Páscoa



Não se enganem os que lerem o título acima.

Não temos abaixo um texto religioso nem um comentário sobre o evento Pascal, que move judeus e cristãos.

Temos, sim, um texto que fala sobre educação e sobre escola.

Páscoa, na linguagem religiosa tem o significado de Transformação. Os Judeus teriam se transformado, de escravos, no Egito, em povo livre a caminho de uma terra prometida – em que pese isso ter, historicamente, originado problemas e conflitos na relações com os povos que já viviam há muito tempo na Palestina! Mas até hoje os judeus celebram a Páscoa como uma de suas principais festas religiosas.

No mundo cristão, a Páscoa também tem um sentido transformador. Com sua morte na cruz, Jesus transforma a derrota em vitória, a morte em vida o medo em esperança...

Mas não vamos aqui falar de religião. Vamos falar em transformação. E é no âmbito da educação escolar que se faz necessário um momento pascal; e alguns já falam que se pode vislumbrar alguma réstia de páscoa.

Digo isso em virtude de uma leitura que ouvi, pela metade é bom que se diga, numa reunião de pais em uma de nossas escolas de Rolim de Moura.

O texto dizia mais ou menos assim:

Uma criança recebeu do pai uma folha de uma revista em que havia um desenho deformado do globo terrestre. E ouviu do pai a proposta de que deveria recortar o papel a fim de concertar o mundo deformado.

Tesoura na mão a criança começou a recortar as deformações do mundo. Mas percebeu que quanto mais recortava, mais deformava o globo-mundo. Meio desanimada olhou o verso da folha e viu que ali estava um desenho de um ser humano.

Percebendo que não estava dando conta de reformar o mundo e que estava, retalhando-o cada vez mais e, nesse procedimento recortando o homem, a criança se decidiu mudar o rumo da proposta do pai. Virou a folha e tomou os pedaços do homem que havia recortado ao recortar o globo. E a criança começou, então o trabalho de colagem das pequenas partes em que havia recortado o ser humano; montando um verdadeiro quebra-cabeça. Ao concluir esse trabalho mostrou-o ao pai que a questionou, dizendo que a tarefa era concertar as deformidades do mundo. De pronto a criança respondeu que não estava conseguindo concertar o mundo por que não sabia como. Decidira, então, concertar o homem e estava fazendo isso por que era mais fácil.

No final da tarefa, a surpresa do pai e da criança: concertado o homem os dois viraram a folha e viram que o mundo estava perfeito. Ao concertar o homem a criança havia concertado o mundo.

Claro que esta é só uma historinha edificante. Mas algo chama a atenção: a criança subverteu a ordem. Por não saber como arrumar o mundo arrumou o homem. E ao arrumar o homem o mundo ficou concertado. Essa é, talvez a melhor mensagem que se pode esperar não só da escola como também dos pais e dos professores e das crianças: não há como concertar o mundo sem concertar o homem. O mundo-natureza tem mecanismos próprios e suficientes para se auto-preservar. O que precisa de remédio é o homem e suas relações com seus semelhantes – e com a natureza. A maldade humana produz, cada vez mais, problemas na relação com seus semelhantes e agressões à natureza

Mas existe um perigo. O perigo de os adultos tentarem dar receitas prontas às crianças e a todos os estudantes. E aqui está a necessidade da páscoa-transformação: a necessidade de gerar uma postura de mudança, de transformação, de reedificação. Mas para fazer isso a escola não pode se apresentar como fonte de respostas. Tem que se posicionar como instituição que gera questionamentos. E aqui invoco uma frase do Rubem Alves, muito lido por muitos professores. Diz ele que: "Não existe nada mais fatal para o pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido."

Assim sendo e aproveitando este espírito das festividades pascais, possamos, pais e educadores, gerar essa expectativa nova. Essa expectativa de fazer da escola não um espaço para onde e onde colocamos as crianças para receber receitas, mas que saibamos fazer de nossos lares e de nossas escolas um ambiente propício à inovação e à construção de respostas novas – nem que seja resposta nova para os velhos problemas. E, quem sabe, justamente isso, pois os problemas que nos atingem, de velho, podem permanecer nos sendo problema justamente por falta de uma nova abordagem. Talvez assim estejamos transformando o homem que transforma o mundo!

E aqui aproveito para infiltrar um tom religioso, nesta reflexão que foi pensada para não sê-lo. A mensagem central da páscoa é a transformação da morte em vida. O norte do mundo atual tem sido produzir morte, principalmente, onde existe vida: No meio da criançada.

Sinais de morte para a criançada: crise de valores; crise de autoridade; atropelo burocrático... e tantas outras situações que, se não matam, pelo menos dificultam a vida e o viver. E, sendo assim, não custa nada sonhar que posturas possam diferentes possam ser concebidas. Quem sabe ainda seja possível sonhar com alguma transformação...

Neri de Paula Carneiro

Filósofo, Teólogo, Historiador

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Autor: NERI P. CARNEIRO


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