Lira XIX



FIAR  Faculdades Integradas de Ariquemes

Acadêmica: Joice de Moraes Sant' Ana

Curso: Letras/Inglês

Período:

Disciplina: Literatura Brasileira I

Professora: Mônica Maria dos Santos

Ariquemes  RO

2009

Texto em análise

Lira XIX

Nesta triste masmorra,

De um semivivo corpo sepultura,

Inda, Marília, adoro

A tua formosura.

Amor na minha idéia te retrata;

Busca extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca e mata.

Quando em meu mal pondero,

Então mais vivamente te diviso:

Vejo o teu rosto e escuto

A tua voz e riso.

Movo ligeiro para o vulto os passo:

Eu beijo a tíbia luz em vez de face,

E aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;

A violência da mágoa não suporto;

Foge-me a vista e caio,

Não sei se vivo ou morto.

Enternece-me Amor de estrago tanto;

Reclina-me no peito, e com mão terna

Me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento

Por largo espaço a imagem de um defunto

Movo os membros, suspiro,

E onde estou pergunto.

Conheço então que Amor me tem consigo;

Ergo a cabeça, que inda mal sustento,

E com doente voz assim lhe digo:

"Se queres ser piedoso,

"Procura o sítio em que Marília mora,

"Pinta-lhe o meu estrago,

E vê, Amor, se chora,

"Se, a lágrimas verter, se a dor a arrasta.

"Uma delas me traze sobre as penas,

E para alívio meu só isto basta."

Marília de Dirceu

(Tomás Antônio Gonzaga)

A Lira XIX da segunda parte da obra de Tomás Gonzaga, retrata um fragmento de um amor que não pôde ser concretizado, onde nesta fase, o eu lírico encontra-se preso e distante de sua amada. Neste, o poeta declara sua dor, suas tristezas, angústias, sentimento de abandono e melancolias causadas pela árdua saudade que sente de sua musa representada pelo nome Marília.

A musa Marília nesta obra apresentada, representa Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, jovem rica com apenas dezessete anos de idade, que o autor Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) formado em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal, ama apesar da diferença de idade, pois esta paixão ocorre quando ele contava aproximadamente quarenta anos. No momento em que estava a vencer a rejeição da família da jovem, foi acusado, preso e enviado para o Rio de Janeiro, por participar do movimento da Inconfidência Mineira, sendo desta forma, afastado definitivamente de sua amada.

Após o Rio de Janeiro, foi para Moçambique, onde viveu por dezessete anos e se casou com a filha de um comerciante de escravos e nunca se casou com Dorotéia, mas esse namoro inspirou a belíssima obra conhecida por Marília de Dirceu.

O então Doutor Tomás, preso em Rio de Janeiro, despe-se do espírito de advogado, e transforma-se no eu lírico, Dirceu. Um pastor de rebanhos, que vivia nos campos com uma vida tranqüila em meio à Natureza, mas que fora preso e enviado a uma masmorra e lastima a ausência de sua musa. O eu lírico demonstra nesta lira, que seus sofrimentos são maiores pela separação de sua amada do que pela própria prisão. Esse amor de Dirceu por Marilia, é de fato a interpretação do amor de Tomás e Dorotéia e a separação de ambos.

Esse convívio que o eu lírico revela ter com a Natureza, era uma espécie de moda nesta época do autor, que poderia ser traduzido como o "fugere urbem" (fugir da cidade), que é exatamente a busca da simplicidade manifestada através do bucolismo pelo poeta.

Há neste texto do pastor Dirceu, dois interlocutores a quem ele se dirige, o Amor e a própria Marília. Vejamos um exemplo em alguns versos das duas últimas estrofes:

[...]

Conheço então que Amor me tem consigo;

Ergo a cabeça, que inda mal sustento,

E com doente voz assim lhe digo:

"Se queres ser piedoso,

"Procura o sítio em que Marília mora,

"Pinta-lhe o meu estrago,

E vê, Amor, se chora,

[...]

A palavra amor escrita com a inicial maiúscula, caracteriza essa personagem. Quando o eu lírico desperta de seu desmaio, não consegue localizar-se imediatamente, todavia, percebe que não está só, pois o Amor está ao seu lado. Ao vê-lo, o eu lírico pede ao Amor que seja piedoso consigo e vá até ao sítio onde mora Marília e conte-lhe sobre seus sofrimentos, suas dores e lamúrias por causa dela. Pede ainda que ao contar-lhe, verifique se ela sofre e chora ao saber das notícias do poeta e que traga respostas a ele e se possível uma lágrima da amada.

Quanto à interlocução com Marilia, esta ocorre no início do texto, quando o eu lírico diz à amada as suas dores, tristezas e sofrimentos causados pelo cárcere e principalmente pela distância de sua musa.

Quanto à interlocução, na primeira estrofe, o poeta dirige-se à musa relatando o local em que se encontra, expressando à amada, suas dores, tristezas e sofrimentos causados pelo cárcere e principalmente pela separação de sua musa. Como se esta estivesse presente, faz uso dos pronomes na segunda pessoa, travando um diálogo com ela e não a respeito dela;

Nesta triste masmorra,

De um semivivo corpo sepultura,

Inda, Marília, adoro

A tua formosura.

[...}

Quando em meu mal pondero,

Então mais vivamente te diviso:

Vejo o teu rosto e escuto

A tua voz e riso.

[...]

Haviam se passado quase três séculos desde o Classicismo, porém neste diálogo estabelecido com os interlocutores, aparecem algumas características da época Camões "Medida Nova" que é a representação do AMOR como um ser que existe fora das pessoas e, para tanto, usa a razão, dando ao Amor ações que somente poderiam ser executadas por um ser humano:

Amor na minha idéia te retrata;

Busca extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca e mata.

Outras características de Camões são os sentimentos amorosos serem extremos e a exaltação da mulher como um ser belo, perfeito e idealizado, que devido Tomáz Gonzaga nunca ter consumado seu amor com Dorotéia, é agora idealizado nas figuras de Dirceu e Marília.

Em concernência ao estado de espírito do eu lírico, pode-se notar que este se encontra a deriva de suas forças, pois a dor que sente está consumindo sua vontade de viver, porém ao passo que suas vitalidades vão se esvaindo, estas são recobradas, através do Amor que o estimula a viver e enfrentar a situação existente. Isso pode ser notado nos seguintes versos:

"Busca extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca e mata.

[...]

A violência da mágoa não suporto;

Esses sentimentos expressos pelo poeta, não são normalmente encontrados na poesia árcade, pois se apresenta de forma romântica e condolente, o que não é característica do poeta Árcade, uma vez que este tem explicito nos "eu-liricos" um amo calmo, tranqüilo envolto à Natureza. E o que Dirceu retrata em seus sentimentos, são saudades e dúvidas em relação ao amor da amada. Esses sentimentos são retratados no início da lira quando ele declara à própria Marilia as lembranças que tem dela e na última estrofe, retrata a dúvida em relação ao seu amor quando pede ao Amor que perceba se ela também sofre chora quando ficar sabendo do seu sofrimento por ela.

As principais características do Arcadismo eram linguagens simples e frases na ordem direta e ausência quase total de figuras de linguagem, porém o poeta utiliza-se de algumas figuras como no caso da prosopopéia nos versos seguintes, quando atribui capacidades ao Amor que somente a um ser vivo poderiam ser atribuídas.

[...]

Enternece-me Amor de estrago tanto;

Reclina-me no peito, e com mão terna

Me limpa os olhos do salgado pranto

[...]

E , Amor, se chora,

No verso "Enternece-me Amor de estrago tanto" há também a figura de construção, hipérbato, que se caracteriza pela inversão das frases. O mesmo verso poderia ser escrito: Enternece-me Amor de tanto estrago, utilizando a forma direta.

Porém há características próprias do Arcadismo, totalmente díspar do Classicismo que é a simplicidade da linguagem mo contexto geral, pois utiliza vocábulos comuns como nos casos: sepultura, dor, violência, defunto, entre outros.


Autor: Joice Sant' Ana


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