REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS LUSO-ANGOLANA NO TEMPO DOS FLAMENGOS



"... o escritor é um ser que deve estar aberto a viajar por outras experiências, outras culturas, outras vidas. Deve estar disponível para negar a si mesmo. Porque só assim ele viaja entre identidades. E é isso que um escritor é  um viajante de identidades... uma criatura de fronteira, alguém que vive junto à janela, essa janela que se abre para os territórios da interioridade."

(COUTO, Mia. Que África escreve o escritor africano?, p. 59)

1"SE ME QUISERES CONHECER..."1

Este ensaio tem como objetivo: analisar as representações e reapropriações das identidades/ identificações histórico, ficcionais e sócio-culturais, na obra de Pepetela: A Gloriosa Família: O tempo dos flamengos.

1.1UM POUCO SOBRE PEPETELA

O sociólogo e escritor angolano Arthur Carlos Maurício Pestana dos Santos, Pepetela (Pestana em umbundu),nasceu em Benguela, dia 29 de outubro de 1941. Participou de grupos de libertação n'Angola, portanto, Pepetela torna-se narrador de uma história angolana mais do que conhecida de ouvir falar,de viver. Também ajudou a fundar grupos de escritores angolanos e escreveu mais de doze obras, dentre as quais destacam-se: Mayombe (Romance escrito entre 1970 e 1971 e publicado em 1980); Yaka (Romance escrito em 1983 e publicado em 1984 no Brasil e em 1985 em Portugal e em Angola); A Geração da Utopia (Romance que começou a ser escrito em 1972 e publicado em 1994); A Gloriosa Família: O Tempo dos Flamengos (Romance publicado em 1997) e A Parábola do Cágado Velho (Romance que começou a ser escrito em 1990 e foi publicado em 1997). Pepetela venceu o Prêmio Camões em 1997 com a obra A gloriosa família. Pepetela "insiste nessa busca incessante dos contornos do Passado, não para o julgar, mas para conferir um sentido ao Presente e projetar um Futuro mais harmonioso..."(MATA, 1999).

1.1.1 "Eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo..." 2

O papel dos intelectuais é fundamental na difusão dos discursos, opiniões, e, portanto, faz-se necessário por parte do mesmo, um olhar político criterioso ante seu posicionamento quanto às questões que tangem a sociedade, a qual se refere. Podemos visualizar a importância do pensamento, da escrita dos intelectuais. Inocência Mata, crítica são-tomense, numa entrevista ao Novo Jornal intitulada: "Viver a literatura com os olhos cheios de África", encontrada no site da UEA (União dos Escritores Angolanos), responde, ao ser indagada quanto a importância da literatura angolana no processo de reconstrução e desenvolvimento político, histórico e social de Angola, que a literatura angolana foi fundamental para a libertação do país, bem como, a partir da mesma, houve uma maior disseminação no processo de consciencialização e na construção da idéia de nação angolana.

[...]A literatura foi um instrumento subsidiário da luta, da guerrilha, e ajudou na libertação e na reconstrução do país.A literatura angolana antecipou inclusivamente algumas reflexõescientíficas e muitas das questões que hoje as ciências sociais estão aabordar, como a questão da corrupção,do neoliberalismo, docapitalismo selvagem, do racismo e das diferenças étnicas e de classe.(MATA, 2008)

Faz-se necessário, ao se falar de literaturas africanas que não caiamos na problemática de exigir o "genuíno", "autêntico", que possibilita uma mistificação ou endeusamento das Áfricas, mas sim, que saibamos que há, como em todas relações sociais, umas com mais, outras menos intensidade, presenças, interferências, relações, trânsitos sócio-étnico, ideológicos, culturais, e que também não podemos desconsiderar a peculiaridade do local de fala, as relações de poder que as circundam, os choques, atritos, e, através dessas ambivalências, como fez Pepetela e como muitos escritores africanos e africanistas o fazem, posicionar-se de maneira a reverter, através do discurso, do protesto, da denúncia, os discursos hegemônicos.

1.2CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-FICCIONAL DE ANGOLA EM AGF

A narrativa, A Gloriosa Família (doravante AGF), apresenta uma remontagem histórico-ficcional da construção nacional angolana, no tempo da ocupação holandesa (1641-1648). O deslocamento narrativo é representado por um narrador não convencional: escravizado, analfabeto, mudo, questionador. O enredo desenvolve-se como uma biografia intersubjetiva "não autorizada" do personagem Baltazar Van Dum, focalizando conflitos sócio-étnico-políticos decorrentes do comércio e da reificação do escravizado. Conduzido numa linguagem marcadamente irônica, o romance ressignifica valores e modelos estéticos ocidentais, privilegiando uma escrita baseada na noção de "texto oralizado", ou oratura, texto ouvido, falado, visto, segundo Manuel Rui, escritor angolano.

O romance surpreende e nos traz à realidade olhares múltiplos acerca das possibilidades discursivas mediantes os locais de fala. A partir do entrecruzamento histórico-ficional o romance é tecido, percebemos por meio dos dramas narrativos que uma das obras sobre as quais Pepetela se debruçou foi a História geral das guerras angolanas, de 1680, do historiador português, António de Oliveira Cadornega, pois, a partir da mesma é extraído episódios e referências a personagens que vão transitar na narrativa. Em AGF, notoriamente irônico, crítico é questionado o tom de verdade do discurso historiográfico, a partir da "presença" de Cadornega como personagem do romance e da ironia quanto ao que se vê nos livros de história.

Chega a ser uma questão moral. Se escrevo sobre as grandezas de Portugal, como posso contar as coisas mesquinhas? Não, essas ficam no tinteiro, pois não interessam para a história. Será necessário saber interpretar a crônica. Personagem que não aparece revestida de grandes encômios é porque não prestava mesmo para nada e só o pudor do escritor salvaguarda a sua memória. Assim tem feito, assim deve ser.

(PEPETELA. AGF, p. 269)

O discurso do romance é pautado na ambigüidade expressa nas relações sociais originadas pelo colonialismo português. Não há uma exaltação de Angola, mas uma reconstrução de um passado histórico. O narrador (escravo-narrador), entidade ficcionalizada por Pepetela, conta a trajetória do personagem histórico (Baltazar Van Dum). O narrador, escravizado, mudo e analfabeto, à medida que constrói um modelo de Baltazar, constrói a si mesmo. Percebemos o caráter híbrido na construção das identificações em AGF. Não existem identidades fechadas, mas sim, conceitos construídos, jogos de polissemia, negociações. A identidade do escravo-narrador fica atrelada à identidade de Baltazar, num misto de admiração e indignação:

(...) Não era qualquer um que tinha um escravo como oferta da poderosa e lendária rainha Jinga Mbandi, talvez ele fosse o primeiro europeu a poder se gabar disso(...)Embora não goste de violência, sentia dever ir atrás deles, para testemunhar todo o drama até o fim(morte do escravo Thor)...Também eu tinha dois caminhos, como Thor quando foi apanhado, e escolhi um. Pagaria por isso? O meu dono era muito prudente e gostava mais de ouvir do que de exprimir opiniões, ainda por cima com um estranho ou quase estranho(...)O Noels estava a divertir-se à brava com o meu dono. Parecia um gato a brincar com o rato,antes de o comer. E Baltazar nem entendia isso, nem ligava aos discretos sinais que Ambrósio lhe tentava fazer... O hipócrita do meu dono queria fingir que não recuava que se conformava à opinião da família(...)

(PEPETELA. A Gloriosa Família, p. 16, 246-247, 263-264, 275, 350)

Observamos que o escravo-narrador é já um ser híbrido que, embora analfabeto, adere à escrita, característica herdade dos brancos, mas utiliza como método o recurso oral, específico das sociedades africanas. 'Recordar a própria vida é fundamental para o sentimento de identidade.' (THOMPSON apud SANTOS)

1.3" HÁ LUGAR PARA MUITAS MORADAS"

O narrador, escravizado, mudo e analfabeto, vê e ouve tudo, ou melhor quase tudo, pois o que lhe é sonegado, usa da imaginação para "tapar os vazios". É o discurso das "minorias", dos que até então não tinham voz, metáfora da mudez? Tentativa de libertar o discurso da hegemonia do discurso colonial. Pepetela alia o discurso das até então "minorias" como mais uma possibilidade, ou como diz o livro sagrado cristão, a Bíblia, e Appiah usa como capa de sua obra: "Na casa de meu pai", há lugar para muitas moradas.

No texto pós-colonial, o problema da identidade retorna como um questionamento persistente do enquadramento, do espaço da representação onde a imagem  pessoa desaparecida, olho invisível, esteriótipo oriental  é confrontada por sua diferença, seu Outro. (...) O que está encenado de forma tão gráfica no momento da identificação colonial é a cisão do sujeito em seu lugar histórico de enunciação (...)(BHABHA, 2003, p. 79 e 80)

Muito comumente o discurso é apresentado na voz do opressor, dito "civilizado". Entretanto, nesse romance, há um enfoque na perspectiva e olhar do subjugado, que vai se deslocando do papel de reificado, "coisificado", até se constituir como sujeito do discurso no transcorrer da narrativa.

1.4"A PRINCIPAL ARMA DO OPRESSOR É A MENTE DO OPRIMIDO"

Segundo Steve Biko, "A principal arma do opressor é a mente do oprimido". Dessa forma, as estratégias de inferiorização do dominado são fundamentais para justificar as desigualdades perpetuadas pelo colonialismo. Uma dessas estratégias seria a demanda de ações que conduzam a uma total desvalorização do patrimônio cultural do dominado3, conforme Fanon (1964, apud CHAVES, 2004).

O que Pepetela faz é dar voz àquele que foi delegado às margens como único espaço social viável. Através de literaturas como esta, espaços estes têm se deslocado das margens para os centros, pois, aqueles que antes eram objeto de fala, agora passam a agentes de suas próprias histórias. Segundos diversos críticos, dentre os quais destaco, Audemaro Golart; Olímpia Maria dos Santos; Inocência Mata, por meio de um emaranhado de questões, são tecidos dramas, de modo conduzir o leitor para o mundo identitário angolano, não mais inferior, escravizado, mas com sua história, o seu valor. Faz-se necessário adotarmos um olhar político, a fim de que vejamos as divergências, dissidências entre o lugar de fala, os enunciantes e enunciados.

(...) Sempre achei que meu dono subestimava as minhas capacidades. Bem gostaria nesse momento de poder falar para lhe dizer que até francês aprendi nos tempos dos jogos de carta(...) Mas tão pouco valor me atribuía, então não merecia o meu esforço de lhe fazer compreender o contrário,morresse com a sua idéia. Uma desforra para tanto desprezo seria contar toda a sua história, um dia...

(PEPETELA, AGF, p. 393 )

2.0PERFIS DE IDENTIFICAÇÃO EM AGF

A partir desse tópico, proponho-me a estabelecer relações e contrapontos entre os perfis de alguns dos personagens de AGF, levando em consideração que: "As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado..."(HALL, 2002)

2.1PERFIS "MACHOS"

Para problematizar e des/configurar os perfis masculinos problematizados no romance de Pepetela AGF, destaco os personagens: Benvindo e Hermenegildo. Para Baltazar Van Dum, seus filhos não seriam motivo de alegria pelo "simples" fato de serem seus descendentes e contribuírem para a perpetuação da "raça" Van Dum5, mas também por serem instrumentos de ajuda em seu trabalho. Os filhos homens tinham de fazer jus à família e ser notoriamente "machos", alçarem relacionamentos sócio-econômicos, afetivos diversos e sem compromisso (salvo quando de utilidade nos negócios), terem força no falar e nas atitudes.

Os filhos: Benvindo e Hermenegildo são filhos de temperamento diferente do desejado por Baltazar. Situação complexa passava Benvindo, discriminado por ter uma voz mais fina que o "padrão masculino", sendo logo desconsiderado na escolha de Baltazar para substituir Rodrigo, o dos olhos verdes, no comando da quinta do Bengo.

(...) Benvindo, o de fala de mulher, estridente(...) Benvindo tinha uma fala esganiçada, não a voz de comando de que necessitavam os escravos para obedecer (...)Benvindo, que gostava tanto da quinta e de mandar nos escravos,e foi preterido para o seu comando porque tem voz de falsete(...)

(PEPETELA. AGF, p. 25, 106, 115-116)

Hermenegildo, o mais magro dos irmãos, "fraco de corpo e efeminado nos modos e gestos", só é reconhecido como "macho" depois que engravida a escrava Dolores, aspecto que mostra o quanto o preconceito sexual por vezes extrapola o sócio-econômico-cultural.

(...) Hermenegildo, agora com vinte anos, não lhe dava nenhuma segurança. Era fraco de corpo e efeminado nos modos e nos gestos...O ar efeminado de Hermenegildo podia enganar todos, menos o irmão. Nem a mim, pois os dois sabíamos, Ambrósio e eu, que na barriga de Dolores crescia um filho dele... E a boca de Baltazar começou a se abrir de espanto antes mesmo de Hermenegildo principiar a frase.

-Pai, fui eu que engravidei a Dolores... O meu dono saltou da rede. Olhou de frente o filho, talvez pela primeira vez há muitos anos. E lhe deu um abraço apertado(...)(PEPETELA. AGF, p. 106, 208 e 238)

Percebemos, conforme os trechos destacados, que o romance aborda acerca dos preconceitos vigentes na sociedade, dentre eles, racial; social; de gênero; sexualidade. Darei continuidade a traçar perfis de identificação em AGF, para tal destaco as personagens: Matilde e Angélica

2.2PERFIS "FÊMEAS"

Darei continuidade a traçar perfis de identificação em AGF, para tal destaco as personagens: Matilde e Angélica Ricos Olhos. Enquanto aos filhos homens cabia o papel de ajudar no negócio3 do pai, Baltazar Van Dum, para as mulheres, a importância se dava em relação à continuidade da linhagem da família.

A personagem Matilde é bastante peculiar por ser questionadora, polêmica, e, mesmo assim, filha querida por Baltazar. Matilde fica longe do perfil de mulher recatada, submissa, idealizada pelo pai, o católico Baltazar. Independente sexualmente, ela se envolve sexualmente com um padre, com o tenente Jean du Plessis, do qual engravida e casa-se, mas por achar seu esposo "entendiante", o trai com o tenente Joost Van Koin. É a única das filhas a participar das conversas dos homens na casa, além de ser mística, tem visões e faz profecias. Suas identificações como mulher independente fragmenta-se após a provável morte do tenente traído.

(...) muito bonita mas também muito bruxa, inclinada a visões e profecias(...)Das mulheres da casa, só mesmo Matilde era capaz de entrar em conversas de homem...

- Mandei-o à merda.Não era mesmo para lá que ele merecia ir? 6

Não me admirei. A Matilde é uma forte personalidade, toda a gente se percebe disso(...) Matilde não lhe dava razão para indignar... Se daria o caso de Matilde pretender mostrar que se tornara uma viúva respeitável? ...

-Olha quem fala  disse o meu dono.  Já me queres dar lições, Matilde? Não te metas neste assunto, para eu não me lembrar de outras coisas que te dizem respeito. Era uma alusão aos amores mais ou menos ilícitos de Matilde e todos perceberam (...)

(PEPETELA. AGF, p. 22, 26, 117, 313 e 337)

Um outro personagem feminino de forte personalidade é Angélica Ricos Olhos, mulata (filha de um português com uma escrava), prostituta, estrábica, condenada ao degredo em Angola por matar o companheiro holandês que a agredia física e moralmente. Angélica causa um enorme fascínio sob Ambrósio, um misto de curiosidade, paixão. Ambrósio, ciente dos fatos supracitados, se apaixona por Angélica e opta por viver com ela, para desgosto do pai, Baltazar, que vê nesse relacionamento, um escândalo para a família. Mulher decidida, não aceita passivamente a rejeição por parte da família de Ambrósio, pois ele tem um pai com condição de ajudá-los. Mas Ambrósio passa a ser sustentado por Angélica que os mantêm com seus "programas". Prostituta, mais por necessidade que por vontade, ciente da rejeição do sogro, recorre à tia Anita, uma feiticeira afamada do local. É uma personagem que luta pelo que quer, representa o discurso dos que até então não tinham voz, da "minoria" que não se intimida, não deixa ser subjugada, pelo fato de ser mulher, pobre, estrábica e prostituta, situações inferiorizadas por muitos em nossa sociedade.

(...) Notei a mulata de peruca loura que bebia numa mesa de homens barulhentos... Nunca tinha visto uma pessoa tão estrábica... Mas Angélica não aceitou a posição de Baltazar e prometeu que se vingaria, pois o meu dono a insultara da pior maneira possível...

- Mereço ser tratada como uma pessoa normal. Arranjei a profissão que me obrigaram e obrigam a ter, não fui eu que a escolhi. E agora com mais razão, porque tenho de alimentar o seu irmão...

(PEPETELA. AGF, p. 325, 338 e 342)

2.3IDENTIDADES HÍBRIDAS

Apesar das identificações serem mutáveis, de acordo com fatores variados, destaco os personagens que me chamaram a atenção por ter essas identificações híbridas mais destacadas na obra: Ambrósio e Rei/Rainha Jinga.

O personagem Ambrósio, filho de Baltazar, destacado pelo seu interesse pelas letras, suas opiniões são sempre ouvidas com atenção pela família. É um personagem que se mostra demasiado ambíguo, destaco duas partes em que esse caráter se acentua: na descoberta do envolvimento da irmã Rosário com o escravo Thor e quando se apaixona pela prostituta Angélica Ricos Olhos.

(...) Tinham uma má notícia a dar ao pai, por isso vinha Ambrósio, o da fala mais macia. Só que desta vez Ambrósio vinha mesmo alterado, nem esteve com rodeios. Sacudiu Baltazar com alguma rudeza, acorde, pai...

Ou o Ambrósio falara muito alto, ou os berros e as pancadas tinham sido ouvidos também na casa grande...

Rosário se levantou para correr e abraçar ao amante. Mas Ambrósio se interpôs e com uma bofetada a atirou de novo para o chão (...)

- Mas se fala muito na paixão que o seu filho Ambrósio tem por essa mulata degredada, que matou um holandês. Isso cai mal. Prostituta é para ir para a cama uma vez, duas, quando se precisa... Ele já andou à pancada com um mafulo que a insultou...

Os freqüentadores da taberna já sabiam que ele morava na casinha dos Coqueiros, se alimentando com o dinheiro por ele pago a Angélica Ricos Olhos(...)

(PEPETELA. AGF, p. 242- 243, 246, 331, 341)

O Rei/Rainha Jinga é uma personagem emblemática. Ciente de como a sociedade via condição da mulher como passiva e submissa, quebra os paradigmas sexuais de gêneros e os hibridiza, tornando-se homem e mulher, rei no tratamento que queria ter, e rainha, na opção sexual.

(...) A rainha, que de facto detesta que a tratem assim, pois ela diz que é rei, porque só o rei manda, e ela não tem nenhum marido que mande nela, ela é que manda nos muitos homens que tem no seu harém e que chama de minhas esposas. É Rei Jinga Mbandi e acabou(...)Harém de homens, evidentemente. Os seus homens, mas que ela chama de mulheres, porque ela é rei e por isso tem concubinas(...)

(PEPETELA. AGF, p. 23, 261-262)

3. OBSERVAÇÃO FINAL

Esse trabalho buscou dar uma continuidade no mapeamento que está sendo traçado por críticos africanos e africanistas acerca das identificações em AGF, tanto no que tange as relações histórico-ficcionais, comentados em grande escala pelos teóricos, quanto aos sócio-culturais, ainda de pesquisa remota.

Penso ser de suma importância a pesquisa acerca das literaturas, críticas e identidades africanas e africanista, visando a informação a respeito das estratégias discursivas utilizadas pelos intelectuais africanos e africanistas a fim de conhecer o "canhão7 que os agride, reconstruir essa arma, tirando a parte que agride, processo esse conhecido por reversão.

NOTAS

1. SOUZA, Noémia de. Se me quiseres conhecer

2. NETO, Agostinho. Voz de Sangue

3. RUI, Manuel. Mar novo

4. Fato este que a filha Matilde, a dos olhos azuis, levou bastante em consideração, "inclinada a visões e profecias", prevê que a família Van Dum será reconhecida como uma "gloriosa família", e a permanência do sobrenome da família por gerações futuras seria mais provável caso ela e seus irmãos pusessem no último nome de seus filhos o sobrenome Van Dum. Matilde aconselhou Gertrudes a agir dessa forma, e foi, assim feito.

5. O "negócio" está relacionado ao tipo de trabalho de Baltazar Van Dum, comerciante de escravos.

6. Diálogo entre Catarina, a filha do quintal de Baltazar Van Dum e Matilde.O xingamento de Matilde parte da indignação que ela teve ao ser questionada pelo namorado Jean du Plessis se ele era realmente o pai do filho que ela estava esperando.

7. O canhão é um símbolo que representa as estratégias de reificação, subjugamento de uma parte da sociedade para com a outra, segundo Manuel Rui. Dialogando com Steve Biko que fala que a maior arma do opressor é a mente do oprimido, é importante percebermos as estratégias colocadas em nossa sociedade, a fim de, a partir da apropriação dessas situações, poder combater o discurso colonialista, pois não há indignação, protesto,contra o que não se sabe ser.

REFERÊNCIAS

BHABHA, Hommi. O local da cultura. Trad.: Myriam Ávila et al. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

CHAVES, Rita. O passado presente na literatura angolana. Scripta, Belo Horizonte, 2000, p. 147-161.

DUTRA, Róbson. Referências da vida e obras literárias de Pepetela. Disponível em: <http://www.vidaslusofonas.pt/pepetela.htm> . Acesso em: 16 de junho de 2008.

GOMES, Simone Caputo. «Mulher com paisagem ao fundo: Dina Salústio apresenta Cabo Verde». In: SANTOS, Olímpia Maria. Entre a História e a Ficção, Uma outra versão: Análise de a Gloriosa Família: O Tempo dos Flamengos, de Pepetela. Disponível em: .

GOULART, Audemaro. A gloriosa identidade: a afirmação da literatura africana. In: A Kinda e a Misanga: Encontros brasileiros com a literatura angolana / Org: Rita Chaves, Tania Macêdo e Rejane Vecchia (organizadoras).  São Paulo: Cultura Acadêmica; Luanda, Angola: Nizla, 2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, 7º ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MATA, Inocência. Pepetela e as (novas) margens da nação angolana. (Artigo). Disponível em: www.geocities.com/ail_br/pepetelaeasnovasmargens.htm>. Acesso em: 27 de maio de 2008.

______.Viver a literatura com os olhos cheios de África. (Entrevista). Disponível em: <http://www.uea-angola.org/destaque_entrevistas1.cfm?ID=552>. Acesso em 14 de junho de 2008.

PEPETELA. A Gloriosa Família: o tempo dos flamengos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1999.


Autor: Isabel Leslie Figueirêdo De Menezes Lima


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