Pirassununga e a Revolução de 32
PALAVRAS-CHAVE: História Regional. Revolução Constitucionalista de 1932. Pirassununga. Métodos de pesquisa em História.
Com o advento da Escola de Annales e suas novas perspectivas de análise historiográfica que deixava para trás o seguimento positivista e nacionalista de foco estritamente documental**, os campos de pesquisa histórica encontraram vertentes até então nunca estudadas antes.
Surgiam então pesquisas nas áreas de História Econômica, História Social, História Cultural, História Urbana, História da Vida Privada, História das Mentalidades entre outras, que além de abordarem as ciências históricas com uma nova visão, buscaram novas fontes documentais que compreenderia de textos oficiais a monumentos históricos, passando por jornais, revistas, diários, monumentos, fotos, vídeos, gravações e tudo aquilo que poderia ater-se a verdadeira função do historiador: a investigação.
Entre esses novos estudos, da década de 80 em diante, efetivou-se duas novas áreas historiográficas que se destacam muito nesse início de século: a História Regional/História Local ***e a História Oral.
A tendência desse novo mundo cada vez mais globalizante, e que nos bombardeia de informações a cada minuto, é o fortalecimento desse campo de estudo, devido à complexidade dos processos históricos que ocorrem em micro-regiões (e que estão cada vez mais presentes no conjunto tempo-espaço). Acima de tudo, devemos lembrar que a História é uma ciência humana, ou seja, ela é feita por homens; ela é feita para os homens e o cerne do seu estudo é o homem. A partir do momento, que tiramos esse elemento, a História entra em contradição.
O regional nos possibilita peculiaridades que ficariam ignoradas se não tomadas em partes. As pesquisas levantam fontes e temas que não são possíveis de ser contemplados no estudo do geral. Além da pesquisa, o regional deve ser incluído no ensino de história e reconhecido como uma abordagem que merece rigor teórico e metodológico, ampliando as possibilidades do ofício do historiador. (CAPRINI: 2007, p. 6).
Em seu trabalho sobre memórias, José Odair destaca a importância da História Oral como uma ferramenta complementar (e em certas vezes até fundamental pelo fato de se tornar a única fonte de informações) e auxiliar das pesquisas fundamentadas na História Regional:
A medida que os depoimentos são gravados , transcritos e publicados, é possível conhecer a visão que o entrevistado tem de si mesmo e do mundo ao seu redor. A História Oral é um meio privilegiado para o resgate da vida cotidiana. (ODAIR: 2003, p. 6)
A micro-história complexa, processual e temporal estuda em seus campos temas que se complementam, unem-se e ajudam a explicar a macro-história.
Dessa forma, compete ao historiador-pesquisador-professor estudar cientificamente um tema que lhe esteja ao seu alcance, isto é, um tema que seja possível trabalhar com documentações de substância histórica (e que esteja sobre sua expectativa de recursos financeiros) sob a qual o historiador poderá colocar sua perspectiva historiográfica.
Esse foi o caso dos estudos que relacionaram o município de Pirassununga com a Revolução Constitucionalista de 1932: foi uma pesquisa direcionada por um tema de nível nacional que relacionou a História Regional de uma cidade com esse movimento. Direcionada por uma revisão bibliográfica de ponta (e que se faz necessária para qualquer trabalho científico) e por documentações da época (de nível local), a idéia foi demonstrar a importância desse movimento nos meios militares e sociais na cidade de Pirassununga, além de proporcionar um resgate da memória histórica do município e analisar o seu legado para os meios social e educacional.
Dentro da revisão literária (que é imensa quando se refere ao assunto Revolução de 32) foram utilizados autores clássicos, como Hernani Donato, e outros recentes que trazem uma crítica mais ampla e menos regionalista, como Vavy Pacheco Borges, José Alfredo Vidigal Pontes e Bóris Fausto.
Em alusão as pesquisas documentais de época foram realizadas investigações que nos levaram ao Cemitério Municipal de Pirassununga; ao acervo do jornal municipal O Movimento e ao colunista Lelo Cabianca; à Sociedade dos Veteranos de 32 (sede Pirassununga e São Paulo - entrevista com seus diretores); ao Museu Maria Soldado, localizado no Colégio Santo Ivo no bairro da Lapa/SP; e ao Arquivo Público do Estado de São Paulo que forneceu jornais do período, entre eles, A Reforma, Jornal de Pirassununga, O Liberal e O Momento.
Com o material delimitado e levantado**** os esforços foram focados em preparar um roteiro lógico de estudo que se definiu em 03 partes:
- A Revolução Constitucionalista de 1932, na qual foram abordadas as questões do movimento em si, a nível nacional, isto é, seus principais fatores, causas e conseqüências;
- A participação do município de Pirassununga na Revolução de 32, onde foram estabelecidas as condições da cidade no período e analisado seu vínculo, tanto social quanto militar, com o movimento;
- O legado revolucionário, onde foram abordadas as conseqüências e heranças deixadas pela Revolução de 32 para a sociedade brasileira num primeiro momento e, posteriormente, para analisar-se esse legado com a sociedade pirassununguense, destacando sua importância e o tratamento recebido atualmente, de forma a enfatizar-se as relações de descaso com a memória histórica desta cidade.
A Revolução Constitucionalista de 1932
Para as pesquisas realizadas sobre a primeira parte do trabalho, não faltaram materiais. É abundante o número de livros, relatos e fotos que podem ser coletados sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, principalmente no ambiente paulista. Assim, foi realizada uma tentativa de extrair os principais fatos que desencadearam o movimento, para depois trabalhar-se com o período revolucionário e suas conseqüências posteriores. Esses fatos foram escolhidos por sua relativa importância e pelas possibilidades de se levantar novas discussões em torno dos mesmos.
Um trabalho de tema historiográfico requer uma abordagem que envolva todo o processo histórico do assunto escolhido. Assim, a Revolução Constitucionalista de 1932 tem suas bases sociais alicerçadas em duas classes: as oligarquias e o tenentismo. Ambas se fortaleceram após a Proclamação da República; as oligarquias cafeeiras, fortemente concentradas na região Sudeste e Sul dominaram o setor econômico, através do conhecido Oeste Paulista com suas plantações em terra roxa e exportação mundial de um único produto, e o setor político com suas manipulações eleitoreiras através do voto de cabresto. Essa base oligárquica já possuía suas raízes fincadas no período imperial, em meados do século XIX, através da sanção da Lei de Terras, como comprova Bóris Fausto:
(...) foi concebida como uma forma de evitar o acesso à propriedade da terra por parte de futuros imigrantes. Ela estabelecia, por exemplo, que as terras públicas deveriam ser vendidas por um preço suficientemente elevado para afastar posseiros e imigrantes pobres. Estrangeiros que tivessem passagens financiadas para vir ao Brasil ficavam proibidos de adquirir terras, antes de três anos após a chegada. Em resumo, os grandes fazendeiros queriam atrair imigrantes para começar a substituir a mão-de-obra escrava, tratando de evitar que logo eles se convertessem em proprietários. (2008, p. 196-197).
A representatividade política da oligarquia se encontrou no Partido Republicano Paulista, mais conhecido como PRP e que possuía estirpes de tradicionalismo extremo. Em fins da década de 20, uma dissidência desse partido formaria o Partido Democrático ou PD, que criaria um embate pelo poder e por ideais mais sociais até a Revolução de 30.
Por sua vez, o movimento tenentista foi uma nova vertente militar, influenciada pelo positivismo e que ia contra os ideais conservadores dos militares proclamadores da república e contra o movimento republicano defendido pela oligarquia: eles acreditavam que o militar deveria ter uma participação mais pragmática na sociedade de forma a lutar por reivindicações sociais (como inflação e aumento salarial) e numa forte centralização política que ausentaria o sufrágio censitário ou universal. Mas, é válido lembrar que, acima de tudo, eles ainda eram militares e:
Não expressavam os interesses de uma classe social, como era o caso dos defensores da República liberal. (...) Pela natureza de suas funções, pelo tipo de cultura desenvolvida no interior da instituição, os oficiais do Exército, positivistas ou não, posicionavam-se como adversários do liberalismo. (FAUSTO: 2008, p. 246).
Foi esse flanco militar que acionaria na década de 20 uma série de revoluções, como a Tomada do Forte de Copacabana (1922), a Revolução de 1924, a Coluna Prestes (1925) e a culminante Revolução de 1930, chegando até a Revolução Constitucionalista de 1932, de forma mais branda e manipulada (pelo presidente interino Getúlio Vargas).
No mesmo ano da primeira crise capitalista, a Crises de 1929 que aturdiu o Brasil com a desvalorização do café perante o mundo, formavam-se as chapas eleitoreiras para a disputa do próximo mandato para presidente: Júlio Prestes (apoiado pelo presidente da época, Washington Luís) contra Getúlio Vargas (com o vice João Pessoa, da Aliança Liberal). Em 1930, com muitas manipulações nos votos a vitória foi dada a Júlio Prestes. Apesar disso, a Revolução de 30 iniciar-se-ia, segundo Pontes, quando João Pessoa fora assassinado no Recife em decorrência de uma disputa regional em sua terra, a Paraíba. (...) Os jornais conduziam o noticiário transformando o crime em obra de Washington Luís (2004, p. 42). Isso fortaleceria o surgimento da Revolução de 30, já que a mídia transformou o ocorrido em acontecimento político.
Com a tomada do poder, sem muita resistência e com apoio das tropas militares sulistas, Getúlio Vargas assume como presidente interino de um Governo Provisório que prometia mudanças. Entretanto, o grande problema da Revolução de 30 foi durante a sua formação que uniu bases antagônicas para derrubar um inimigo em comum; após a tomada de poder, Vargas manipularia a Aliança Liberal e tenentismo conforme suas necessidades.
Em 1931 começaria a aparecer os primeiros descontentes: São Paulo reclamaria de seu interventor, que era destacado pelo presidente interino (único interventor militar e sem afinidade com a população). Isso desencadearia a substituição de vários interventores num período de dois anos: uma tentativa frustrada de tentar agradar os paulistas, mantendo-os sob supervisão governamental. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro também criticavam o governo pela falta de prazo para o término da transição. Surgiriam as Frentes Únicas nos estados, que lutariam pela reconstitucionalização do país (entenda-se aqui, novas eleições e formação de uma Assembléia Constituinte).
Como um bom manipulador do poder e buscando agradar gregos e troianos (fato que o manteria no poder até 1945), Vargas publica um novo Código Eleitoral, sem data para eleições e decreta um novo interventor paulista: Pedro de Toledo, que estava afastado da população paulista há anos. Esses fatores não agradaram São Paulo, que começou a buscar apoio de outras regiões, entre elas Minas Gerais, Rio Grande do Sul (que prometera apoio em caso de Revolução) e Mato Grosso comandado pelo General Bertoldo Klinger (acreditava ter total apoio dos seus subordinados).
Ainda tentando acalmar, Getúlio Vargas marca data para as eleições: 03 de maio de 1933. Mas desagrada a paulistas, pela demora, e a tenentistas, pela proximidade.
Em 23 de maio de 1932, após manifestações no centro da cidade de São Paulo, manifestantes foram mortos por integrantes de um movimento que acusava São Paulo de separatismo, a Legião Revolucionária que fora fundada por tenentistas. Entre os mortos estavam os famosos Miragaia, Martins, Draúsio e Camargo, que emprestariam suas iniciais para formar o MMDC. Este fora fundamental durante o período do movimento, pois ocupou-se com a direção geral do abastecimento, a intendência, as finanças, engenharia, saúde, correio militar, propaganda, mobilização e serviços auxiliares (DONATO:1982, p. 67). São Paulo estava preparado para a Revolução Constitucionalista (contando com os supostos apoios).
Antecipando a crise, Vargas toma algumas precauções: retira os principais armamentos bélicos da 2ª Região Militar localizada em São Paulo; enfraquece os tenentistas e conquista o interventor gaúcho e mineiro (subornando-os). Segundo Pontes:
A Vargas interessava ganhar tempo: entendia que havia duas crises, uma política e outra militar, e que cabia ao governo ter grande habilidade e paciência para que as coisas se acomodassem. Era, porém, uma avaliação equivocada. (...) Contentar os tenentes significa irritar os políticos, e vice-versa. (2004, p. 101).
Provavelmente, um dos grandes equívocos dos paulistas e que pegaria todos de surpresa, foi o afastamento do General Klinger do cargo de comandante das tropas mato-grossenses. Ele realizou forte crítica ao comando geral das Forças Armadas e dirigiu-se para São Paulo aliando-se aos paulistas e ofendendo ao Governo Provisório, mas acreditando no apoio irrestrito de sua tropa, que na verdade não viria. Klinger influenciaria o governo paulista a antecipar o movimento. Dessa forma, Pedro de Toledo é convertido a governador e São Paulo inicia a Revolução a 09 de julho de 1932. Porém estava sozinho na batalha, isto é, sem apoio do sul, dos mineiros ou de qualquer outro estado.
Durante os três meses de guerra, várias iniciativas políticas, econômicas e sociais foram tomadas. E São Paulo só sustentou a guerra por esse período devido a essas iniciativas, dentre as quais podemos destacar:
- Apoio da 2ª Região Militar;
- Voluntariado civil: apoio de milhares de estudantes para as linhas de frente (apesar da inexperiência), idosos e mulheres (costura, artefatos militares e alimentação);
- Contra-propaganda: essa ação ocorreu tanto do lado paulista, como do lado do Governo. Com notícias falsas, a mídia noticiava acontecimentos que visavam animar seus participantes ou acusá-los. Assim, a mídia paulista lançava fortes acusações contra Vargas e apontava suas pseudo-vitórias perante as tropas do governo. Por sua vez, o governo acusava os paulistas de separatismo contra a integridade nacional e voluntariava pessoas de todos os cantos do país, acusando-os de comunistas, por exemplo;
- Utilização de aviões: também ocorreu de ambos os lados, com vantagem para o Governo. Seria neste período que o criador dos aviões, Santos Dummont, cometeria suicídio;
- Desenvolvimento da indústria paulista com foco em artefatos militares;
- Campanhas de arrecadação de materiais: ouro, aço entre outros.
Apesar de toda essa movimentação São Paulo falharia na sua tentativa revolucionária devido a vários motivos, mas, com certeza, a iniciativa antecipada que apanhou todos despreparados, as várias frentes de batalhas abertas pelo governo (Frente Sul, Norte, Leste e Litorânea) e o número superior de combatentes do governo, predominou e levou São Paulo a render-se em 01 de outubro de 1932.
Porém, com o término da Revolução, São Paulo perdeu apenas militarmente, mas não politicamente. A priori, líderes foram exilados e militares excluídos das fileiras militares. Num segundo momento, todavia, Vargas auxilia na reconstrução da capital paulista e convoca um novo interventor: Armando Salles de Oliveira, esse sim paulista e indicado pelo Partido Democrático.
Em maio de 1933, São Paulo vence nas urnas com uma vitória esmagadora, fato que concretiza sua vitória política.
E em 1934 é instituída uma nova Constituição que perduraria até o golpe de Estado, dado por Vargas no ano de 1937, e que implantaria o Estado Novo.
Como Jano o deus bifronte da mitologia romana, a revolução de 1932 tem duas faces. Uma voltada para o passado, para os tempos da Primeira República, marcados pelo controle do País pela oligarquia dos grandes estados e pela fraude eleitoral. A outra dirige-se ao futuro, tendo como objetivo central a implantação no País do regime democrático. (VILLA: 2008, p. 6).
O legado constituinte perdura até os dias atuais, principalmente no estado de São Paulo. Na capital paulista foi fundado o Monumento ao Soldado Constitucionalista durante a década de 70; ele é uma homenagem aos soldados e trabalhadores paulistas que participaram do movimento, além de servir como mausoléu dos ex-combatentes.
Para o país ficou a democracia, que seria restaurada com a Constituinte de 1988.
Até o momento foi realizada uma análise geral da Revolução de 32 a nível nacional. Mas o objetivo do estudo é abordar a participação da cidade de Pirassununga nesse movimento. Portanto, faz-se necessário compreender como era o município.
Pirassununga na Revolução de 32
No ano de 1932, Pirassununga era constituída de aproximadamente 8500 habitantes (1932, p. 2), segundo o jornal a Reforma. Apesar de não ser uma cidade muito grande, ela já possuía importantes instituições para a época (e que no futuro tornar-se-iam seus principais pontos turísticos) que destacavam a cidade na região:
- Companhia Paulista de Estrada de Ferros, atual FEPASA/Museu Drº Fernando Costa: principal estação da malha ferroviária que compreendia as cidades entre Cordeirópolis e Descalvado;
- Cachoeira de Emas, atual ponto turístico da região: além de ser a primeira área ocupada do município é um dos principais marcos limítrofes da cidade;
- 2º Regimento de Cavalaria Divisionária (2º R.C.D.), atual 13º Regimento de Cavalaria Mecanizado (13º R.C.Mec.): único forte de unidade militar da região, instalado desde 1919;
- Escola Normal, atual Instituto de Educação de Pirassununga: na época, única escola de ensino completo da região, fundada em 1911;
- Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus dos Aflitos: primeira igreja da cidade era o ponto de encontro das principais manifestações político-sociais.
Dentro do contexto militar da Revolução de 32, o 2º Regimento de Cavalaria Divisionária forneceu soldados preparados, devido à sua submissão a 2ª Região Militar. Essa, por sua vez, alinhou-se com o estado paulista desde o início, conforme comprova Pontes:
Ao dirigir-se de trem a São Paulo, vindo do Rio de Janeiro, o novo comandante da 2ª Região Militar, general José Luiz Pereira de Vasconcelos, recebeu pelo telefone uma ordem do general Espírito Santo Cardoso, ministro da Guerra: ao chegar a Guaratinguetá, deveria desembarcar e comandar as forças do Vale do Paraíba contra as tropas que vinham da capital paulista. Vasconcelos entrou em contato telefônico com o comandante do 6º Regimento de Cavalaria de Caçapava, coronel José Joaquim de Andrade, e resolveu seguir viagem, ignorando a ordem de desembarque. (...) Ao chegar a Caçapava anunciou que tanto ele como o coronel Andrade estavam solidários aos constitucionalistas. (2004, p. 111).
Entre outros aspectos essa unidade proveu meios de transportes (cavalos) para as linhas de frente, além de servir de apoio à infantaria.
Exatamente, no dia 09 de julho de 1932, o ex-combatente Ephrain Ortiz Camargo, que servia à unidade descrita anteriormente, narra a ação militar desse dia:
Antes de rebentar a revolução em julho, o exército (de Pirassununga) não se encontrava aqui. Nós estávamos fazendo marcha. Nós saímos daqui, todo o exército: cozinha, carro de levar cavalo... e fomos pousar em Parmeiras (Santa Cruz das Palmeiras). No dia seguinte fomos pousar em Santa Cruz da Estrela. No outro dia, nós subimos Santa Rita do Passa Quatro e pousamos lá. No dia 09 (de julho) nós descemos pro Porto (Porto Ferreira). Aí quando estávamos lá no meio da cavalhada, jantando, às 9:30 da noite, recebemos ordem para voltar que tinha arrebentado a Revolução. Aí nos viemos embora. Viajamos a noite toda. No dia seguinte (10 de julho), chegamos às duas horas da tarde, e encostou dois trens: um levou a cavalhada e outro a tropa. Fomos para o Norte. Então começamos a Revolução. (Informação Verbal).*****
Essa narrativa comprova a surpresa da adesão ao movimento e a rápida preparação da tropa. Senhor Camargo também comprova a participação de Pirassununga na Frente Leste (Vale do Paraíba) de batalha:
Fomos até Cachoeira do Norte de trem. De Cachoeira do Norte fomos de cavalo até Silveira. Um dia de Viagem, Depois de Silveira, nós fomos para Areias, de cavalo. Naquele dia mesmo, à noite, nós entramos em Furnas e Itatiaia, na Serra da Mantiqueira. (...) A cavalaria servia de reforço, (...) servia para transporte. Pediu reforço, nós deixávamos a cavalhada e íamos combater na infantaria. Então eu fui em diversos lugares. Tive em Areias, Butuca, Silveira, Bocaína, Ilha Queimada. Tive em muitos lugares. (Informação Verbal).******
Muitos reservistas foram convocados, principalmente aqueles das cidades aos redores de Pirassununga como Descalvado, Leme, Porto Ferreira, Palmeiras, Araras, São João da Boa Vista e Cordeirópolis. Com o apoio da Prefeitura Municipal foram realizados comícios que motivaram a participação de vários voluntários, em suma estudantes que foram encaminhados, separadamente*******, para as linhas de frente.
Com o término da Revolução, Pirassununga havia perdido apenas 03 homens (que estão enterrados na cidade de Areias). O município foi cercado, através da Cachoeira de Emas e o quartel foi tomado pelas forças mineiras.
Já no setor social, além das participações de voluntariados estudantis, citadas anteriormente, houve o apoio de idosos, que atuavam na Guarda Municipal e de mulheres, que apoiavam na alimentação, saúde e costuras.
Essas últimas criaram duas instituições que foram de grande importância para a região: a Cruzada do Bem, que cosia uniformes e dava apoio familiar; e a Casa do Soldado, que proporcionava moradia, alimentação, cuidados médicos e descanso, além de ser um ponto de encontro entre soldados. Instituição reconhecida oficialmente pelo Estado e pela Prefeitura:
O Sr. Prefeito Municipal recebeu, em data de 10, o seguinte telegramma: A Casa do Soldado destina-se a prestar nossos combatentes todo o conforto de que são merecedores emquanto se apresentam par as linhas de combate ou quando de licença se encontrem de passagem nas nossas cidades. Iniciada a sua intallação com grande utilidade na Capital, tem sido já organizadas algumas no interior do Estado. (...) Ficará a critério dessa Prefeitura suggerir à comissão de senhoras já organisada prestar seus trabalhos a essa creação, desde que esse município esteja entre os que alojam tropas ou tenham grande numero de voluntários ainda na cidade. (A REFORMA: 1932, p. 3).
Também foram realizadas diversas contribuições materiais para o movimento que iam de gasolina, passando por rezes até munições e armamentos, segundo consta nos jornais da época.
Todas essas ações, em conjunto, comprovam a real e efetiva participação do município de Pirassununga na Revolução Constitucionalista de 1932.
Com o término do movimento, os militares pirassununguenses também foram rebaixados e excluídos da carreira militar. Ainda houve casos de feridos de guerra, como é o caso do ex-combatente entrevistado, Sr. Ephrain, que perdeu os movimentos do braço direito devido a estilhaços de granada.
Em 1934, foi instalada em Pirassununga, a sede do Partido Constitucionalista que concorreria às eleições, visando agregar novos políticos que se alinhavam com os ideais do movimento.
Outro destaque vai para a Sociedade dos Veteranos de 1932 que visa unir ex-participantes e simpatizantes em busca de reconhecimento e pensões.
Na década de 60, viria as homenagens póstumas atreladas ao Monumento do Soldado Constitucionalista: exumação de corpos das cidades do interior, que seriam levados para o mausoléu da capital. No caso de Pirassununga, o escolhido foi Fábio Ferreira Veloso que comoveu a população:
Sob grande emoção pública, no cemitério municipal, procedeu-se no dia 04 de julho do corrente ano a exumação dos ossos de Fábio Ferreira Veloso, (...) herói da Revolução Constitucionalista de 1932. Depois de várias solenidades o ataúde foi encaminhado para o Instituto de Educação onde ficou por alguns instantes para visitação pública e de onde deveria sair rumo a São Paulo. (REVISTA DO CINQUENTENÁRIO: 1961, p. 52).
Ainda, em 1982, seria erguida, defronte ao Cemitério Municipal da cidade, uma estátua em homenagem aos combatentes pirassununguenses que tombaram nas linhas de frente, entre eles Fábio Ferreira Veloso. Ele e outros, como Paulo Limoeiro, nomeariam ruas de alguns bairros municipais.
Após 77 de anos da Revolução nota-se que a mesma é muito bem relembrada materialmente, caso das estátuas e ruas. Seu legado, básico e fundamental, encontra-se na democracia que:
Continua sendo um requisito essencial da vida na nossa sociedade um valor que resiste às ameaças veladas ou abertas e que ganha, ao mesmo tempo, conteúdo cada vez mais pluralista, nos dias atuais. (VILLA: 2008, p. 7).
Legados
Mas, há algo de estranho no reconhecimento social do seu legado. Temos uma data institucionalizada a nível estadual, o feriado de 09 de junho, em comemoração à luta de 1932 pela reconstitucionalização. Porém, a maior parte da sociedade pouco se importa com a data e, na maioria das vezes, nem sabe o que se está comemorando. O valor democrático, que tantas vidas custaram é desconsiderado, relegado a segundo plano, desvalorizado.
Junte-se a isso a desvalorização militar do episódio. Mesmo nas unidades paulistas, como a de Pirassununga, caso haja interesse em realizar pesquisas a respeito do movimento na atual unidade (13º Regimento de Cavalaria Mecanizado), nenhum relato será encontrado. Tão pouco, alguma orientação lhe será passada.
Ocorre, não apenas em Pirassununga, mas em todas as cidades interioranas uma desvalorização histórica, uma desvalorização da memória: os pilares da memória, como diria José Odair, estão caindo.
A memória é a evocação do passado. É a capacidade humana de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total. É a necessidade humana de conservar na lembrança aquilo que se foi e não retorna jamais. Também é a busca do tempo perdido como nossa primeira e mais fundamental experiência desse mesmo tempo. A garantia de nossa identidade, de tudo o que fomos, fizemos e somos se projeta no resgate da memória. Como consciência interna e temporal de passado, presente e futuro, a memória é o registro oral ou escrito, das narrativas vinculadas na lembrança do ser humano. Também apresenta uma dimensão coletiva ou social gravada naquilo que a História procura desvendar. (ODAIR: 2003, p. 17).
A sociedade não valoriza mais o seu passado. Logo não entenderá seu presente. Assim lembraria Ginzburg: Nada do que aconteceu deve ser perdido para a história, lembrava Walter Benjamin. Mas só à humanidade redimida o passado pertence inteiramente (1939, p. 26).
Prova disso são as conseqüências desse descaso:
- Marginalização de personalidades históricas regionais: no caso, dos ex-combatentes ainda vivos e que passam por necessidades básicas de uma vida exigida por uma sociedade em desconjuntura;
- Depredação e abandono de símbolos históricos: bustos, estátuas e túmulos são deixados às fezes pombais, quando não, são depredadas por pichadores ou roubadas para serem trocadas por drogas.
CONSIDERAÇÕES
Depois de relacionar Pirassununga com a Revolução de 1932 e avaliar o seu legado atual é necessário realizar algumas considerações que a pesquisa proporcionou.
Primeiramente, a nível nacional, fica possível iluminar alguns novos tópicos e destacar outros já tão estudados dentro desse movimento:
- A oligarquia cafeeira, base da Primeira República e das disputas de poder nas Revoluções de 30 e 32, já se preparava desde o período imperial para implantar suas raízes; prova disso está na Lei de Terras;
- A importância histórica dos movimentos tenentistas;
- A desmistificação sobre o fato da Revolução Constitucionalista de 1932 ser um movimento separatista. O que ocorreu na verdade foi um movimento de caráter nacional, pois contou com participações de outros estados (Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso e Rio de Janeiro);
- A importância social-política do MMDC, evidenciando que um movimento social pode exercer influências políticas e vice-versa;
- Uma das principais causas da derrota paulista está relacionada com a precipitação do General Bertoldo Klinger em atacar/ofender as Forças Públicas do Governo Provisório, em detrimento do tempo de preparação necessário para a ofensiva revolucionária;
- A vitória política de São Paulo, comprovada pela eleição e pela Constituinte de 1934, além da troca do interventor e do respeito de Getúlio Vargas;
- O legado democrático e constitucionalista.
Para a cidade de Pirassununga fica comprovada a importância da Revolução Constitucionalista de 1932 para a formação da memória histórica do município. Além disso:
- É ratificado o valor histórico de instituições que se tornaram patrimônios culturais na cidade, caso da Cachoeira de Emas, do Instituto de Educação de Pirassununga, da FEPASA/Museu Drº Fernando Costa e do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizado;
- É confirmado o apoio da Prefeitura Municipal na Revolução e a participação do movimento estudantil como voluntariado, além de vários apoios sociais, principalmente das mulheres, em ações relacionadas a trabalhos contribuintes e doações.
Entretanto, o legado de desrespeito, desvalorização e marginalização da memória histórica municipal do município de Pirassununga é a herança mais nítida e, ao mesmo tempo, mais pesar.
Faz-se necessário levantar quais são os possíveis motivos que levaram a essa situação melancólica. De tal modo, podemos destacar que a nossa sociedade distanciou-se nas últimas décadas do estudo da área de ciências humanas, pendendo para uma centralização de estudos na área de ciências exatas. Para se ter uma afirmação disso basta olhar a nossa educação: ela possui uma grade curricular totalmente focada no ensino de Matemática e Português, relevando a segundo plano as outras disciplinas humanas e que aspiram formar cidadãos críticos e pensantes. De forma mais profunda, a impressão que podemos ter desse processo é a necessidade da formação de pessoas acríticas, que aceitam qualquer situação e trabalhem como mão-de-obra barata, tornando-se apenas mais um índice para o IBGE.
Some-se a isso a má formação de futuros professores, o desinteresse dos já formados, que não se esforçam em desenvolver formas dinâmicas de didática para um novo aluno que vem influenciado por um mundo globalizante e a falta de políticas públicas e sociais de incentivo a recuperação da memória regional.
Não cabe aqui somente apontar os problemas, mas sim formular hipóteses de possíveis soluções. Acreditamos que deva haver maior incentivo público com projetos culturais que valorizem a recuperação da memória, além da implantação de instituições públicas que são prioritárias para o reavivamento da cultura histórica dos municípios: bibliotecas e arquivos públicos.
Igualmente, seria prático e providencial uma alteração na grade curricular de todo ensino, de forma a equilibrar os estudos das áreas de ciências humanas e exatas, que, aliada com uma formação continua de qualidade dos professores, alteraria, em longo prazo, o cidadão necessário para se ter um país, no mínimo, pensante.
A história perde a sua legitimidade a partir do momento em que perde seu poder de refletir a respeito de si mesma e, através dela, de tornar mais compreensível o tempo presente (CAIRE-JABINET:2003, p. 52).
Por fim, as Forças Armadas, apesar dos pesares, fazem parte desse processo histórico, e nada seria mais justo do que sua participação na representatividade histórica da formação do país e dos municípios, acabando, assim, com sua omissão.
O material levantado para essa pesquisa, assim como todo processo que se disponha a estudar a história regional, é farto. A micro-história mostra sua eficácia quando é atrelada a temas de nível macro-histórico. Fato esse que torna as possibilidades de aprofundamento no próprio tema da Revolução de 1932 mais profuso, podendo ser levantada novas perspectivas e abordagens. Um exemplo passível de estudo em longo prazo seria trabalhar a visão da micro-história do ponto de vista dos estados externos a São Paulo, isto é, saber qual a perspectiva desse movimento perante os estados não-paulistas que participaram do ato.
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the procedures, the process and the conclusions of a scientific and historical study that covers the municipality of Pirassununga and their relationships to the Constitutionalist Revolution of 1932. With a focus on regional historiography seeks to highlight the research methodology used, in addition to confirming the importance of historical processes to the city approached, daring to make use of such assistance and for future historians who want to venture into this field of History.
KEYWORDS: Regional History. Constitutionalist Revolution of 1932. Pirassununga. Methods of research in History.
REFERÊNCIAS
CAIRE-JABINET, MARIE PAULE. Introdução à historiografia. Bauru: Edusc, 2003.
CAMARGO, EPHRAIN ORTIZ de. Depoimento sobre sua participação na Revolução Constitucionalista de 1932. Pirassununga, 15.08.2009. Arquivo digital dividido em 05 partes de 10 min. Entrevistador: Rodrigo Antonio Ferreira. Entrevista concedida para a elaboração de Trabalho de Conclusão Científica do entrevistado.
CAPRINI, Aldiereis Braz Amorin Caprini. Considerações sobre a História Regional. Faculdade Saberes, Vitória, ES, 2007. Disponível em: <http://www.saberes.edu.br/arquivos/texto_aldieris.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2010.
CARDOSO, CIRO FLAMARION; VAINFAS, RONALDO. Domínios da história. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
DONATO, HERNÂNI. A Revolução de 32. Rio de Janeiro: Círculo do Livro S.A., 1982.
FAUSTO, BORIS. História do Brasil. 13ª Edição. São Paulo: Edusp, 2008.
FONSECA, SELVA GUIMARÃES. Didática e prática de ensino de História. Campinas: Papirus, 2003.
GINZBURG, CARLO. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
ODAIR, JOSÉ. Mito, memória e história oral. São Bernardo do Campo: Chamas, 2003.
PONTES, JOSÉ ALFREDO VIDIGAL. 1932: O Brasil se revolta. São Paulo: Terceiro Nome, 2004.
VILLA, MARCO ANTONIO. 1932: Imagens de uma revolução. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.
Homenagem póstuma ao herói de 32. Revista do Cinqüentenário Instituto de Educação. Pirassununga, 1961.
A Casa do Soldado. A Reforma. Pirassununga, 14.08.1932, Ano 01, nº 5, p. 3.
** Essa referência a restrição documentais justificava-se numa escola historiográfica que era acusada de construir todo um processo histórico baseado apenas em textos (jornais e ofícios, por exemplo) e com uma metodologia de fichamento, notas de rodapé etc.
*** A aproximação feita, propositalmente, entre História Regional e História Local ocorre porque o autor desse artigo acredita que ambos os campos estão intimamente atrelados, principalmente quando os estudos recaem em temáticas urbanas, já que não se consegue explicar a relação de uma urbe com um processo macro-histórico sem estudar as raízes do surgimento da mesma (pelo menos, não de uma forma eficiente), fato que, conseqüentemente, remete o pesquisador a um estudo regional das localidades próximas ao local escolhido.
**** O material utilizado para a delimitação dos estudos foi escolhido de acordo com o tempo e comprometimento do autor, ressaltando que, com mais pesquisas e recursos, esse tema pode ser aprofundado.
***** Entrevista fornecida por Ephrain Ortiz Camargo, ex-combatente da Revolução de 32, na sua residência em Pirassununga/SP, em agosto de 2009.
****** Entrevista fornecida por Ephrain Ortiz Camargo, ex-combatente da Revolução de 32, na sua residência em Pirassununga/SP, em agosto de 2009.
******* Segundo relatos dos jornais da época, os militares de ofício do 2º Regimento de Cavalaria Divisionária não se misturavam com os voluntários que iam para a linha de frente, devido a inexperiência desses últimos.
Autor: Rodrigo Antonio Ferreira
Artigos Relacionados
A Revolta Constitucionalista
Resenha: Confronto E Compromisso No Processo De Constitucionalização (1930-1935).
Os Discursos Utilizados Em Meio A RevoluÇÃo De Trinta
A Constituição De 1934
50 Anos Da Campanha Da Legalidade
Variadas Interpretações Sobre A Ação Integralista Brasileira (aib)
Capacidade Processual Da CÂmara Dos Vereadores