UHE de Belo Monte revolta indígenas do Pará e Mato Grosso



No dia 28 de outubro de 2009, um encontro histórico reuniu quinze povos indígenas no Mato Grosso. Diversos representantes do governo foram convidados para explicar o projeto e se retratar das declarações ofensivas. Mas ninguém do governo apareceu. Por isso a voz dos índios teve que ser levada para ser ouvida em Brasília.

 

O projeto de Belo Monte está na pauta do governo há mais de trinta anos. É hoje a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento  PAC, e é uma obra que o governo quer fazer de qualquer jeito, e está atropelando o processo, dizendo que já está discutindo isso há muito tempo e o projeto sofreu uma revisão pelos Estudos de Impactos Ambientais que foram apresentados recentemente, porém a sociedade ainda não teve tempo de analisar, muito menos os povos indígenas.

 

Belo Monte irá desviar 80% do volume de água do Rio Xingu. Se construída, esta será a terceira maior hidrelétrica do Planeta. Vinte mil pessoas serão desalojadas, enquanto outras cem mil serão atraídas para a região de Altamira, no Pará, causando impactos que aparentemente ainda não foram analisados pelo governo.

 

Nem o custo da obra é consenso, os valores oscilam entre 17 e 30 bilhões de reais. O que é consenso entre o painel de especialistas de diversas instituições de ensino e pesquisa é que essa obra deve ser abandonada, por ser um equivoco de sérias conseqüências ambientais e sociais.

 

De acordo com Amiloti Kayapó, a FUNAI e o Ministro Edison Lobão não nos consultou para construir a barragem. Então, por isso, estamos fazendo essa manifestação contra a construção da barragem. O que nós queremos? Que a mata, as florestas, a terra, os animais continuem vivos para servir nossa alimentação.

 

Nós temos filhos, netos, crianças e adultos e vivemos na floresta, nossa terra, diz Iredjo Kayapó, precisamos da floresta para nos alimentar. Por isso, eu, como mulher, estou lutando junto com os homens para impedir a construção da barragem de Belo Monte. Pablo Kamayura diz: Aqui no Parque Indígena do Xingu têm quinze Povos, todos estão aqui representados para fazer essa manifestação.

 

Uma coisa bastante curiosa desse encontro é que ele foi convocado e organizado pelos próprios indígenas e quem centralizou essa organização foi o Cacique Raoni, figura histórica na luta de Belo Monte que, em 1989, junto com Sting, rodou o mundo depois de um grande encontro que houve em Altamira e que foi o marco do ambientalismo brasileiro pré-Eco 92.  

 

Os indígenas querem mostrar para as pessoas, para todo o mundo e todos os que não entendem bem os seus costumes, as maneiras como eles vivem, como eles dependem do rio, da floresta e da terra para sobreviver. Na terra eles cultivam a mandioca, na floresta eles caçam e no rio eles pescam os peixes que alimentam suas famílias.

 

Cacique Raoni diz que não quer a construção da barragem. Por quê? Porque eu quero que o rio continue com vida igual a nós. Eu quero que os peixes, os animais e os outros seres vivos continuem vivendo em paz. Por isso eu não aceito a barragem.

 

Outra questão apontada pelo painel de especialistas é que, historicamente, as populações da Amazônia não são os alvos prioritários dos projetos hidrelétricos brasileiros. A energia gerada por Belo Monte interessa principalmente à indústria eletro-intensiva, como a de alumínio, que consome muita energia, tem tarifas subsidiadas e emprega poucas pessoas. É como exportar energia elétrica subsidiada na forma de alumínio à custa da destruição dos ecossistemas naturais que garantem a sobrevivência dos povos tradicionais. Aliás, o Estado do Pará, se não for o único é um dos poucos no mundo a exportar energia elétrica subsidiada na forma de minérios e quem paga a conta é o pobre consumidor residencial.

 

Não é à toa que quatro grandes grupos que atuam no Pará já manifestaram o interesse de participar do leilão de Belo Monte: a cada vez mais verde e amarela Vale do Rio Doce, a Votorantin, a Alcoa e a empresa química Braskem que estão de olho nos 20% da energia destinada aos autoprodutores para montar pelo menos uma usina de alumínio no Pará, cujo percentual  equivale a 1,1 mil quilowatt/ano garantidos pelo governo como forma de internalizar a energia gerada; enquanto isso, a recatada e austera governadora Ana Júlia Carepa não esconde seu descontentamento com a "demora" do IBAMA em conceder a licença ambiental para Belo Monte.

 

O problema a ser causado no local onde moram nossos parentes será a diminuição do volume da água onde eles buscam a alimentação, e com isso, a diminuição na reprodução dos peixes. Se Belo Monte for mesmo construída, muitas coisas vão ficar diferentes. Os peixes vão desaparecer e os índios não agüentam comer arroz, feijão, pão e refrigerante todo dia. Morrendo o Rio Xingu, os índios morrem junto.

 

A reunião de 284 lideranças indígenas de mais de 15 etnias teve alguns desdobramentos. Um deles foi elaboração de uma carta para as autoridades que foram convidadas e não compareceram ao encontro que ocorreu em outubro de 2009.

 

E essa carta teve um conteúdo bastante agressivo no sentido de que eles querem ser ouvidos, que não aceitam ser chamados de demônios como disse o Ministro Lobão, que existem forças demoníacas impedindo a construção desses empreendimentos. Isso é um absurdo! Os povos indígenas estão exercendo o legítimo direito de ser informados e opinar sobre empreendimentos que podem afetar  e muito - o habitat em que eles vivem. A carta foi encaminhada por uma comissão de cinco pessoas, na tentativa de entregar em mãos ao Presidente Lula e ao Presidente da Fundação Nacional do Índio, para que os povos fossem ouvidos e o empreendimento não fosse construído.

 

Então, os índios perguntam: Por que Lula está acabando com a nossa terra? Os primeiros habitantes dessa terra somos nós. Por que ele não veio primeiro consultar a gente para pedir, ou para informar que ele está acabando com a nossa terra? Nossa comunidade cresce se alimentando dos recursos naturais do rio, que é o peixe. Por que eles não vêm primeiro dizer pra nós que eles, do governo, estão acabando com o nosso rio, diminuindo nossa terra e acabando com a água de onde a gente se alimenta? Por que Lula, como homem, não chegou à nossa frente para falar que vai acabar com nossa terra e nossa água? Respondo aos índios: acho que Lula e Lobão devem lembrar muito bem do episódio ocorrido em uma reunião do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, no dia 20 de maio de 2008, sobre a construção da barragem em Altamira, quando o representante da Eletrobras foi ferido no braço por um índio com um terçado...  Quem tem cobre tem medo...

 

Os índios foram a Brasília para ser ouvidos como gente, não como animais, porém, mais uma vez, foram solenemente ignorados de verde e amarelo e se depender dos defensores do empreendimento, eles ficarão cada vez mais verdes e amarelos, só que amarelos de vermes e verdes de fome, pois ninguém do governo apareceu para dar explicações ou fumar o cachimbo da paz.

 

Os povos indígenas têm boas razões para dizer não a esta obra na Bacia do Rio Xingu. Eles demonstram percepções que, muitas vezes, os cientistas não alcançam sobre a natureza.

 

Finalmente, aos que pensam que tudo isso não passa de bobagem, termina com uma pergunta analógica: o que você faria se alguém fosse até a sua casa, onde você vive com sua família, e lhe dissesse: escuta aqui seu abestado, desocupa imediatamente a tua casa, pois vou inundá-la com alguns milhões de litros dágua...


Autor: Nelson Tembra


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