dos meus devaneios para que ele fechasse as salas que gentilmente abrira para que eu entrasse. Mas tudo o que fiz foi ficar ali parada, sentindo as lágrimas brotarem dos olhos, numa patética expressão de desapontamento,ao me dar conta de que tudo aquilo foi há muito, muito tempo.

Também contemplei algumas antigas casas onde vivi, das quais pouco ou nada restou do que eu, em meu insensato devaneio, esperava ainda poder encontrar, mas tudo mudou. E abateu-se sobre mim uma enorme sensação de desencantamento. Desejei sentir-me como a Bela Adormecida do Bosque, que ao acordar viu despertar a sua volta toda uma vida que também dormia há cem anos, e tudo continuou a ser como antes. Só que eu não adormeci, e enquanto à distânciaeu envelhecia, a minha cidade a cada dia se renovava, e quase tudo o que não era novo foi transformado. Pouco reconheci do que restou da minha saudosa cidade-berço, que povoava os meus sonhos da esperança de revê-la como era, em sua beleza antiga e singela, com as suas casas de jardim na frente e quintais de muros baixos, casas amplas, de janelas e portas grandes e teimosas que o vento batia com toda a força; casas sem a beleza fria dos sofisticados apartamentos confortáveis e bem decorados dos prédios luxuosos que invadiram a minha cidade. E assim, como após a última badalada do impiedoso relógio da noite mágica de uma tola Cinderela, lentamente foram se dispersando as minhas recordações inúteis, diante darealidade. Quebrara-se o encanto. Mas não tem importância não. As minhas lembranças, agora transformadas em caquinhos, vou recolhe-las todas, uma a uma, e coloca-las novamente na caixinha secreta dos meus sonhos, da qual só eu tenho a chave, para abri-la somente em momentos muito especiais, quando eu necessitar de um refúgio, de recolhimento, de um lugar onde haja muita paz. Então eu mergulharei num sono profundo, entrarei nesse santuário perdido e voltarei àquela cidade-sonho que um dia deixei, aonde nenhuma picareta derrubou casas, nem transformou ruas e praças, nem construíu algum viaduto. Onde as minhas saudosas lembranças não foram apagadas nem sufocadas como o Riacho do Horto, que atravessava a rua por baixo da Pracinha do Baldo, onde quando crianças íamos com o meu pai, sempre aos domingos pela manhã ou ao entardecer, brincar descalços na areiasinha batida, lavada pela chuva da noite, entre os cheirosos pés de capim santo, que eram tão grandes que nos escondíamos entre as suas folhas, e entrar nas águas quase geladas do riacho, que iam até os joelhos, e nós, crianças, achávamos que eram muito fundas! Parece-me ainda sentir o cheiro que exalava daquelas águas transparentes, em cujas margens eu me deitava com o ouvido colado ao chão, para ouvir um som maravilhoso que ecoava das corredeiras como se fosse uma canção que não parava nunca:oaaa...., oaaa..., oaaa.... Meu pai nos dizia que era o canto das águas. Que coisa linda! E o som se misturava ao perfume dos verdes pés de capim-cidreira, fazendo daquele lugar um verdadeiro paraíso.Realmente éramos tão felizes e não sabíamos disso... Hoje rodeado de matos ressecados, apenas um estreito filete de águas chora o seu triste fim, coberto pelo insensível viaduto, que tomou-lhe o direito de refletir a beleza do céu azul no espelho de suas águas. Agora não há mais crianças molhando os pés em suas águas, antes tão fartas e tão puras, mas quem sabe, agora elas ainda sirvam para matar a sede de alguns mendigos, que dormindo sob aquele monstro de concreto, talvez consigam amenizar a dureza de suas noites famintas sonhando com momentos felizes de suas infâncias.E chega. Não adianta chorar. Agora voltei e vou juntar e guardar novamente as minhas lembranças nesta caixinha de saudades, antes que elas evaporem como nuvens, na minha desilusão. Assim , de vez em quando eu poderei em meus devaneios visitar cada uma das casas da minha infância e rever as ruas daquela minha cidade-fantasma; cada uma das minhas escolas e minhas professoras; a Igreja Evangéçica da avenida Junqueira Ayres, antes toda branquinha com janelas azuis e hoje tão diferente... O meu querido Instituto Batista, no Barro Vermelho, o único que em quase tudo manteve a sua tradição e que me fez chorar silenciosamente de emoção, por ainda ser quase o mesmo. O inesquecível Atheneu, de inúmeras histórias dos meus tempos de Ginásio e Colegial, à tarde e à noite.

Porém a mais preciosa das minhas lembranças, a do meu adorado Riacho do Horto, no Baldo, já quase morto, reduzido a um filete d`água, esse recanto imaginário que mais parecia o paraíso naqueles meus oito anos, ah..., essa imagem não haverá de se apagar nunca da minha memória finita, pois quero leva-la comigo para além da eternidade.

Autor: Júnia  01 de janeiro de 2007


Autor: Junia Pires Falcao


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