Um dia de verão



Vera tinha 30 anos, a idade do sucesso... Mas Vera não era exatamente uma mulher de sucesso... Não nos molde elogiados pela sociedade... Era solteira, e sustentava aos pais.    Trabalhava numa fabrica de transformação de plásticos como operadora de máquina sopradora. Longe de ser o melhor trabalho do mundo, no verão era pior para trabalhar. O calor no galpão era insuportável, sempre uma colega desmaiava, outra tinha uma cólica renal por beber pouca água... E assim era a realidade de Vera.

Era um dia quente de verão quando aconteceu um fato que mudaria a vida de Vera.

Ela acordou ás oito horas da manhã, fez a toilete e foi á padaria comprar pão. Cumprimentou as pessoas de sempre, uns meninos fizeram troça... Vera não era tão bela... Os moleques sempre caçoavam de sua aparência... Há dois anos Vera começou um tratamento dentário para corrigir a posição dos seus dentes... Era vaidosa apesar de tudo. Ao volta da padaria tomou o café como de costume, lavou a louça e limpou a casa como sempre. Seu tinha problemas cardíacos e mãe outros problemas de saúde, Vera não tinha opção era cuidar dos pais ou abandoná-los, escolheu cuidar deles.

Era meio dia quando ela acabou de fazer o almoço. Almoçou. Avisou aos pais que o almoço estava pronto e foi tomar banho. Vera entrava no serviço ás duas horas da tarde, precisava sair de casa uma hora antes para evitar atrasos. Ela tomou o banho, arrumou-se, conversou ainda um pouco com seus pais e logo depois saiu.

O sol estava estalando, no verão São Paulo parece sertão, o calor é muito grande e não existem muitas árvores... Na verdade, a cidade precisaria de um projeto de arborização... Mas Vera precisa ir ao trabalho... Segue até o ponto de ônibus e espera por alguns minutos o ônibus da empresa em que trabalha. Chega á empresa trinta minutos antes de iniciar o turno, cumprimenta aos colegas de trabalho. Inclusive aquele rapaz de quem gosta, infelizmente ele não repara nela... As pessoas vão chegando, se cumprimentando, outros vão saindo de seus postos, informando aos que chegam os pormenores do trabalho, o que mudou, se houve problemas com a máquina ou com a regulagem da mesma... Vera ia trabalhar na sopradora quarenta, era uma peça trabalhosa que necessitava dois operadores. Um operador operava a máquina e tirava a rebarba grossa e o outro operador fazia o acabamento final e embalava a peça. Era uma máquina com doze anos de uso e que provavelmente não passava por uma manutenção adequada, caso contrário os fatos a seguir não teriam acontecidos.

O expediente começou normalmente, na sopradora ao lado da quarenta, havia um grupo de dez estudantes, que faziam aulas práticas, acompanhados por um professor. O professor explicava os macetes de se regular uma máquina sopradora, falava sobre a convenção coletiva a respeito de segurança das máquinas sopradoras. Cada funcionário fazia seu serviço, absortos sem observarem o que acontecia ao redor.

Era próximo das três horas da tarde, verão, o tempo escurecia, precipitava uma tempestade. A fabrica ficava numa parte alta do bairro, muito desprotegida dos ventos e dos raios. Alguns funcionaram se precipitaram para fechar as portas laterais do galpão, pois o vento começava a assoviar. Vera começou o turno fazendo o acabamento final da peça e sua colega operava a máquina. Após uma hora as posições foram invertidas, e Vera passou a operar a máquina. Tudo corria bem, a máquina estava produzindo cinqüenta peças por hora. Era uma sopradora de dez litros, com acumulador, o parison desce numa temperatura em torno de duzentos graus, ao atingir o comprimento estabelecido na regulagem o molde fecha e a agulha, com ar comprimido, entra para soprar e formar a peça. Após o tempo de sopro e o tempo de resfriamento abre-se a porta e retira-se a peça do molde. Por necessitar de intervenção manual, as portas das máquinas devem possuir sensores nos dois lados para evitar que o molde feche com as portas abertas e provoque um acidente. Infelizmente a manutenção no sensor da sopradora não foi adequada e o sensor elétrico não estava funcionando de forma adequada e Vera não percebeu. Nem mesmo o dispositivo de segurança hidráulico funcionava, estava desligado.

Vera demorou a abrir a porta da máquina neste ciclo. O outro parison já estava começando a descer. Vera abriu a porta sem perceber que o sensor elétrico havia quebrado e ficado preso na parte fixa da porta. A peça ficou presa no molde, Vera tentava tirar a peça, quando o outro parison já atingia certo tamanho, o molde fechou sobre a mão esquerda de Vera, ela desesperada apertava o botão de emergência que deveria acionar o sistema de proteção hidráulico, porém o mesmo não funcionava. A colega de Vera ficou apavorada, demorou um pouco para perceber o que aconteceu, logo que percebeu saiu correndo... Vera gritou e o professor que estava na máquina ao lado correu para socorrer Vera, uma aluna também correu para ajudar... Depois de algum tempo outras pessoas chegaram e conseguiram abrir o molde e retirar a mão de Vera.

Ela estava com duas luvas, uma de tecido e outra de couro por cima. Cerca de vinte minutos após o acidente, Vera foi levada ao pronto socorro. Teve queimaduras na mão além várias fraturas. Os colegas de trabalho ficaram apavorados e ninguém quis trabalhar na máquina, mas após o acidente foi feita uma manutenção na máquina e os operadores tiveram que voltar ao trabalho. Vera não perdeu a mão como muito acidentados, mas teve que fazer cinco cirurgias na mão e passou quinze dias internada, teve infecção, tomou muito antibiótico... Sobreviveu. Passou três meses sem receber o seguro do INSS e os colegas de trabalho fizeram vaquinha para que a família da moça tivesse o que comer... Vera passou o ano no hospital... Voltou pra casa mais magra, preocupada com a família e com medo de perder o emprego o que é muito comum acontecer com as pessoas que sofrem acidente de trabalho.

Cinco meses após o acidente, Vera faz fisioterapia e acompanhamento psicológico... Ela nunca mais será a mesma... E nunca mais esquecerá esse verão... Ela havia feito tantos planos e só restaram as lembranças de uma moça sonhadora... Sonhos que agora serão mais difíceis de realizar...

 


Autor: Creusa Sousa


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