Caridade Assassina



            Jorge matara cento e vinte e quatro pessoas como gesto de caridade, cumprindo uma boa ação. O primeiro assassinato, três anos antes, tinha sido considerado homicídio culposo. Mas como Jorge teve dificuldades em perdoar-se pelo que fizera, resolveu procurar ajuda psicológica. Pediu conselhos, dois dias antes de sair da prisão, a um médico psiquiatra que dividia com ele a mesma cela. Pós-graduado em medicina e filosofia e autor de homicídios em série, o companheiro de prisão mostrou-se muito satisfeito por poder ajudar:

            - Diga-me, qual é o objetivo da existência de vida na Terra?  perguntou o médico, durante a consulta informal.

            - Ora, a vida é a coisa mais importante que existe na Terra. Se não houvesse vida, não haveria nada! Eu sei disso, doutor, eu sei disso.

            - Não respondeu à minha pergunta. Pense em um objetivo, um motivo maior para a existência da vida. Você é capaz de imaginar algum?

            - Sim, claro.  mentiu Jorge, que não conseguiu pensar em nenhuma resposta inteligente para falar ao psiquiatra.

            - Pois bem, quando ele se concretizar, qual será sua importância?

            - Onde você está querendo chegar?

            - Quero que você aceite que não há objetivos para a existência de vida na Terra.  disse o doutor.

            Jorge refletiu por alguns instantes.

            - Tenho de admitir que seja verdade!

            - Então, por que se pune a pessoa que mata?

            - Porque matar é muito errado, claro, tanto é que não tive a intenção...

            - Pense na resposta mais objetiva: é por causa de alguns instintos naturais de preservação da espécie.

            - Realmente.  concordou Jorge.

            - Mas, se a vida não serve para um fim, por que preservar a espécie?

            - Não é necessário preservar a espécie.  Jorge começava a compreender.

            - Então por que não matar?

            - Porque a morte de um ser traz a tristeza de outro, e tristeza é um sentimento feio. Você há de concordar comigo.

            - Concordo plenamente.  sorriu o doutor.

            Por um instante, Jorge ficou confuso.

            - Qual é a conclusão final, então?

            - Conclua que matar não é errado, mas se matar um, é preciso eliminar todo o conjunto de pessoas que haveriam de entristecer-se à custa da primeira morte.

            - Mas isso não desencadearia um ciclo?

            Os olhos do médico brilharam de repente.

            - Sim. Mate todos.

            - Obrigado, doutor. Sinto-me bem melhor.  e foi assim que Jorge começou a praticar sua boa ação.


Autor: Potássia Trytio


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