Despedida



By Lucia Czer

 

Sente o cadenciado balanço como se estivesse em movimento, no entanto sabe que não se moveu. Está escuro e abafado. Pergunta-se, intranquila, onde está? Não consegue identificar. Perdeu a noção como numa crise de labirintite. Só sabe que o ar está rarefeito e tem um odor adocicado e enjoativo. De quando em quando, parece que uma ínfima parcela de claridade entra no local onde se encontra. Já tentou gritar, bater, clamar por socorro. Só resultou em menos ar para respirar. Não consegue mexer-se porque o local é estreito. Percebe que está vestida e com sapatos. Ah, esse cheiro enjoado que entra pelas narinas parece com o de flores, uma profusão de flores mortas, maceradas. Alisa a veste e sente que é seda, nas mãos algo com contas e um... Crucifixo? Sim. É um crucifixo de metal. Reconhece, tateando a imagem em relevo feita em madrepérola, é o seu rosário. Que diabos estará fazendo isso em suas mãos? Terá rezado? Porque, agora, identifica o objeto como sendo um terço, o seu terço, presente da primeira comunhão. Não recorda o motivo de estar segurando-o.

                O balanço cessa. Ouve uma ladainha numa voz monótona, alguém chora. Tenta, novamente, chamar a atenção. Ninguém a escuta. E esse barulho... Parece uma pá batendo... As narinas fremem captando o cheiro de ciprestes e maricás florescendo e, também, cimento fresco. Por que não a ouvem chamar?

De repente, tudo cessa. Sobre ela desaba alguma coisa. Não sabe o que é, mas por entre as poucas frestas da caixa entra um pó sobre ela, asfixiando-a. Passa a língua sobre os lábios, isso tem gosto de infância... É terra! Lembra bem do gosto dos bolinhos de barro feitos durante as brincadeiras de casinha.

E esse silencio agora? As pessoas se foram? O ar já está mais frio e a luz dourada não entra mais, ficou escuro como breu e faz frio. Tum, Tum, Tum... É seu coração batendo descompassado. A cabeça incha e dói. Já não consegue respirar. Sente medo. As lágrimas escorrem sem que as possa segurar. Aos poucos a noção se esvai como as sensações. Já não percebe mais o que se passa ao redor, fecha os olhos e se entrega à letargia que a domina e a carrega por um imenso vale de relva viçosa onde as flores de mal-me-quer iluminam com sua cor amarela. Ao longe, o último grito do quero-quero. Uma última lembrança: O nome do amado... E o turbilhão do nada a engole vorazmente.


Autor: Lucia Czer


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