Medida De Internação: Questões Jurídicas E Apontamentos Sociológicos



ARTIGO CIENTÍFICO

Medida de internação: questões jurídicas e apontamentos sociológicos

INTRODUÇÃO 

Pretende este artigo desenredar-se sobre medida de internação, seu fundamento legal, em quais casos o juiz pode decretá-la. Pontuará, ainda, que o Estado deve priorizar em suas ações a criança e o adolescente, a fim de afastá-los da ilicitude, em respeito à Constituição Federal.

Já, quando, nos casos de aplicação da medida de internação, demonstrar-se-á o norte que o Juiz deve seguir para aplicá-la.

 Outro ponto que se ventilará é a ausência do Estado no tocante à disponibilização de estabelecimentos adequados para receber os menores infratores, com enfoque sobre o município e comarca de Barra do Garças-MT, que é nítido o descaso do Estado-membro de Mato Grosso; motivo pelo qual o Ministério Público Estadual, por meio da promotoria de Barra do Garças, impetrou com uma ação civil pública, com o objetivo de impor, pela força judicial, que o Estado cumpra com o seu dever constitucional.

Ainda demonstrar-se-á que a colacionada autuação do MP encontra respaldo na jurisprudência assente nos Tribunais; esta, inclusive, vem roborar que cabe ao Poder Judiciário intervir nesses casos.

PALAVRAS CHAVES: CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA DE INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DO ESTADO. PROGRAMAS SÓCIO-EDUCATIVOS EM BARRA DO GARÇAS-MT. INEFICÁCIA DA NORMA.

DESENVOLVIMENTO

A medida de internação constitui a mais severa dentre o rol das sócio-educativas, por se tratar em medida privativa de liberdade. O Estado-Juiz deve aplicá-la somente nos casos mais graves e depois de ter tentado ressocializar o menor infrator mediante as outras medidas.

A fim de evitar medidas extremas como essa que discorremos, a CF/88 preleciona no artigo 227, caput. In verbis:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Portanto, como se infere do texto legal, a Constituição Federal coloca a criança e o adolescente com prioridade absoluta sob as demais ações do Estado. Pontua-se, sobre isso, que o Estado deve criar mecanismos a fim de evitar que os menores cometam atos infracionais; deve, ainda, envolver em suas ações a família e a sociedade. Não basta o Estado criar normas rígidas com o fito de punir exemplarmente aos que transgridem a norma, vez que medidas desse porte são meramente paliativas, não afastam os problemas que levam os menores a pratica de atos infracionais. Deve, no entanto, o Estado, disponibilizar meios necessários para que todo menor tenha acesso digno à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura. Daí, a juventude, de posse desses meios, crescerá com dignidade e rejeitará o mundo da criminalidade.

Quanto ao princípio da prioridade absoluta, o artigo 4º da Lei 8.069/90 (ECA), também o aponta, em seu parágrafo único. Vejamos:


Art. 4º (...)

Parágrafo único. A garantia da prioridade compreende:

(...)

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com proteção à infância e juventude.

Desse dispositivo legal, ilaciona-se que mais uma vez o legislador originário priorizou a juventude com o escopo de protegê-la da criminalidade.

No entanto, quando o Estado-juiz tiver que aplicar a medida de internação deve guiar-se pelo prescrito no artigo 227, § 3º, da CF. In verbis:

O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

(...)

V – Obediência aos princípios de brevidade, excepcionalmente e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade.

Ademais, a medida em comento não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses e não poderá, em nenhuma hipótese, o período máximo de internação, exceder a três anos.

Pontue-se ainda que o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente estatui as hipóteses quando a medida de internação poderá ser aplicada, a saber:

I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II – Por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Por conseguinte, após o Juiz verificar as ocorrências acima assinaladas e encontrar provado nos autos ao menos uma delas, e se convencido estiver da gravidade que o menor representa à sociedade poderá se valer da medida de internação, para coibi-lo de novas infrações, e pelos meios de ressocialização postos à disposição pelo Estado, devolvê-lo ao seio da sociedade recuperado.

Nesse passo, também é a jurisprudência pátrea, conforme se vê, do seguimento que subsegue, in verbis:

 

 

TJMT – Tribunal de Justiça de Mato Grosso

Órgão julgador: Terceira Câmara Civil

Relator: DR. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA


RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL Nº 22339/2004 - CLASSE II - 19 – COMARCA CAPITAL

APELANTE(S): M. J. S. O.

APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO

Número do Protocolo: 22339/2004

Data de Julgamento: 1º-9-2004

EMENTA

APELAÇÃO CIVIL - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO FURTO QUALIFICADO - CONFISSÕES POLICIAL E JUDICIAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - REITERAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS GRAVES - MEDIDA EXCEPCIONAL - INTERNAÇÃO CORRETAMENTE APLICADA - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.

A confissão judicial reiterante da extrajudicial, harmônica com todo o conjunto probatório, é suficiente para comprovar a autoria delitiva.

Embora excepcional, a internação deverá ser aplicada ao menor que, reiteradamente, pratica atos infracionais graves, nos termos do artigo 122, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Destaque nosso.

Com efeito, a medida de internação somente poderá ser aplicada ao menor que reiteradamente pratica atos infracionais e não demonstra recuperação ante as medidas sócio-educativas anteriormente impostas. De outra banda, conforme já salientado nas linhas proemiais, dessume-se que o menor, quando se bandeia para o mundo da criminalidade, é porque o Estado esteve ausente e não cumpriu com o seu dever constitucional de assegurar a todos os meios para garantir a dignidade da pessoa humana.

Oportuno se torna dizer o que preceitua o artigo 124 do ECA, o qual estabelece os direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros: ser tratado com respeito e dignidade, permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsáveis, ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal, habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade e receber escolarização e profissionalização.

Como se nota, o objetivo cerne dos preceitos narrados no citado diploma é garantir a ressocialização e recuperação do adolescente infrator por meio de instrumentos dignos e adequados às necessidades de um adolescente.

Registre-se, ainda, a lição do artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que a medida de internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, sendo, ainda, que durante o período de internação serão obrigatórias atividades pedagógicas.


Como se pode notar, outro requisito fundamental que o Juiz deve analisar no momento da aplicação da medida de internação, trata-se dos estabelecimentos que receberão os menores infratores. Consoante demonstrado acima, as entidades de ressocialização devem acolher dignamente qualquer adolescente nelas inseridos.

Bom é dizer que se o Estado não disponibilizar locais adequados para a internação, fica restrita a atuação do Juiz no tocante à aplicação da medida. Percebe-se, diante disso, que o trabalho e o esforço da Justiça em apurar os atos infracionais tornam-se perdidos; inviável, portanto, apurar o fato e responsabilizar o infrator impondo-lhe a medida adequada, se não há local apropriado para o cumprimento da medida imposta.

Nessa situação encontra-se a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Barra do Garças-MT, uma vez que não há estabelecimentos adequados para a internação dos menores infratores na referida cidade. Fato que motivou o Ministério Público Estadual, cumprindo sua missão constitucional de zelar pelos interesses coletivos, impetrar uma ação civil pública contra o Estado-membro de Mato Grosso – distribuída sob o n.° 241/2007, id. 74125, em 04/10/2007 (http://www.tj.mt.gov.br/Servicos/Processos/Comarcas/Protocolo.aspx). Alega, em síntese, o MP, que o estabelecimento utilizado para receber, atualmente, nesta cidade, os menores, não reúne as condições necessárias para abrigá-los, o que torna, de fato, impossível a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, na integra, os seus princípios.

Outro fator que merece destaque, que foi deslindado, pelo MP, na ação civil pública, é o fato do aumento da criminalidade no município, levado a cabo justamente pela impossibilidade do Juiz aplicar as medidas de internação. Destacou, ainda, nesse lanço, a falta de política pública do Estado, nos liames legais, visando a ressocialização dos menores infratores.

Com efeito, se o Estado não observa o prelecionado na Carta Maior e, ainda, o prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente, torna-se impossível a aplicação das medidas sócio-educativas restritivas de liberdade.

A respeito disso, extrai-se das linhas pretéritas a omissão do Estado em zelar pela criança e o adolescente; porque como já tido prefacialmente, tais medidas são meramente paliativas e, portanto, se há um descaso no cuidado com essas garantias, as demais de cunho pedagógico, assistencial, ou seja, de garantias de um desenvolvimento saudável, que exigem investimentos de proporção maior, não é de esperar o contrário.

Acertadamente, a respeito desse tema, foram as palavras, com requinte de sabedoria, do ilustre promotor de Justiça, Dr. Natanael Moltocaro Fiúza, na ação civil pública acima colacionada. In verbis:


"Desde o advento da Carta Política de 19988, seguida da implementação do Estatuto da criança e do Adolescente, poucas – e insuficientes – foram as medida concretas tomadas pelo Poder Público no sentido de solucionar a aflitiva situação dos adolescentes postos sob a custódia do Estado, não obstante o tratamento prioritário que deve ser reservado à questão da infância e juventude. Há um quadro cheio de discursos bem intencionados, mas pobre de concretizações".

A par disso, quando o Estado não toma as medidas que lhe compete, autoriza a intervenção judicial. Daí por que o Ministério Público impetrou com a ação civil pública, pois socorre ao Judiciário que este faça o Estado colocar os menores em prioridade sob suas ações, a fim de evitar que conseqüências irreparáveis surjam, tanto para a coletividade, que está à mercê da ação desses menores delinqüentes, quanto a estes também, uma vez que colocados em locais inadequados, sem os meios necessários de ressocializá-los, correm o risco de se tornarem vítimas da ausência estatal.

Corrobora esse entendimento a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, consoante se vê, no seguimento, in verbis:

Órgão julgador: Sétima Câmara Civil

Relator: Des. Sérgio Gischkow Pereira

RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL Nº 00596017897

APELANTE(S): E.R.G.S.

APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOLESCENTE INFRATOR. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO-MEMBRO INSTALAR E MANTER PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMI-LIBERDADE PARA ADOLESCENTES INFRATORES.

1. Descabimento de denunciação da lide à União e ao Município. 2. Obrigação de o Estado-membro instalar (fazer as obras necessárias) e manter programas de internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve incluir a respectiva verba orçamentária. Sentença que corretamente condenou o Estado a assim agir, sob pena de multa diária, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Norma constitucional expressa sobre a matéria e de linguagem por demais clara e forte, a afastar a alegação estatal de que o Judiciário estaria invadindo critérios administrativos de conveniência e oportunidade e ferindo regras orçamentárias. Valores hierarquizados em nível elevadíssimo, aqueles atinentes à vida e à vida digna dos menores. Discricionariedade, conveniência e oportunidade não permitem ao administrador se afaste dos parâmetros princípios lógicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal. 3. Provimento em parte, para aumentar o prazo de conclusão das obras e programas e para reduzir a multa diária.

Com efeito, diante do desrespeito do Estado-membro de Mato Grosso à lei, como se verificou nas linhas pretéritas, vez que não implementou na cidade de Barra do Garças-MT  uma unidade de internação para os menores infratores, com instalações físicas adequadas, bem como a promoção da ressocialização desses menores pelos meios elencados na lei infraconstitucional que rege a matéria, impõe-se dizer que as normas elencadas no ECA padece de eficácia.  


Autor: César Avelar Mineli


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