Direito à Dignidade ou Direito à Vida?



Com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, surgiram princípios fundamentais como a Dignidade da Pessoa Humana (CF Art. 1º, inc. III), considerado, a priori, o princípio que mais se aproxima dos direitos e garantias à pessoa humana referentes a essa mesma Constituição.

O biodireito reconhece o Princípio da Dignidade como direito humano e fundamental. O respeito ao ser humano é reconhecido a todas as fases humana-evolutivas (antes de nascer, no nascimento, durante a vida e ao morrer), ou seja, uma vida com dignidade apresenta maior importância do que uma mera sobrevivência física.

"Entre os que defendem as leis antiaborto, quase ninguém realmente acredita que um feto recém-concebido seja uma pessoa; por sua vez, quase nenhum dos que se opõem a essas leis acredita, de fato, que a argumentação contra o aborto se fundamente apenas na superstição. O verdadeiro argumento é muito: divergimos tão profundamente porque todos levamos muito a sério um valor que nos une como seres humanos - a santidade ou a inviolabilidade de cada etapa de toda e qualquer vida humana. Nossas violentas divisões demonstram a complexidade do valor e do modo acentuadamente distinto como culturas, grupos e pessoas diferentes - todos igualmente comprometidos com tal valor - interpretam seu significado." (DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 341.)

O fato que configura a pertinência de inviolabilidade do direito à vida, assegurada pelo Art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, atribui ao embrião a aplicabilidade do direito de desenvolver-se intrauterinamente sem ameaça de interrupção, logo pressupõe-se que o embrião está juridicamente tutelado pela Constituição.

"A característica do vivente, sob o ponto de vista filosófico, está no fato de ele ser capaz de uma atividade que parte do sujeito vivente e tende a aperfeiçoar o próprio sujeito: vida é capacidade de ação imanente. Deixamos de lado o exame das características físicas, químicas e bioquímicas do ser vivo e examinamos o problema do ponto de vista filosófico. O salto qualitativo e irredutível do fenômeno "vida" está, portanto , na capacidade real de um ser de ser causa e fim da própria ação: isto significa precisamente "ação imanente". No primeiro degrau da vida, a vida vegetativa, ação imanente tem uma tríplice capacidade: nutrição, crescimento e reprodução." (SGRECCIA,Elio. Manual de Bioética I Fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.93.)

O princípio fundamental e absoluto da Dignidade da Pessoa Humana, garantida pela Constituição Federal, relaciona-se ao conceito de pessoa, correspondente a um ser humano racional capaz de usufruir de sua dignidade. Como um embrião poderá ser dotado de racionalidade sendo ele um ser incapaz de usufruir de sua dignidade?

´Ao analisar pesquisas científicas, históricas, sociais e jurídicas, embasadas na exposição por meio da Audiência Pública na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510-0/DF de pesquisadores que contestaram o início da vida e as formas de utilização das células-tronco embrionárias como terapia, chegou-se à votação dessa ação pelo Supremo Tribunal Federal mediante exposições fundamentadas apresentadas por pesquisadores relacionados ao assunto da bioética.

A discussão referente ao início da vida humana é divergente ao analisar a proposição de cada cientista, por exemplo, há pesquisadores que afirmam a existência da vida humana após a formação do sistema nervoso (pelo fato de atestar a morte através da morte encefálica) e outros defendendo o início da vida após a nidação do embrião à parede do útero (porque se não fosse o útero aquele embrião não sobreviveria).

A Constituição Brasileira, em seu 5º artigo, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida sendo um bem jurídico tutelado como direito fundamental à pessoa humana. A oportunidade dada ao indivíduo de retribuir sua dignidade, proporciona uma qualidade de vida defendida pelo Princípio Fundamental da Pessoa Humana. Já o embrião não tem essa dignidade retirada por não apresentar condições de seu usufruto.

A votação de improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510-0/DF com a participação de 11 ministros do Supremo Tribunal Federal tornou possível a aferição da Lei 11.105 de 24.03.2005 (Lei de Biossegurança) para questionar o Artigo 5º que expõe as restrições da forma de utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e cura de doenças. Pode-se concluir que a atual interpretação do Supremo Tribunal Federal pende para a valorização da qualidade de vida em desfavor da inviolabilidade do embrião, ou seja, não se deve, literalmente, afirmar que o Art.5º, caput, se restringe a uma vida tutelada, independentemente da violação de sua qualidade, mas à preservação da dignidade do indivíduo limitado de usufruir do direito, a ele conferido, assegurado pelo Estado.


Autor: Marília Dos Santos Rocha


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