Não se brinca com quem tem fé!! - João Carcule!!!
Não se brinca com quem tem fé
Com pouca fé não se chega a lugar algum! Se você tem fé, este texto é para você ler! Caso contrário nem comece!!! Quem avisa amigo é!!Era
mais ou menos as três da madrugada quando o meu tio chegou montado num
burrinho. Fez um barulhão no terreiro e acordou todos que estavam
dormindo. Aos poucos o pessoal foi se levantando e se abancando na
cozinha. O piso era de chão batido, o fogão era à lenha e ainda havia
brasas com algum lume, a chaleira de café ainda se conservara quente. O
falatório dentro da casa chamou a atenção das vacas que também já se
punham em pé como se advinhassem estar próxima a hora da ordenha. Meu
tio já pulou na frente, começou a pegar os apetrechos para tirar o
primeiro leite da manhã.
As
vacas já o conheciam. Algumas vezes sentiram as suas mãos em suas
ubres. Portanto entendiam que ele era da casa. Ele tinha um carinho por
elas. Uma até que parecia chamá-lo pelo nome, o berro dela era
diferente dos MUUUUS que a gente conhecia. Lembrava bem JOAAAAAAO . Ele
dizia isso, e ai de quem o contrariasse, era o chamamento que a vaca
criara para ele em agradecimento ao que fizera por ela no passado.
Quando
era novilha, foi passar num mataburros e ficou com uma perna presa no
vão entre as madeiras e quebrou uma das patas. Na época queriam
sacrificá-la, mas ele intercedeu em favor do animal, dizendo, no exato
momento, que tinha em mente uma solução para o problema. E não é que
teve mesmo! Fez, de madeira, uma pata de peroba, madeira de lei, para a
novilha e a partir daí, ela começou a mudar o seu mugido até que o som
ficou próximo do seu nome! Segundo ele!!! Porque para os outros, o
mugido era normal. Há quem diga que era impressão dele e que até
forçava e se esforçava para que as pessoas ouvissem o mesmo som. Até
imitava com a boca num biquinho de um bonjour francês para emitir o som produzido pela vaca. Ela ficou conhecida como Peroba!
Ele
tinha um carinho especial pelos animais. Acho que quando caiu da mula
naquela outra história que lhe contei leitor, deveria ser em função da
pressa, ele não pôde abordar a mula da forma costumeira como fazia com
os outros animais. Ele era por demais atencioso com os animais. Com as
vacas ele conversava como gente grande , contava histórias enquanto as
ordenhava, em algumas histórias elas ficavam quietas, como quem
estivesse ouvindo coisas sérias, já em outras ficavam inquietas como
quem duvidassem da veracidade das baboseiras dele. Numa dessas
situações, meu pai ouviu a seguinte história e eu confirmei com o meu
tio tempos depois:
Numa
ocasião, ele foi no sítio do Brasílio ver um burrinho para comprar e
achou o Três Peidos lá. Sabe aquele burrinho em que foi naquele baile
que lhe contei? Pois é ele mesmo, é dele que estamos falando!! Então
negociou o animal ensiado, com todos os apetrechos da montaria e levou
para sua casa. Na verdade ele o comprou para carregar alguns baláios de
milho que tinha plantado numa ribanceira. Comentava ele, que o burro
por ter os cascos pequenos, e meio fechados, conseguiria se firmar em
terreno pendido. Ele possuia um cavalo, mas achou que um burro teria
mais segurança e mais rendimento. Assim fez. Colheu o milho e não
gostou da trabalheira que deu na colheita, quando findou a labuta, o
burro já não tinha mais serventia, vendeu o animal para o meu avô.
Caro leitor, acomode-se na sua cadeira que vou contar a história, a mesma que na época o João Carcule contou a novilha!
O
burro que naquele época não era chamado de Três peidos! Veio com outro
nome, chamava-se Quatro Paus era uma referência ao jogo de truco, cuja
a manilha é a mais valorosa entre as outras. O animal era propriedade
de um dos jogadores do bairro, muito famoso pelas cachaça que tomava e
pelos tombos que levava. O quadrúpede ficou com esse nome até meu tio
compra-lo. Meu tio não jogava truco e até chava que esse jogo tinha
parte com o demo, porque quem joga truco esquece da mulher, apega-se ao
jogo e não tem hora pra ir-se embora e este comportamento acaba
provocando uma briga no casal e até estragando a felicidade conjugal.
Com esse pensamento trocou o nome para Três Peidos em função dos três
puns que deu quando o meu tio se acomodou sobre o animal pela primeira
vez. Na época o burro estava judiado apresentava-se numa magresa de
fome mesmo, pois o coitado amanhecia amarrado no palanque sem comer
várias horas esperando o jogador, às vezes ficava a noite toda, porque
o desgraçado do jogador dormia de bêbado e o coitado amanhecia amarrado
até o embriagado acordar. Veja bem, onde ele foi buscar o nome! Só
podia ser o meu tio.
Foi
a caça com o burrinho! Pegou os apetrechos, que se listados, eram um
facão para cortar gravetos e cordonél, hoje conhecido por barbante.
Também levou uma corda de uns 5 metros, se por acaso caçasse bastante,
amarraria os marrecos dependurados no arreio do burrinho!! Não levou
espingarda, porque não gostava de ver morte sem função, principalmente
de animais. Já era a favor da natureza muito antes de chegar essa onda
de proteção à natureza. Bem, seguiu o caminho na mata. Sua intenção era
pegar mais ou menos uns cinco marrecos para fazer um assado na casa de
um compadre. Era aniversário do seu afilhado. A condução era o Três
Peidos como você meu leitor já sabe!!
Não
pretendia ir muito longe, caminhava por ali pelas redondezas para perto
de um banhado. Um lugar bem úmido e com algumas lagoas. Muito conhecido
pelo nome de Lageado. Passou perto do cemitério. Desmontou-se, fez
algumas orações para os falecidos e seguiu no balanço do jegue. Não
demorou muito chegou. Desceu, arranjou uma árvore para se instalar,
amarrou o burro à soga com a corda e montou o seu ateliê de fazedor de
arapuca, a famigerada arma contra os marrecos. Cortou alguns gravetos e
foi amarrando os pauzinhos cada um menor que o outro, de forma que ao
final ficasse com uma forma próxima de uma pirâmide. Fez cinco e as
armou e locais estratégicos. Calculava ele que ficaria o dia inteiro
para essa empreitada.
Apenas
não contava com a mão divina que providenciou uma nuvem de marreco
vindo do sul em busca de ar mais quente e foi ali, naquele lugar, que
desceram para descansar, comer e matar a sede. E nem esperavam que
iriam encontrar com o meu tio munido para caçá-los ali no local!
Armou
a primeira distante do seu paradeiro uns cinquenta metro. Limpou o
chão, pegou alguns milhos que levava como chamariz a armou a arapuca e
assim fez com as restantes num raio de cinquenta metros e fechou em
círculo de maneira que tivesse a visão de todas lá do lugar onde estava
acampado. Limpou o caminho para observa-las e esperou. A bando de aves
foi se abancando em volta das lagoas, tomavam água e saíam andando em
grupo bicando pelo chão a procura de comidas. Não demoraram muito e já
acharam um trilha de milho, obviamente colocados pelo meu tio, cuja
chegada findava-se na arapuca. E ele só urubusservando! Gostou do termo
leitor?
A
fome delas eram tanta que entravam dentro da arapuca em plurais, 3, 4,
e até em 5. O meu tio ficou abismado, nunca vira aquilo em sua vida.
Era armar e já ter o trabalho de retirar as aves, armá-la de novo e
correr para outra, pegar as aves e mais outra e outras que quando foi
no final da tarde teve que parar de caçar, porque não aquentava mais de
cansado de tanto retirar as presa e armar a arapuca. Resolveu encerrar
a caçada. Não é para menos. Sabe leitor, é de admirar que um homem com
a cabeça de protetor da natureza caçasse tantas marrecas, se precisava
só de cinco. A princípio não entendi! Mas Deus é pai e ele sabe o que
está fazendo! Certo?
Eu
sei leitor, que você deve estar curiosos para saber como ele se virou
para armazenar as marrecas depois de tira-las das arapucas. Vou
satisfazê-lo nesta explanação. Ao retirar da arapuca, ele ia até a sua
árvore, amarrava com palha de milho as pernas da ave e a enroscava no
arreio do burro, para quem não sabe arreio é aquele apetrecho que se
usa para montar no cavalo. Porém a cada ave que amarrava, sentia que o
espaço em volta do arreio não dava. Que fez então? Pegou a corda,
passou pelas duas argolas do arreio e passou-a por entre as pernas das
aves de forma que elas não pudessem escapar, a não ser que arrastasse o
burro. Algumas até tentaram voar, mas perceberam estar presa ou até por
canseira pararam docilmente e esperaram o defecho daquela situação.
Olha para encurtar a história e para que eu vá dormir, pois já passam
da meia noite e eu olha aqui! Só estou escrevendo esta história por
respeito a você leitor!
Ele
caçou naquele dia exatamente 529 marrecas. Acredite se quiser, eu nem
tenho como apresenta-lo a você, porque meu tio já é falecido, mas fique
tranquilo, porque o que vem agora dará para você imaginar que só mesmo
uma quantidade assim, poderia dar no que deu!
O
burrinho três Peidos vinha até arcado com tantas aves dependuradas no
arreio junto ao seu corpo. Segundo o meu tio, cada ave devia pesar mais
ou menos 1.300 gramas. Descontando as penas o total daria mais menos
uns 600 quilos. O meu tio, para não judiar do animal, veio na frente à
pé puxando o burrinho. Eu não contei a você, mas para chegar nas lagoas
ele tinha que passar uma restiga ( mata fechada, quase mata virgem) do
João Baláio. E foi lá que se deu o caso mais interessante da caçada!
Caminhava
ele tranquilo pela mata! Eis que na sua frente pareceu uma sussuarana
atraída pelos marrecos quando da chegada à lagoa! O medo instalou-se na
comitiva! O burro até piscava duro como tivesse vendo a sua alma ir
para o céu. Já pensava até numa desculpa para São Pedro, jogaria a
culpa do crime contra a natureza nas costas do meu tio. Os marrecos com
os olhos esbugalhados naquele momento. A incerteza do final agora
tornara-se certeza, nos olhos do felino o aviso: o caso daria em morte.
Meu tio então já pediu ajuda a todos os santos que estivessem de
plantão naquele momento. Começou a rezar para todos eles. Lá no céu
houve até um engarafamento de santos na porta para atendê-lo, até
aqueles falecidos do cemitério no qual ele rezara para as almas, já
falavam em ressuscitamento para socorrê-lo, havia um alvoroço no campo
santo. Mas só se percebeu a Providência Divina, quando já estavam perto
de ver a morte, e meu tio já totalmente perdido com os nomes dos
santos. Aí que veio o improvável.
Quando
ele disse textualmente "Ah! Meu Santos Dumont me ajuda!!" Foi que as
aves começaram a bater as asas, uma iniciou a bater desengonçadamente,
a outra assustou-se com o barulho e a partir daí começou aumentar o
número de asas batendo, que num espaço de segundo, todas estavam
batendo as asas e então o incrível aconteceu. As aves estavam
levantando o burro no ar!!
Leitor
quero deixar claro, que foi o meu tio que contou, eu apenas sou o seu
representante nesse momento. Em caso de dúvida da sua veracidade terá
que consultá-lo no cemitério. Mas eu acho que não vai precisar disso,
porque, segundo ele, 529 marrecos teria condições de carregar durante o
vôo 250 quilos! O peso dele mais o do burro juntos não chegavam a 200
quilos. Está mais do que provado de que é possível esta façanha!!
Bem
leitor, Deixemos os cálculos de velocidade e peso para os professores
de matemática e de física e vamos nós na história. Já está tarde e já
estamos cansados e com sono! Não é verdade? O burro foi sendo levantado
pelas aves. A Sussuarana quando viu a cena, fez cara de não entender!
Parou como se estivesse vendo uma magia. Meu tio então aproveitou esse
momento e se atirou no lombo do burro. Não me pergunte como ele
conseguiu montar no meio daquelas aves voando. Mas o medo faz coisa que
a gente nem acredita! Ele fez e depois viu a onça se afastando dele.
Não porque ela estivesse com medo, é que ele estava subindo e alem
disso montado no burro como um balão sobe nas festas juninas!
Na
época, quando escutei a história eu não acreditei. Fiz até,
posteriormente, alguns questionamentos pertinente ao credito! Ele disse
com a maior naturalidade: "O medo faz coisas que não existem, existirem
! Acredite nisso!" E eu acreditei! e estou contando a você leitor!
Ele
seguiu viagem agora montado em cima do burro e voando no céu pela obra
das marrecas. Passado o medo da onça, passou a gostar do passeio e de
admirar a paisagem, a beleza dos campos, ele nunca tinha andando de
avião, para ele avião era uma coisa de outro mundo, só ouvira falar de
avião pela bocas dos outros mais experiente e só na época da guerra .
Porém não demorou muito para substituiur esse estado letárgico da alma
por um outro. O da preocupação: Como descer e ainda com segurança? Ele
via a sua terra natal se distanciando cada vez mais. O burro já nem
respirava, o coitado procurava andar no céu, entretanto não encontrava
o chão . Desesperado, continuava a sua caminhada persistindo em
encontrar o chão sob seus pés. Meu tio também contaminado pelo burro
era o corpo inteiro preocupação. Até que meu tio arrumou uma solução.
Vislumbrou uma esperança. Resistiu em tomar aquela decisão, porque
envolvia a morte das aves e ele não gostava de matança a não ser por
necessidade. Eu diria que o termo necessidade caberia apenas para
alimentação. Mas naquele momento já era de vida ou morte. Ou para eles
ou para elas. Aproveitou a diferença entre o humano e os animais e
partiu para ação! Pediu perdão ao Deus do céu pelo avecídio a ser
cometido e pôs em prática o seu plano.
Puxou
uma marreca, pegou com uma das mãos nos pés e a outra no pescoço da
coitada e Screch!!! Destrontou o pescocinho dela. Sentiu então que a
ausência de uma ave batendo as asas fez com que descesse um pouco das
alturas, aí não teve outra saída. Foi destroncando os pescoços das
outras e aos poucos foi baixando cada vez mais, que no resumo da
história, quando destroncou a última, já estava em terra firme. E
advinha onde ele foi pousar: No centro da cidade de Ribeirão Grande.Ele
fez o caminho de volta sem perceber. No desespero matou mais da metade
do lado direito e as aves fizeram uma curva, ele nem percebeu a mudança
de rumo. Fez a viagem de volta e caiu bem no centro da sua cidade.
Segundo ele, se quisessem perguntar, ainda havia um sobrevivente
daquela nação de gente que viu a cena. Nem liguei para esse comentário,
eu acreditei naquele de que o medo é responsável por qualquer criação
do homem
Para
encerrar o assunto, as marreca já estavam morta mesmo, então ele as
vendeu ao equivalente hoje a três reais cada uma para o pessoal que
viram ele descer do céu. Pois não é que ele fez ainda um bom dinheiro
nessa caçada. Comprou uns bezerros depois levou para comer na casa do
seu afilhado! Há quem diga até que se não fosse o Santos Dumont ter
inventado o avião, ele teria morrido nas garras da sussuarana!!
Leitor,
agora me deu sono de verdade e eu tenho que trabalhar de manhanzinha!!
Obrigado pela atenção, desculpe o meu cansaço e boa noite! Até o
próximo causo!! Abraços!!!
(Ademar Oliveira de Lima)Autor: Ademar Oliveira De Lima
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