O Brasil da Pós e a Doença Holandesa



O Brasil da Pós-Crise e a Doença Holandesa

Vitor Bellizia (*)

Ainda que sob o manto monetário, é possível prever o novo ciclo econômico que deve prevalecer no mínimo para a próxima década.

Este ciclo será comandado pela dinâmica de três países emergentes: a China, a Índia e o Brasil. Cada um dentro do seu espaço de atuação. Espaços estes não concorrentes que sem dúvida serão o novo pólo dinâmico da economia mundial.

O último ciclo econômico pode ser definido entre dois pontos: a) a política de juros baixo do FED pós 11 de setembro em 2001 e b) a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008.

Neste interregno, a economia mundial assistiu a um forte crescimento (Vide Gráfico abaixo) puxado pelo crescimento da China que se firmou como o grande processador de produtos industrializados do mundo e da Índia que se caracterizou como o grande processador mundial de serviços. A Índia gerou "o software" deste padrão de acumulação, como resultado da política educacional indiana que exportou estudantes nas décadas de 80 e 90 para estudarem nos melhores centros de educação do mundo e capturou a vantagem em serviços de baixos custos, sobretudo na área computacional e de call center e de outros serviços com fortes inversões dos países centrais. Enquanto a China gerou " o hardware" do modelo, fabricando produtos industrializados e jogando um novo padrão de competição na economia Global.

Cabe ressaltar que todas as inversões na Índia, China eem outros países emergentes foram feitos num cenário de baixa taxa de juros nos países centrais e com alta liquidez internacional. (Vide Gráfico Abaixo)

Ocorre que tanto este software como este hardware do modelo necessitavam de dois componentes básicos para rodar: a) energia e b) alimentos.

Do lado dos preços da energia, pode-se assistir a um forte incremento dos preços do petróleo que beneficiou, de um lado, os paises exportadores de petróleo e, de outro, os programas de biocombustíveis por todo mundo. (Vide Gráfico abaixo)

O aumento da renda seja nos países exportadores de petróleo bem como da Índia e da China e de outros emergentes fez com que um grande contingente populacional entrasse no mercado alimentar de proteínas.Como se sabe para se produzir umquilo de carne bovina é necessário o consumo de 8 kg de grãos enquanto que para a produção de um quilo de carne suína é necessário o consumo de 5 quilos de grãos. Com isso ocorreu uma brutal elevação das commodities agrícolas e as relações de troca dos países emergentes com os países centrais foram muito positivas para os primeiros, desencadeando uma forte acumulação de reservas internacionais nestes países. Isto inclusive contrariando todos os pressupostos teóricos da relação de trocas dos estruturalistas latino americanos da década de 60.

Antes da crise o consumo de carnes e o preço das commodities estavam em níveis históricos extremamente elevados já comprimindo a capacidade de consumo e poupança nos países centrais e gerando pressões inflacionárias.

Na situação brasileira, por exemplo, antes da crise os preços dos alimentos em termos reais (Base 100 Dez 2000=100) tinham crescido 19%, enquanto os preços industriais tinham crescido apenas 5% de Dezembro de 2000 a Dezembro de 2007.

Adicionalmente, cabe ressaltar que nos últimos vinte anos os países emergentes enfrentaram crisesagudas (Crise Mexicana, Asiática, Russa entre outras) que erodiram seus balanços de pagamentos e desencadearam crises cambiais agudas e como atitude ativa, adotaram o que André Lara Resende, chamou de Mercantilismo Emergente. Esta política fortemente caracterizada por um forte controle fiscal e redução da relação dívida externa/PIB e incentivos a exportações resultando num entesouramento de reservas internacionais para serem utilizadas em períodos de crise, uma vez que a dinâmica das crises nestes países obedecia a uma lógica muito bem explicada pelo diagrama abaixo apresentado pelo Presidente do Branco Central Brasileiro, SR. Francisco Meirelles para o caso brasileiro abaixo.

Fonte: Bacen/Henrique Meirelles

Este processo de entesouramento jogou muita liquidez no mercado de títulos dos países centrais e criou bolhas especulativas. A mais famosa a bolha imobiliária americana que resultou na quebra do Banco Lehman Brothers em Setembro de 2008.

Quando se analisa as principais reservas mundiais, os países emergentes mostram seu destaque.

Dentro deste panorama pode-se deduzir que a crise de setembro de 2008 tem bases reais bastante concretas. De um lado, o forte crescimento mundial não pode se sustentar pelo estrangulamento da oferta dos "tradables" energia e alimentos, uma vez que o crescimento destes preços reduziu a renda disponível para a realização das inversões realizadas e para a compra das quantidades produzidas, ou seja, uma típica crise de sobre acumulação do sistema capitalista.

Não é por menos que os déficits no balanço de pagamentos agravados pelas Guerras do Afeganistão e Iraque e o crescimento da dívida privada norte americanos tenha como correspondência quase que contábil o incremento das reservas dos países emergentes no período.

A política monetária e fiscal expansionista pós setembro de 2008 dos países centrais resolveu conjunturalmente o problema, mas não de maneira estrutural.

A saída estrutural será a ampliação da capacidade de fornecimento de alimentos e de energia em escala global.

Nesse sentido, o aumento do preço do petróleo e sua manutenção em patamares elevados contribuirão para ampliar o incentivo ao biocombustível e outras fontes de energia. A ampliação do uso de biocombutível concorre diretamente com a agricultura de alimentos e, neste aspecto, o agronegócio ganha impulso redobrado neste novo ciclo.

O Brasil reúne diversas condições para capturar todas as oportunidades desta nova fase. Tem clima, terras agriculturáveis em abundância, um sistema de custeio e financiamento à agricultura que é um benchmark mundial, um programa de biocombustível de mais de 30 anos. Tem institutos de pesquisa agrícola de renome internacional como o EMBRAPA. Além de todos estes aspectos, tem-se ainda a possibilidade de se tornar exportador de petróleo com a exploração do pré-sal que ganha relevância com os atuais preços do petróleo que incentivam a extração em poços mais profundos.

Se o mundo tinha um processador de produtos industriais e outro de serviços, agora passará a ter um processador de alimentos e biocombustíveis em escala planetária. Não haverá necessidade de incentivos, o mecanismo de preços fará o seu papel na alocação de recursos e o Brasil estará pronto para tirar proveito de todas estas oportunidades.

Cabe ressaltar que não quero dizer que todos os países não terão sua participação nas esferas industriais, de serviços e da agricultura, mas que a China, Índia e Brasil serão complementares a estas esferas e os pólos dinâmicos destes setores respectivamente, no mínimo, no próximo decênio.

Diante desse cenário, o único risco é o da desindustrialização brasileira pelo processo conhecido como doença holandesa. Este processo foi diagnosticado por economistas em 1960 quando a Holanda ao descobrir e explorar reservas de gás natural teve um processo de apreciação da taxa de câmbio que ameaçou gravemente a indústria do país. Este aspecto vem sendo muito bem debatido e estudado pelo Professor Luiz Carlos Bresser Pereira e merece atenção redobrada. ( Vide "Paper": Doença Holandesa e sua neutralização: uma abordagem ricardiana.)

Caberá uma atuação que não vem sendo feita do Banco Central em administrar a importante vantagem comparativa em commodities do Brasil fruto de rendas ricardianas oriundas da abundância de recursos naturais e mão-de-obra barata que já deprecia e depreciará a taxa de câmbio. A tendência hoje sentida de apreciação da taxa cambial pode ter conseqüências para o desenvolvimento industrial brasileiro sem se sentir seus reflexos no balanço de pagamentos de imediato uma vez que a taxa de câmbio de equilíbrio para o país estará fortemente influenciada pelo alto preço das commodities. Os produtos industriais brasileiros produzidos ao estado da arte tecnologicamente falando não estão e nem estarão em pé de igualdade para a competição na arena global e as commodities terão cada vez mais peso nas exportações brasileiras. ( Vide Gráfico Abaixo)

Fonte: Bradesco

Os reflexos podem ser sentidos também pelo desempenho do PIB brasileiro de 2001 a 2008. Enquanto a Agricultura cresceu a taxas de médias de 4.6% a indústria cresceu 1.6 pontos percentuais abaixo, com taxa média de 3%. O PIB no período teve taxas de crescimento de3.8% em média no período e serviços 3.6%.

Fonte: IBGE

Taxa de Cambio R$/US$

Fonte: Terra/Invertia

Do mesmo modo a indústria de transformação vem crescendo bem menos que a indústria extrativa. Conforme dados abaixo a indústria geral de Setembro 2008 versus a média de 2002, cresceu 31%, para uma média de crescimento de 48% das extrativas contra apenas 30% da indústria de transformação. Uma diferença de 18 pontos percentuais na taxa de crescimento! (Vide Tabela Abaixo)

Esta é uma sinalização importante para que o Brasil não se torne um país apenas extrativista e desendustrializado, ou com uma indústria apenas "maquiladora" como a Mexicana.

Esta política pode ser feita seja através da redução da taxa de juros, pela compra de reservas internacionais, pela imposição de controles da entrada de capitais, seja pela taxação de impostos sobre os bens que causam a doença holandesa. Tanto a China como a Índia adotam políticas semelhantes.

Esta na hora do Brasil iniciar uma política de defesa da apreciação cambial, pois com os atuais níveis de taxa de câmbio sobre apreciadas (vide gráfico acima) e o novo surto de crescimento puxado pela agricultura voltada à exportação com vantagens comparativas importantes nas commodities é possível que a indústria brasileira sucumba.

Não é por outra razão que uma série de investimentos industriais visando à exportação vem sendo adiados no país e algumas empresas estejam deixando o país.

De outro lado, pode-se perceber claramente que o saldo de aproximadamente US$ 21 bilhões neste ano (até Setembro 2009), vem sendo puxado pela venda de produtos básicos enquanto que as importações de produtos intermediários e de bens de capital vêm crescendo fortemente.

Esse fator mostra claramente a Doença Holandesa no país, ou seja, a balança comercial está superavitária, o balanço de pagamentos em equilíbrio, porém devido apenas competitividade brasileira em commodities.

As reclamações do Presidente LULA endereçadas à empresa Vale do Rio Doce para que aumente o valor agregado investindo na produção do aço não consegue resposta, pois o problema não está no desejo ou não de seu CEO, Sr Roger Agnelli. Está condicionada a rentabilidade que só aparecerá a taxas de câmbio mais depreciadas. A reclamação deveria ser feita às autoridades monetárias na condução da política cambial.

Nesse sentido, ganha relevância e merecem aplausos o fato do Governo LULA estar ensaiando uma política de controle seletivo de capitais com taxação de IOF em outubro de 2009 nas operações financeiras de curto prazo, mas isto é pouco. É preciso mais, muito mais!

Dada as oportunidades que o Brasil terá no próximo decênio urge que os administradores da política econômica travem um embate contra a apreciação crônica do Real. Este é a principal obstáculo para que o país volte a crescer robustamente. É também o principal fator de risco a indústria nacional.

De certo, uma taxa de inflação um pouco mais elevada dada a depreciação cambial será sentida e haverá, num primeiro momento, perdas salariais. Mas o próprio crescimento econômico se encarregará pelo lado da demanda por trabalho de recompor estas perdas. Há também um aspecto relevante sobre a inflação, pois considerando a capacidade ociosa existente em alguns setores industriais, pode-se reduzir o peso de custos fixos e de encargos financeiros fixos sobre as empresas, abrindo espaço para a redução de preços a médio e longo prazos contribuindo para neutralizar a inflação gerada pelo câmbio.

O Brasil tem uma extraordinária chance de alavancar seu crescimento na próxima década tanto na área industrial, extrativa e agrícola, desde que enfrente decisivamente a Doença Holandesa que está depreciando e que depreciará ainda mais a taxa cambial caso nada seja feito.

(*) Vitor Bellizia, 42 anos, é executivo financeiro, graduado e pós-graduado em Administração pela EAESP-FGV, professor de administração financeira da Faculdade Prudente de Moraes e ProfessorFinanças Local da FGV/RJ. Foi Vice-Presidente da ANFAVEA. (2005/07)


Autor: Vitor Bellizia


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