DEUS PAI MISERICORDIOSO ? Geraldo Barboza de Carvalho



DEUS PAI MISERICORDIOSO Geraldo Barboza de Carvalho

INTRODUÇÃO

A figura de Deus Pai não era desconhecida do povo eleito. Ele reconhece a paternidade de Javé desde o tempo de Moisés; ela decorre naturalmente do Criador de todas as coisas. "Tu és um povo consagrado a Javé teu Deus. Foi a ti que Javé escolheu para que pertenças a ele como seu povo próprio, dentre todos os povos que existem sobre a face da terra. Vós sois um povo de cabeça dura: Pecastes contra Javé; sois uma, geração perversa, depravada, raça degenerada, não sois seus filhos. É assim que agradeceis ao Senhor, povo insensato e frívolo? Não é ele teu Pai, teu criador, que te fez e te estabeleceu?" Dt 32,3-6; Dt 14,1-2. Várias são as representações de Javé, Pai e Criador, todas hauridas da fé do povo e usadas para expressar sua experiência de Deus. O povo experimenta Javé como Pai, Mãe, Filho, Pastor, Guia, Oleiro, Viticultor, Goel, Rocha. Goel é o redentor, parente próximo, o irmão mais velho, cujo papel é casar com a viúva do irmão, pagar suas dívidas familiares, morais e materiais, dar-lhe nome e filhos. Javé é o goel dos órfãos, viúvas, estrangeiros, as três categorias de pessoas desamparadas. Os órfãos não têm pai para protegê-los; as viúvas não têm maridos para ampará-las e lhes dar nome; os estrangeiros são apátridas. Mais que dos órfãos, viúvas e estrangeiros da Palestina, Jesus é o redentor da humanidade toda, apátrida, órfã e viúva, por causa do pecado, que a fez perder o esposo e redentor que é Javé, Criador e Pai. Jesus assume e paga as dívidas da viúva e dos filhos órfãos, na qualidade de Irmão mais velho, Primogênito e esposo da nova aliança de Javé com a humanidade, dando como resgate, não bens materiais, mas a própria vida. "Não foi com coisas perecíveis, com ouro e prata, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos (mácula), conhecido antes da criação do mundo, mas manifestado, no fim dos tempos, por vossa causa" 1 Pd 1,18-20. A videira é símbolo do povo eleito desde os patriarcas. "O cultivador Noé começou a plantar vinha. Vou cantar ao meu amado o cântico do meu amigo pra sua vinha. Meu amado tinha uma vinha em uma encosta fértil. Ele cavou-a, removeu as pedras e plantou nela uma vinha de uvas vermelhas. No meio dela construiu uma torre, cavou um lagar. Com isto esperava que ela produzisse uvas boas, mas só produziu uvas azedas. A vinha de Javé dos Exércitos é a casa de Israel, os habitantes de Judá, a preciosa plantação. Deles esperava direito e justiça, mas produziram transgressão e gritos de desespero" Gn 9,20; Is 5,1-7. O povo de cerviz dura, de coração de pedra, simbolizado pela vinha, é cuidado com carinho pelo vinhateiro zeloso, Javé: cerca-a, aduba-a, poda-a, mas ela não dá a Javé a alegria de colher saborosas uvas de seu vinhedo de escol. As sebes da vinha de Javé eram de pedras tiradas do terreno onde ele a plantou. A vinha é emblema tão forte do povo que Jesus identifica-se com ela: "Eu sou a videira verdadeira (que produz bons frutos), vós sois os ramos e o meu Pai é o Viticultor. Todo ramo que não produz fruto em mim ele o corta, mas o que produz, ele o poda, para que produza mais fruto ainda. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; pois sem mim nada podeis fazer" Jo 15,1-5. Deus Oleiro origina-se na criação temporal (2a). Diz Javé: "Façamos o homem a nossa imagem, como semelhança nossa. Javé Deus criou o homem à sua imagem, à sua imagem o criou, homem e mulher os criou: modelou o homem com a argila do solo. Insuflou em suas narinas o hálito da vida e ele se tornou ser vivente" Gn 2, 7. Criados à imagem e semelhança de Deus, homem e mulher são mais que terrenos, pois trazem em seu ser características e capacidades semelhantes às do Criador: a vida, espírito, inteligência, sentimento, amar, perdoar, conhecer, poder gerar filhos e filhas. Em suma, Deus criou tudo perfeito, pois criou por amor e ama o que criou, em especial sua obra prima, o homem e a mulher, cuja missão é espelhar em palavras e atos o Original divino, do qual são imagem e semelhança. "Amas tudo que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se algo tivesses odiado, não o terias feito" Sb 11,24. Criado por amor, cada ser é ontologicamente bom em si. Como Deus é bom, tudo que faz é bom. Bem e mal não são categorias do ser, mas da liberdade. O desvio da criação veio pelo insensato uso da liberdade em relação às coisas boas criadas por Deus. Ao criar cada categoria de ser, Javé a olhava e via que "era boa". Ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, "viu tudo que havia feito: era muito bom" Gn 1,10-31. Ao modelar o homem e infundir-lhe o hálito de vida, o Oleiro divino os fez muito bons, com as características do Criador: sensibilidade e inteligência, criatividade e bondade ética. "Javé, tu és nosso pai, nós somos a argila e tu, nosso oleiro, todos nós somos obras de tuas mãos. Como argila na mão do oleiro, que a amolda a seu bel prazer, assim são os homens nas mãos do Criador. Formaste meus rins, Javé, teceste-me no seio materno, definiste todo o meu viver. As tuas obras são maravilhosas, que maravilha sou eu, Javé. Maravilho-me com tuas maravilhas, te celebro por tanto prodígio. Conheces até o fundo do meu ser: quando era feito na terra mais profunda, tecido em segredo, meus ossos não te foram escondidos. Teus olhos viam o meu embrião. Tu me conheces quando estou sentado e de pé, vês claramente quando estou andando, quando repouso tu também me vês. Se pelas costas sinto que me abranges, sei que de frente também me percebes. Para fugir longe do teu Espírito, o que farei? Aonde irei? Não sei. Para onde irei? Para onde fugirei? Se subo ao céu ou me prostro no abismo,te encontro lá. Estás no alto da montanha verdejante e nos confins do mar. Nada escapa ao teu divino olhar" Is 64,7; Eclo 33,13; Sl 138(139),13-16. O ser humano é impefeito, frágil, feito da mesma argila que outras criaturas terrenas. Contudo, recebeu do Criador dignidade maior que elas: inoculou-lhe a vida, o espírito, a inspiração, a criatividade, a capacidade de amar, o humor, os fez quase deuses, icásticos, símiles a Deus. Icone, expressão perfeita de Deus, o ser humano reproduz fielmente as características dele; mas não é Deus: apenas lhe é semelhante. "Que é um mortal, para dele te lembrares, e um filho de Adão, para o vires visitar? Javé, que é o homem pra que o conheças, o filho do mortal que o consideres? Que é o ser humano, pra que faças caso dele, te ocupes dele, o examines, inspeciones a cada momento e cada manhã? Ele é como um sopro, seus dias, como a sombra que passa. Mas, o fizeste pouco menos que um deus, coroando-o de glória e beleza, pra dominar as obras de tuas mãos, sob seus pés tudo colocaste" Sl 8,5; Jó 7,17-18. Mas, não satisfeitos com as prerrogativas de imagem e semelhança do Criador, o homem e a mulher, criados e amados no Filho antes da criação do mundo", esquecidos que também "são pó e ao pó retornem", rebelaram-se contra seu Autor, recusando ser-lhe apenas semelhantes, mas "como deuses, versados no bem e no mal" Gn 3,5.19. O vaso não queria mais ser vaso, mas o Oleiro; a criatura, Criador. Tenebrosa insensatez! "Ai daquele que contende com quem o modelou, vaso entre os vasos da terra! Por acaso dirá a argila àquele ao oleiro: o que estás fazendo? Que perversão é a vossa! Tratar o Oleiro como argila! Pois, ousará a obra dizer àquele que a fez: 'ele não me fez', e um vaso sobre o oleiro que o fez: 'ele nada entende do ofício? Vou quebrar este povo e esta cidade como se quebra o vaso do oleiro, que não pode mais ser consertado" Is 29,16; 45,9; Jr 19,11. Sem dúvida, a pretensão da criatura de ser Criador só produz vaso trincado: a história trágica do pecado o mostra. A rebeldia irresponsável dos seres humanos afetou profundamente suas relações com Deus: infidelidade, idolatria; entre si: Caim matou Abel; com as criaturas, das quais é guardião: "Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam na terra" Gn 1,28. Dominar vem de dominus, o senhor. Mas, na ótica da fé, senhor não é quem domina, mas quem serve os subalternos. Portanto, "dominai sobre" significa "cuidai com amor" da natureza, não a devasteis. Mas o ser humano entendeu 'dominar' como devastar. Por isso, passaram agredir os semelhantes e a natureza, que se tornaram vítima dos maus-tratos dos seus tutores. Nasce o pecado do mundo. "Até quando a terra se lamentará, ficará seca a erva do campo? Javé vai abrir um processo contra os habitantes da terra, porque não há fidelidade, amor, nem conhecimento de Deus na terra. Mas perjúrio e mentira, assassínio, adultério, roubo, violência e o sangue derramado soma-se ao sangue derramado. Por isso a terra está de luto, se lamentará, todos seus habitantes desfalecerão, o céu, lá em cima, se escurecerá. Por causa da maldade dos habitantes da terra, perecem plantas, animais selvagens, aves do céu, até os peixes do mar" Jr 4,28; 12,4; Os 4,1-3. Mas, Javé não abandonou os filhos rebeldes e a criação ao próprio destino infeliz. Ao invés disso, prometeu quebrar o vaso rachado e refazê-lo novo; destruir o pecado e resgatar a dignidade perdida de seus filhos e filhas. Por iniciativa sua, promete refazer as relações do ser humano com o Criador e as criaturas, rompidas pela insensatez do ser humano, infiel ao mandato de cuidar da criação: "Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu, todos animais que rastejam sobre a terra. Depois Javé disse à serpente: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua descendência e a dela. A descendência da serpente são os sem-fé; a descendência da mulher é Jesus Cristo com os que aderem a ele pela fé. "Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar" Gn 1,28; 3,14-15. Definidaestá a restauração da humanidade pelo morte do Cordeiro, iniciada na encarnação, seguida da imolação e ressurreição de Jesus, que destruiu em definitivo o poderio da Serpente, que domina o mundo desde o pecado original. "É agora o julgamento, o príncipe deste mundo será lançado fora. Juntamente com seus anjos, o Dragão batalhou, mas foi derrotado, e não mais se encontrou um lugar pra eles no céu. Foi expulso o grande dragão, antiga serpente, o chamado diabo ou satanás, sedutor de toda a terra habitada: foi expulso pra a terra e com seus Anjos" Jo 12,31; Ap 12,7-9. O resgate da carne, iniciado na encarnação e consumado na morte da cruz e ressurreição de Jesus como Primogênito da criação nova, aparece nos profetas em ambiente de destruição e morte, na imagem de ossos secos que ganham carne (Ez 37), vasos quebrados e refeitos (Jr 18), trevas que dão lugar à luz: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam a terra sombria como a morte. Não terás mais o sol como luz do dia, o clarão da lua não te iluminará, pois Javé será tua luz para sempre e teu Deus será o teu esplendor. O teu sol não voltará a se pôr e a tua lua não minguará, pois Javé será tua luz eterna e os dias do teu luto cessarão. Já não haverá noite: ninguém mais precisará da luz da lâmpada ou do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles: a glória de Javé os iluminará e sua lâmpada é o Cordeiro. Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida" Is 9,1; 60,19-20; Ap 21,23; 22,5; Jo 8,12. As promessas de restauração da criação serão, pois, realizadas, de forma definitiva, na encarnação (kénosis, oferenda do corpo do Filho) do Verbo, na morte de cruz (destruição do vaso trincado), na ressurreição (vaso novo), ascensão e Pentecostes (renovação universal da criação).A vida plena que manou do Ressuscitado e Deus Mãe inundou toda a criação e fez novas todas as coisas. Entrevê-seJr 18, 1-6; Is 65,1: "Palavra foi dirigida a Jeremias por Javé: Levanta-te e vai à casa do oleiro; lá te farei ouvir minhas palavras. Desci à casa do oleiro e ele estava a trabalhar no torno. Estragou-se o vaso que estava fazendo, como acontece à argila na mão do oleiro. Ele fez novamente outro vaso, como pareceu aos olhos do oleiro. A palavra de Javé me foi dirigida, então, nestes termos: não posso agir convosco como este oleiro, casa de Israel? Como a argila na mão do oleiro, eis que assim sereis em minha mão. Faço novas todas as coisas: vou criar novo céu e nova terra; as coisas de outrora não serão lembradas, não tornarão a vir ao coração". O Cordeiro imolado é autor, ator e palco do auto de Deus, onde acontece a metamorfose absoluta de toda a criação. Como um vaso de barro imprestável na mão do oleiro é quebrado e refeito antes de ir ao forno, a criação pecadora morrerá com o Cordeiro na cruz e será refeita pelo Oleiro divino na ressurreição de Jesus conosco: "Destruí este templo, eu o reconstruirei em três dias". Eles zombaram dele, pois pensavam que falava do templo de Jerusalém. Mas "ele falava do templo do seu corpo", feito maldição e renovado na ressurreição. Jesus diz a mesma coisa de outra forma: "Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto; não vim para ser servido, mas servir e dar a vida pela multidão, pra que tenha vida em abundancia. Por isso, quando ressuscitou dos mortos, seus discípulos acreditaram nele" Jo 2,19-22. O templo novo não é feito de pedra e argila, mas de pessoas vivas: ninguém o destruirá, pois Deus mesmo o fez. Depende da nossa fé, de deixar-nos moldar pelo divino Oleiro e ser pedra viva do novo Templo.

O coração do povo era duro, insensível como as pedras do terreno que Javé limpou para plantar sua vinha. O coração de Javé é de carne, sensível, misericordioso. Por ter o coração de pedra e cabeça dura, o povo não entendia, não guardava no coração a palavra de Javé, não acreditava naquele só lhe dedicava amor. Javé se queixava. "Criei filhos, os fiz crescer e eles rebelaram-se contra mim. O boi conhece seu dono, o jumento, a manjedoura do seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não pode entender. Ai do povo cheio de iniqüidade, da nação pecadora" Is 1,2-4. As iniqüidades e imundícies éticas endurecem o coração do povo e o tornam insensível ao amor de Javé. Isto o aborrece e inquieta, mas não desiste de mudar a mentalidade, o coração do povo: promete transformar a charneca do coração do povo em terra fértil. Coração como o de Javé, "Deus de misericórdia, lento para a cólera, cheio de compaixão", é promessa messiânica. "Borrifarei água sobre vós, ficareis puros; purificar-vos-ei de todas vossas imundícies e ídolos imundos. Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne" Ez 36,25-26. Isto acontecerá na encarnação do Verbo, o Cordeiro Imolado, a pedra angular da nova construção. "Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, cuja pedra angular é Cristo. Nele bem articulado, o edifício todo se ergue em santuário sagrado no Senhor, e vós, também, sois co-edificados nele para serdes uma habitação de Deus no Espírito. Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está colocado: Cristo Jesus. Chegai-vos, pois, a ele, a pedra viva, rejeitada pelos homens, é verdade, mas diante de Deus, eleita e preciosa. Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, constituí-vos num edifício espiritual, dedicai-vos a um sacerdócio santo, pra oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis por Deus em Jesus Cristo. Pois, nas Escrituras se diz: Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; quem nela crê não será confundido. Para vós que credes, será um tesouro precioso, mas pra quem não crê, a pedra que os edificadores rejeitaram, essa tornou-se a pedra angular, uma pedra de tropeço e uma rocha que faz cair. Tropeçam porque não crêem na Palavra. Trazemos este tesouro em vaso de barro" (o corpo mortal), que pode se quebrar facilmente. A fé protege o vaso de quebrar-se. Sua destruição é fatal. "Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, este templo sois vós. Todo pecado será perdoado, mas o pecado contra Deus Mãe não será perdoado neste mundo nem no outro". Quem não é perdoado está condenado à morte. Precisamos avivar a fé para não cairmos em tentação. A fé é nossa rocha de apoio, pois nos incorpora na Rocha que é Jesus Cristo. Só ela nos sustentará e impedirá que se quebre o vaso de barro que somos. Precisamos nos apoiar na Rocha, pela oração e as boas obras. "Quem está de pé, vigie que não cair. Vigiai e orai pra não cairdes na tentação. Deus é fiel: não permitirá que sejamos tentados além de nossas forças, mas com a provação, nos dará a força para sairmos vencedores dela" A vida divina se nos comunica através da fé na Palavra de Deus. Para crer é precisa ouvi-la com atenção, ser-lhe obediente: vigiar, estar acordado, "de atalaia, de pé no posto de guarda e espreitar pra ver o que Javé vai dizer-me.Eis que sucumbe aquele cuja alma não é reta, mas o justo viverá pela fé. Quem escuta minha palavra e crê no Pai que me enviou tem a vida eterna e não será julgado, mas passou da morte à vida. Seus pais não compreenderam as palavras que lhes disse. Porém, sua mãe conservava no coração a lembrança de todos esses fatos. Feliz é aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido. Felizes os que não viram e creram. Quem crê no Filho tem a vida eterna. Aquele que crê nele não perece, mas viverá eternamente, tem a vida eterna. Quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna" Hab 2,1; Lc 1,45; Jo 3,15.36; 5,24; 6,40; 20,29 Ef 2,20-22; 1Cor 3,11;1 Pd 2,4-8.

·As pedras fazem parte da geografia de Israel e são usadas na simbologia religiosa desde

a caminhada do povo pelo deserto. O deserto, referto de pedras, perigos, animais ferozes, é

lugar teologal privilegiado. Teofanias emblemáticas, tanto do AT como do NT, definidoras do destino salvífico do povo, ocorreram em áridos, tórridos desertos. No deserto de Madiã se deu o encontro de Moisés com Javé na sarça ardente. No deserto do Sinai Javé testou a fé do povo nas promessas divinas e deu o Decálogo a Moisés, que cela a aliança entre Javé e o povo, que passa de uma multidão de habirus (hebreus) errante e sem rosto a um povo com nome e identidade: "Eu serei teu Deus, tu serás o meu povo. Toda a comunidade dos filhos de Israel partiu do deserto de Sin para as etapas seguintes, segundo a ordem de Javé, acamparam em Rafidim, onde não havia água pro povo beber. O povo discutiu, pois, com Moisés e disse: dá-nos água pra beber. Moisés respondeu: Por que discutis comigo, pondes Javé à prova? Ali o povo teve sede e murmurou contra Moisés e disse: Por que nos fizeste subir do Egito, pra nos matar de sede com nossos filhos e animais? Oxalá tivéssemos morrido como morreram nossos irmãos diante de Javé. Por que conduziste a assembléia de Javé a este deserto, para aqui morrermos, nós e nossos animais? Por que nos fizeste subir do Egito para nos conduzir a este terrível lugar? Lugar sem romãzeiras nem figueiras ou vinhas, impróprio pra semeadura, sem água para beber? Então Moisés e Aarão deixaram a assembléia e vieram à Tenda da Reunião. Prostraram-se com a face em terra, apareceu-lhes a glória de Javé e Moisés clamou-lhe dizendo: Que farei a este povo? Pouco falta para que me apedreje. Javé disse a Moisés: Passa diante do povo, toma contigo alguns anciãos de Israel; leva na mão a vara com que feriste o Rio e vai. Estarei diante de ti sobre a rocha; ferirás a rocha, dela sairá água e o povo beberá. Toma a vara e reúne a comunidade, tu e teu irmão Aarão. Em seguida, sob os olhos deles, dize a este rochedo que dê suas águas. Farás, pois, jorrar água deste rochedo e darás de beber á comunidade e animais. Moisés tomou a vara de diante de Javé como lhe havia ordenado. Com Aarão reuniu a assembléia diante do rochedo, depois disse-lhe: rebeldes, ouvi, agora. Faremos nós jorrar água pra vós deste rochedo? Moisés levantou a mão, feriu por duas vezes com a vara o rochedo: a água jorrou abundante, a assembléia, animais puderam beber. Lembra-te de todo o caminho que Javé teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, pra humilhar-te, tentar-te, conhecer o que tinhas no coração: irias observar seus mandamentos ou não? Humilhou-te e te fez sentir fome e te alimentou com o maná que tu nem teus pais conheciam, para te mostrar que o homem não vive apenas de pão, mas de tudo que procede da boca de Javé. As vestes que usavas não se envelheceram, teu pé não inchou durante estes 40 anos". Moisés "deu àquele lugar o nome de Massa e Meriba (provação e contestação). Então Javé disse a Mosés e a Aarão: já que não crestes em mim, de modo a santificar-me aos olhos dos filhos de Israel, não fareis entrar esta assembléia na terra que lhe dei" Ex 17,1-7; Nm 20,1-13; Dt 8,2-4. Quando Mosés e Aarão não creram em Javé, se na hora de desspero do povo por água recorreram a ele em oração? A falta de fé dos dois consistiu em orar quando era hora de agir. Eles já estavam investidos do poder de Javé pra realizar o que precisasse em favor ou contra o povo. Mas na hora de mostrar a fé no poder e agir, eles duvidaram e foram rezar. Em vez do elogio pela aparente piedade, foram duramente repreendidos por Javé: "já que não crestes em mim, de modo a santificar-me diante dos filhos de Israel, não fareis entrar esta assembléia na terra que lhe dei". O nome de Javé teria sido santificado se Moisés e Aarão tivessem tido a iniciativa de matar a sede do povo, em vez de rezar. Entra-se na Terra Prometida (vida erterna) pela prática da fé, não pela oração evasiva. Jesus dirá a mesma coisa aos falsos beratos: "Nem todo que diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino de Deus, mas quem pratica a vontade do meu Pai que está nos céus. Naquele dia, muitos me dirão: 'Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos, expulsamos demônios, fizemos milagres'? Então, eu lhes declararei: Não vos conheço. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade" (rezais na hora é de agir) Mt 7,21-27. Não se pode brincar com o Rochedo Javé. Jesus diz que é Rocha para quem ouve sua palavra e a pratica; mas pedra de tropeço (skandalon) para os que não praticam a os valores éticos, a vontade do Pai.

A simbologia da pedra expressa a segurança que o pai transmite ao filho. Ao dizer que Javé é sua Rocha, o povo exprime sua firme fé em seu Deus e Pai. Esta simbologia alinha-se com as do deserto e do poço, originadas da geografia sui generis de Israel, país com pouca vegetação, escasso em água, pedregoso, desértico, de vida difícil, sempre ameaçada. As pedras têm muito valor no país e são usadas pra muitos fins: na construção de estradas, cercas e casas. As pedras fazem parte da vida do povo, bem como o deserto, as ovelhas, o pastor, a água. As estelas eram marcos de pedras dos lugares sagrados em Israel desde os tempos patriarcais. De pedra eram os altares do sacrifício de animais no tempo de Abraão e dos rituais litúrgicos do Templo de Jerusalém, até a vinda de Jesus. O jovem pastor Davi, rei ungido de Israel, matou o gigante filisteu Golias com uma pedrada de funda na testa. De pedra eram a piscina de Siloé, os aquedutos de Jerusalém, as talhas das bodas de Caná. Quando João Batista surge no deserto da Judéia a anunciando iminente chegada do Reino de Deus e do Messias, batizava os penitentes para o arrependimento no Rio Jordão, "como visse muitos fariseus e saduceus que vinham batizar-se, disse-lhes: raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira iminente? Produzi fruto de arrependimento e não penseis que basta dizer: Temos por pai Abraão. Pois digo-vos que Deus pode suscitar filhos a Abraão até destas pedras. Se sois filhos de Abraão, praticai suas obras. Ninguém se justifica diante de Deus pela Lei, pois o justo viverá pela fé. Os que são pela fé são filhos de Abraão" Mt 3,7-9; Jo 8,39; Gl 3,7.26. Os fariseus e saduceus eram da raça, não eram filhos de Abraão, pois não praticavam suas obras nem criam em Jesus, herdeiro legítimo da bênção, da fé de Abraão. Não criam nele porque esperavam a salvação da Lei, não da prática da fé. A Lei endureceu-lhes o coração, porque se julgavam justificados por ela. Os profetas não calarão ante tanto cinismo. Quando Jesus chamou os primeiros discípulos, os convidou a segui-lo, eles perguntaram-lhe: onde moras? Ele lhes respondeu: "as raposas suas tocas, os pardais, seus ninhos, mas o Filho do homem não possui sequer uma pedra onde repousar a cabeça". Quando Jesus entra em Jerusalém montando num "jumentinho que ainda ninguém montou, é aclamado rei pelos discípulos, alguns fariseus da multidão disseram: Mestre, repreende teus discípulos, ele respondeu: Se eles calarem, as pedras gritarão" Lc 19,30.39-40. Depois de narrar a parábola dos vinhateiros homicidas, que aludia às autoridades judaicas que o rejeitaram, "fixando neles o olhar, Jesus disse: O que significa o que está escrito: a pedra que os pedreiros tinham rejeitado tornou-se a pedra angular? Aquele que cair sobre ela vai se quebrar todo, aquele sobre quem ela cair, ela o esmagará" Lc 20,17-18. Mas aquele que nela se apoiar será salvo. Sentido-se visados pela parábola, apanharam pedras para atacar Jesus. Porém, ele retirou-se dali, pois inda não havia chegado sua hora". Depois de curar o cego de nascença, Jesus o mandou lavar-se na piscina de pedra de Siloé. De pedra eram as talhas e bacias das abluções rituais dos judeus também. Na rocha dura era túmulo de Jesus, cuja entrada era tapada por pesada pedra. Pelo visto, embora sem vida, por ser resistente, a pedra tem alto valor simbólico na Escritura. Sua firmeza simboliza o amor e a misericórdia de Javé por seu povo. A fé do povo escolheu a rocha para simbolizar a fidelidade de Javé com seu povo. Quando o fiel diz: "Javé é minha Rocha", quer dizer que ele merece crédito incondicional. Javé fez aliança com o povo pra educá-lo na fidelidade. crer é aderir a Javé e sua Palavra configurada na aliança com o povo, e agir conforme essa fé. Fé e fidelidade têm a mesma origem: 'fides'. Por isso, rocha simboliza a fidelidade de Javé e a fé do povo. Jesus disse que Pedro é pedra, quando ele declara fé no Filho de Deus. "Feliz és tu, Simão, porque não foi a carne ou sangue que te revelaram isto, mas o Espírito do meu Pai. Por isto eu te digo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. E os poderes infernais não a dominarão" Mt 16,13-18. Logo após, falando sem fé, Pedro se nega a aceitar a cruz de Jesus e este o chama de satanás. A reação de Pedro ao ouvir Jesus anunciar sua paixão e morte é paradigmática. Embora idolatra, infiel, o povo conhece a fidelidade e misericórdia de Javé, como Pedro. Depois do discurso sobre o pão da vida, escandalizados os ouvintes debandaram. "Então Jesus perguntou aos Doze: não quereis também partir? Simão Pedro respondeu-lhe: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna, nós reconhecemos e cremos que és o santo de Deus" Jo 6,67-69. Ante da bondade gratuita de Javé, o fiel não se contém: "Javé, Javé, Deus de compaixão e piedade, lento pra cólera, cheio de fidelidade e amor. Tende sempre confiança no Senhor, porque ele é rochedo perene". Ao abençoarem os filhos e o povo antes de morrer, Jacó e Moisés transmitem-lhes confiança e fé em Javé, respectivamente, dizendo: "O arco dos vossos inimigos foi quebrado pelo Nome da Rocha de Israel, pelas mãos do Poderoso de Jacó. Vou proclamar o nome de Javé, é perfeita sua obra, ele é a rocha, toda sua conduta é o direito. Javé foi o único Deus a conduzir o povo, deus estrangeiro algum acompanhou-o. Fê-lo cavalgar sobre as alturas da terra, alimentou-o com os produtos do campo; fê-lo sugar mel de um rochedo e óleo de uma dura pedreira; alimentou-o com coalhada de vaca, leite de ovelha e com gordura de carneiro e cordeiros, com a polpa do trigo e sangue da uva. Jacó comeu, saciou-se, Jerusum (Israel) engordou e deu coices, (como touro no pasto, ficou corpulento), rejeitou o Deus que o fez, desprezou a Rocha salvadora; provocaram ciúme com estranhos, abominações, o deixaram enfurecido. Sacrificaram a demônios, falsos deuses recém-chegados, que vossos pais não conheceram nem temeram. Desprezas a Rocha que te deu à luz, esqueces o Deus que te gerou" Ex 34, 6; Is 26,4; Gn 49,24; Dt 32,3-4.12-18.37. Apesar das traições, a simbologia da rocha entra na alma e cultura do povo: Javé é "minha Rocha, meu Deus: Nele confio". Perto da Pedra de Israel, Javé, o fiel sente-se seguro, protegido como o náufrago perdido no mar, ao achar um rochedo salvador. A vida, com suas dificuldades, surpresas e ciladas, é comparada ao imenso e perigoso mar. Por isso, nas incertezas e perigos da vida, o fiel recorre a Javé, o Rochedo que o abriga. Por este viés, rocha passou a simbolizar proteção, abrigo, vida, casa de Deus nos salmos. "Javé é minha rocha e fortaleza, quem me liberta é o meu Deus. Nele abrigo-me, meu rochedo e escudo, minha força salvadora, meu refúgio, torre forte. Vinde exultemos em Javé, aclamemos o Rochedo que nos salva; entremos com louvor em sua presença, vamos aclamá-lo com música" Sl 17/18,3;94/95,1.

A simbologia do rochedo de Massa/Meriba atingiu o mais alto significado na encarnação do Verbo. As águas do rochedo de Meriba simbolizam o sacrifício de Jesus, de cujo lado, do alto da cruz, jorrou água, símbolo da vida nova brotada do batismo de sangue de Jesus, ratificado, mediante a fé, pelo sacramento do Batismo. Por isso, deserto e pedras também estão presentes na vida de Jesus e seus discípulos. Depois de batizado no Jordão, Jesus é conduzido ao deserto por Deus Mãe para ser tentado durante quarenta dias, como outrora Israel na caminhada do Egito para Canaã Dt 8,2.4//Nm 14,340. Sendo Canaã o paradigma da Terra Prometida, da Casa do Pai, e o Êxodo de quarenta anos, o emblema da caminhada de fé para a libertação de toda escravidão dos filhos de Deus, quarenta se tornou símbolo do tempo da provação, da caminhada de fé e deixou de ser um numeral. Durou 40 dias a fuga do profeta Elias da Samaria ao Horeb para escapar da fúria de Jezebel e Acab, que ele acusava de acoitar e ouvir os falsos profetas de Baal. Durante a fuga, o profeta foi provado duramente e chegou a pedir a Javé para lhe tirar a vida. Mas Javé, não só não lhe tirou a vida, mas a preservou, assistu-o nas suas necessidades e socorreu outras pessoas atravésdele: foi alimentado por corvos, pela viúva de Sarepta, a quem salvou da fome durante a seca que se abateu sobre Israel, ressuscitou seu único filho; na fuga foi socorrido por Javé, que lhe deu força para voltar, sagrar Jeú rei de Israel e Eliseu aeu sucessor em Samaria e enfrentar o rei Acab e Jezabel, passar à espada os 450 falsos profetas de Jezabel e Acab, que o obrigaram a fugir para o Horeb pra escapar da morte. Jesus foi tentado pelo diabo no deserto, que se aproveitou da fragilidade física dele pela fome, o induziu a três tentações análogas àquelas por quê o povo passou no deserto. Mas, ao contrário do povo, Jesus saiu vencedor de todas elas ao término de quarenta dias. Primeira tentação: buscar o alimento sem o auxílio de Deus Dt 8,3//Ex16: "Aproximando-se o tentador, lhe disse: Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães. E Jesus respondeu: Está escrito: não só de pão vive o homem, mas toda palavra que sai da boca de Deus" (a fé na Palavra comunica a vida divina ao fiel). Segunda tentação: tentar Deus para satisfazer-se Dt 6,16 //Ex 17,1-7: "Então o diabo o levou à Cidade Santa, o colocou no pináculo do Templo, lhe disse-lhe: Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito e eles te tomarão pelas mãos pra que não tropeces nalguma pedra. Jesus responde-lhe: também está escrito: não tentarás Deus Senhor teu". Terceira tentação: Renegar Deus e seguir falsos deuses que asseguram o poder deste mundo (Dt 6,10-15 //Ex 23,23-33: "Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com seu esplendor e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares. Jesus lhe disse: Vai-te, Satanás, pois escrito está: Ao Senhor teu Deus adorarás, a ele só prestarás culto. Tendo acabado as tentaçõs, o diabo deixou-o até o tempo oportuno" (agonia do Getsémani e cruz) Mt 4,1-10; Lc 4,13. As tentações na vida do fiel são como pedras no seu caminho: ele pode caminhar entre elas e nada lhe acontecer. Mas se deixar de vigiar, poderá tropeçar nelas e cair. Jesus enfrentou e venceu todas as ciladas do diabo e se mostrou fiel a Javé. Provou que nenhuma tentação é invencível, quando temos fé na Palavra de Deus, confiamos na aliança que fez conosco. "Estas coisas aconteceram para servirem de exemplo e foram escritas para nossa instrução, nós que fomos atingidos pelo fim dos tempos. Assim, aquele que julga-se de pé, cuide pra não cair. As tentações que nos tocaram tiveram medida humana. Deus é fiel, não permitirá que sejais tentados acima de vossas forças. Mas, com a tentação, vos dará os meios para sair dela e força pra suportá-la" 1 Cor 10,11-13. Maravilhosa fidelidade do Deus da minha fé. Testemunho aqui que ele agiu, tem agido, age assim comigo. Sua pedagogia não raro fere meu ago. Mas a sabedoria do meu Deus me revela que tudo que vem dele é pra o meu bem. Por isso, com paciência o suporto. Jesus foi o primeiro a passar por tribulaçõers. Por isto, tem condições de socorrer os os irmãos atribulados. Ele, a Rocha, foi rejeitado como pedra de calhau. Mas, por causa da sua piedade, Javé o restabeleceu como Pedra angular da nova edificação de Deus no Espírito. Por causa da nossa enxertia mística no corpo do Verbo encarnado, somos pedras vivas da Casa de Deus. Pedras na Rocha que é Jesus, mediante a fé, que é a apropriação do poder de Deus pra agir como ele. A fé dá ao ser humano a força da Rocha, co-edificados como pedras vivas por Ruah, o Espírito que vivifica o Ressuscitado. Deus Mãe é o perfeito dom da nova aliança, prometido desde a antiga. Jesus realizou a promessa de tirar do peito do povo o coração de pedra e colocar nele um coração de carne, sensível e misericordioso como o coração de Javé, em virtude da presença viva de Deus Mãe no seu Corpo e em nós,seus membros vivos. Ora, além do coração de pedra se tornar de carne, sensível como o de Jesus, o novo templo de Deus Trino na terra, os membros do Corpo Místico somos pedras vivas e entramos na edificação do novo templo, cuja pedra angular é Jesus. A simbologia definitiva da pedra começou a tomar corpo com a expulsão dos vendilhões do Templo de Jerusalém. Este deixou de ser símbolo da glória, presença de Javé entre o povo e tornou-se símbolo de corrupção e opressão das autoridades sobre o povo. Era preciso que o templo de pedras mortas fosse destruído para dar lugar ao novo templo de Javé, edificado com pedras vivas e que não mais seria destruído. O vidente de Patmos, ao descrever "a Cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, de junto de Deus, pronta como uma esposa que se enfeitou para seu marido", diz que "não viu templo algum nela, pois seu templo é Deus todo poderoso, o Senhor e o Cordeiro" Ap 21,2.22. É que o templo antigo não existe mais, dado que o Cordeiro foi imolado na cruz, destruindo no mesmo ato o pecado, cujo símbolo é o velho Templo, e está vivo e de pé juntamente com todos que resgatou pela ressurreição dos mortos. Para isto acontecer, Jesus enfrentou a resistência diabólica das autoridades de Jerusalém, que o submeteram ao batismo da rejeição, humilhação, tortura, crucificação e morte de cruz. Antes do clímax, o clima emocional em Jerusalém era pesado. A presença de Jesus na Cidade era uma provocação aberta às autoridades religiosas. Jesus sabia disto, mas estava decidido a construir o novo templo. Ao entrar em Jerusalém, onde seria julgado e condenado, "alegremente, a multidão de discípulos começou louvar Deus com forte voz por todos os milagres que tinham visto. Diziam: Bendito aquele que vem, o Rei, em nome do Senhor! Paz na terra e glória no mais dos céus! Alguns fariseus da multidão disseram-lhe: Mestre, repreende teus discípulos. Porém, ele respondeu: Eu vos digo, se eles calarem as pedras gritarão. E como estivesse perto, viu a cidade chorou sobre ela, dizendo: Ah! Se neste dia também conhecesses a mensagem de paz. Mas, agora isto está escondido a teus olhos. Pois dias virão sobre ti, e os teus inimigos te cercarão com trincheiras, te rodearão e apertarão por todos os lados. Deitar-te-ão por terra e teus filhos no teu meio e não deixarão de ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada". Depois, Jesus entrou no templo, expulsou os vendilhões, que faziam "da casa do meu Pai uma casa de comércio. As autoridades judaicas o interpelaram, dizendo: Que sinal nos mostras para agires assim? Ele lhes respondeu: destruí este templo, em três dias o levantarei. Disseram-lhe os judeus, então: 46 anos foram precisos pra construir este Templo e tu o levantarás em três dias? Mas, ele falava do templo do seu corpo. Assim, quando ressuscitou dos mortos seus discípulos lembraram-se de que dissera isto, creram na palavra dele e na Escritura" Lc 19,37-44; Jo 2,18-21. Seguiram-se a prisão, a tortura, a morte de cruz, a ressurreição. Desapareceu Templo de Jerusalém, lugar de comércio e profanação do Nome de Javé e foi edificado o novo templo, o corpo de Jesus imolado e ressuscitado, lugar do novo culto em espírito e verdade. O Corpo Místico de Cristo não é simples corpo, mas uma corporação, que compreende a Pessoa de Jesus e todos que ele agregou desde a encarnação em Maria, prenúncio da morte, ressurreição, Pentecostes.

O NT continua, pois, a tradição do AT e usa a pedra como símbolo de vida e salvação. Jesus é a pedra angular, nós, as pedras vivas da nova morada de Deus. Assim como o bode expiatório da antiga aliança foi substituído pelo Cordeiro de Deus na nova aliança, assim também o novo templo de Deus não será feito de pedras, mas pessoas vivas, modeladas do barro do solo pelas mãos do divino Oleiro, que lhes insuflou o hálito vital. Jesus é a Pessoa principal, a Pedra angular do novo edifício. Nós, as pedras vivas que compõem o edifício, unidas à Pedra angular por Deus Mãe. Até a nova Jerusalém será feita de pedras preciosas, que simbolizam as pessoas de fé, habitantes da Cidade Deus, da Casa do Pai. Jesus diz ao homem de fé Pedro que sua fé é a pedra firme sobre a qual edificará a comunidade de fé da nova aliança. "E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. Jesus respondeu-lhe: Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne nem sangue que te revelaram isto e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra (tua fé) edificarei a minha Igreja (comunidade de fé, apoiada na pedra angular, Jesus, confirmada pela fé de Pedro) e as portas do inferno (o poder de satanás) nunca prevalecerão contra ela (nenhum poder maligno atingirá os que apóiam-se na rocha firme da fé no Cristo Jesus, cuja obra Pedro é enviado a continuar pela fé). Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus: o que ligares na terra será ligado no céu; o que desligares na terra desligado será no céu. Em seguida, proibiu severamente aos Doze de divulgarem que ele é o Cristo". Só enquanto homem de fé, que reconhece em Jesus o Filho de Deus, os Doze são pedra fundamental da Igreja. A fé apostólica é a pedra firme sobre a qual Jesus edificará a Igreja na terra. Esta pedra não pode virar areia movediça, sob pena de todo o edifício ruir, toda a comunidade se perder. Ora, logo após a declaração de fé de Pedro, este fraqueja na fé. Por causa da sua amizade de carne e sangue com Jesus, Pedrotentou impedi-lo de seguir o caminho da cruz e ressurreição. Ele não fala como pedra viva, mas como pedra de tropeço, instrumento de Satanás. Sua fé era ainda epidérmica, incapaz de resistir ao impacto do escândalo da cruz do amigo Jesus. Quando este começou a falar do caminho doloroso por onde teria de passar, antes de ser "constituído Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Deus não permita, Jesus! Jamais te acontecerá isto! Mas, voltando-se para Pedro, ele disse: Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, pois não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens" Rm 1,3; Mt 16,13-23. As provações testes da fé. A fé apoiada na Rocha que é Jesus resiste às provações. A fraca fé sucumbe ao menor revés. Por isso, Deus mesmo colocará o fiel diante de impasses para dar-lhe ocasião de separar o joio do trigo, avaliar sua resistência às tentações, a firmeza da sua fé. Se o poder do mundovencer as resistências da nossa fé, estamos edificados na areia movediça da falsa fé.

·Vejamos como funciona a pedagogia de Javé para educar e fortalecer seus filhos na fé e garantir-lhes a salvação, a vida eterna na Família Divina. "Observa todos os mandamentos que hoje te ordeno cumprir, pra que vivas, te multipliques, entres, possuas a terra que Javé prometeu a teus pais, sob juramento. Mas, lembra-te de todo o caminho que Javé teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de te humilhar, tentar-te, conhecer o que tinhas no coração: irias observar ou não seus mandamentos. Humilhou-te, fez que sentisses fome e te alimentou com o maná, que teus pais nem tu conheceram, pra mostrar-te que o homem não vive só do pão, mas de tudo aquilo que procede da boca de Deus. As vestes que usavas não se envelheceram nem teu pé inchou durante esses 40 anos. Portanto, reconhece no teu coração que Javé teu Deus te educava como um homem educa seu filho, e observa os mandamentos do teu Deus, para que andes nos seus caminhos e o temas" Dt 8,1-5. Eis a dura, mas eficaz pedagogia de Javé. A instabilidade da natureza humana assim o exige. Para prevenir que a pedra firme da fé não se torne areia movediça, Javé educa, curte pedagogicamente seu povo pelas contrariedades e reveses da vida. "Quando sentiam provações que eram apenas correções de misericórdia, entendiam os tormentos dos ímpios sentenciados à cólera; pois aos teus provaste como pai que repreende, mas como rei severo que condena, castigaste os ímpios. (Por isto) não desprezes a disciplina nem te canses com a exortação de Javé; porque ele repreende os que ama, como um pai ao filho preferido. Por seus julgamentos Javé nos corrige, a fim de não sermos condenados com o mundo" Sb 11, 9-10; Pr 3,11-12; 1 Cor 11,32. A fé é um dom de Deus, que nos capacita a comunicar-nos eficazmente com Ele, mas precisamos nos apropriar dela mediante laboriosa pedagogia. A vida de fé é acompanhada de penosa educação, que inclui a prova de fogo das provações, que visam firmar nosso interesse e desejo, nossa alma em Deus. Uma vez apoiados na fé, nada nos derrubará. Para atingir tal firmeza o fiel precisa mirar-se no modelo de fidelidade ao Pai, Jesus Cristo, que, "embora fosse Filho, aprendeu a obediência pelo sofrimento; e levado à perfeição, se tornou para todos que lhe obedecem princípio de salvação eterna" Hb 5,8-9. O Pai e Maria no-lo deram como exemplo: "Eis meu Filho bem amado, no qual me comprazo, ouvi-o. Fazei tudo que ele vos disser" Mt 17,5; Jo 2,5. Jesus se apresenta a nós como o caminho para o Pai e o exemplo a seguir, com toda dureza da sua vida terrena. Assim que lavou e enxugou os pés dos discípulos, "ele retomou o manto, voltou à mesa (para instituir a eucaristia, da qual o lava-pés é o significado) e lhes disse: Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor e eu o sou. Qual o maior: quem está à mesa ou aquele que serve? Não é quem está à mesa? Porém, estou entre vós como aquele que serve. Se, pois, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, deveis vós também lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo pra que, como eu fiz, o façais vós também. Palavra dura! Quem pode escutá-la" Lc 22,27; Jo 13,12-12; 6,60. Não há outro modelo a seguir na terra ou no céu. Por isso, ouçamos a sabedoria do hagiógrafo: "Rejeitando todo pecado e fardo que nos envolve, andemos com os olhos fixos no autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, assentou-se à direita do trono de Deus (como Intercessor). Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição da parte dos pecadores pra não vos deixardes abater pelo desânimo. Ainda não resististes até o sangue no combate contra o pecado. É para a vossa educação que sofreis. Tivemos nossos pais pela carne como educadores e os respeitávamos. Não haveremos de ser muito mais submissos ao Pai dos espíritos, a fim de vivermos? Pois eles nos educaram por pouco tempo, segundo lhes parecia bem. Porém, Deus nos educa para nos comunicar a sua santidade" Hb 12,1-10. O Apóstolo Paulo entende esta linguagem: "Sei em quem pus minha fé: quem me separará do amor de Jesus? A tribulação, a angústia, a nudez, o perigo, a fome, a espada, a perseguição? Como ovelhas destinadas ao matadouro, por sua causa o dia todo somos postos à morte. Parece que Deus pôs os apóstolos em último lugar, como pessoas condenadas à morte. Tornamo-nos espetáculo pra o mundo, a humanidade e anjos. Somos loucos por causa de Cristo e vós, sensatos nele; sois fortes, nós fracos; sois tratados com honra, nós desprezados. Temos sede, fome, nudez; esvaímo-nos no trabalho manual. Até o presente somos esbofeteados, vivemos errantes; injuriados, abençoamos; caluniados, exortamos; perseguidos, suportamos. Até agora, tornamo-nos como escória universal lixo do mundo. Somos afligidos de todo lado, mas não vencidos pela angústia; acossados, mas não desesperados; derrubados, não porém aniquilados; por toda parte, sempre levamos em nosso corpo o morrer de Cristo, pra que também sua vida se manifeste na nossa existência mortal. Pois, vivemos, mas sem cessar somos entregues à morte por causa de Jesus, pra que a vida de Jesus manifeste-se na nossa carne mortal. Assim, a morte atua em nós, a vida em vós. A ninguém damos motivo de escândalo, pro nosso ministério não ter descrédito. Para ganhar o maior número possível, fiz-me servo de todos. Para os judeus fiz-me judeu, pra ganhar os judeus. Pra os que não têm lei, fiz-me como se não tivesse lei, pra ganhar os que não têm lei. Fiz-me fraco com os fracos, pra ganhar os fracos. Fiz-me tudo pra todos, pra salvar todos. E tudo isto faço por causa do Evangelho, para dele fazer-me participante. Ninguém me tirará esse título de glória. Anunciar o Evangelho não é glória para mim, mas uma obrigação que se me impõe. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho. Se o fizesse da minha iniciativa, mereceria elogios. Se o faço independentemente da minha vontade, é uma missão que se me impõe. Castigo meu corpo, mantenho em servidão, livre do pecado, servo da justiça, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de ter pregado aos outros. Recomendamo-nos ministros de Deus em tudo, por constância inalterável, em tribulações, prisões, açoites, necessidades, angústias, tumultos, fadigas, vigílias, jejuns pela sinceridade e bondade pelo Espírito Santo, pelo amor sincero, o conhecimento, a palavra de verdade, o poder de Deus, o manejo das armas da justiça de ataque ou defesa; na ignomínia ou glória, na má e na boa fama; tidos como desconhecidos, mas bem conhecidos; como impostores, no entanto, dizendo a verdade; castigados, sem ser mortos; agonizantes, porém, bem vivos; tristes, mas sempre alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração; indigentes, mas enriquecendo muitos; como não tendo nada e, no entanto, possuindo tudo. Alegro-me nos sofrimentos suportados por vós, nas fraquezas e afrontas, nas necessidades, perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu Corpo que é a Igreja. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, pra que habite em mim a força de Cristo. Ninguém mais me moleste, doravante, pois trago no meu corpo as marcas de Jesus. Em tudo isto, somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou" Rm 6,18; 8,35-37; 12,12; 1Cor 4,9-13; 9,19-20.21-23.27; 2Cor 4,8-12; 6,3-10; 12,9-10; Gl 6,17; Cl 1,24. A bravura de Jesus ante o sofrimento contagiou não só Paulo, mas também Pedro, testemunha ocular da vida de Jesus. Pedro, que passou pela experiência da fé e da apostasia, da fidelidade e negação, do pecado e do perdão, foi objeto da misericórdia de Jesus, exorta-nos: "Já que provastes que o Senhor é bom, chegai-vos a ele, a pedra viva rejeitada pelos homens, é verdade, mas diante de Deus eleita e preciosa. Igualmente também vós, quais pedras vivas, constituí-vos num edifício espiritual, que tem como alicerce os apóstolos e profetas, como pedra angular o próprio Cristo Jesus. Nele o edifício todo, bem travado, vai crescendo formando o santo templo de Deus. Vós também fazeis parte dele e no Espírito vos tornais morada de Deus. Vosso corpo é o templo de Deus e Ruah habita em vós. Dedicai-vos ao sacerdócio santo, para ofertardes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo. Oferecei vossos corpos como hóstia santa, viva, agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, pra poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável, perfeito. Nas Escrituras se lê: Eis que porei em Sião uma pedra de granito, angular e preciosa, pedra de alicerce bem firmada; aquele que puser confiança nela não será abalado. Pra vós que credes, ela será um tesouro precioso, mas pra os que não crêem, a pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a pedra angular, de tropeço, que faz cair. Eles tropeçam porque não crêem na Palavra,

pra qual também foram destinados" 1 Pd 2,4-10; Rm 12,1-6; Ef 2,20-22; 1 Cor 3,16; 6,19.

Eis a rocha inabalável sobre a qual se edifica o Corpo de Cristo: a fé em Jesus Cristo, o Rochedo de Javé. A fé nos equipa com o poder de Deus, presente em Jesus Cristo e a nós comunicado por enxertia mística no Corpo dele e incorporado por adesão a ele pela fé, que nos capacita a realizar em seu Nome, com a autoridade dele, as mesmas obras que ele faz, exercer sua tríplice missão: anunciar a boa nova, testemunhar a fé no amor fraterno e orar. Em virtude da união hipostática e da enxertia em Jesus, cada ato do fiel é teândrico como os de Jesus: tem expressão humana e valor divino. Na fé, somos rocha na verdadeira rocha que é Jesus Cristo. "Nossos pais estiveram todos sob a nuvem, todos atravessaram o mar, todos foram batizados em Moisés. Todos comeram o mesmo alimento espiritual e beberam a mesma bebida espiritual, pois bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava, essa rocha é Cristo" 1 Cor 10,1-4. A Igreja é o novo povo, novo templo, cuja pedra angular é Jesus Cristo, cuja pedra fundamental é a fé dos Doze recebida de Jesus, transmitida aos sucessores dos Doze, cujas pedras vivas são os membros do Corpo de Cristo. "Edificados estais sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual o Cristo é a pedra angular. Nele, bem articulado, todo o edifício se ergue em santuário sagrado no Senhor, e também vós nele sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus no Espírito. Eis que porei em Sião uma pedra, pedra de granito, angular e preciosa, pedra de alicerce bem firmada; aquele que nela põe confiança não será abalado. Porei o direito como regra, a justiça como nível. A pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular (de cumeeira); isto vem de Javé, é maravilha aos nossos olhos. Pois eis a pedra que colocarei diante de Josué; sobre esta única pedra há 7 olhos; eis que gravarei sua inscrição. A muralha de Jerusalém tem 12 alicerces, sobre os quais estão os nomes dos Doze apóstolos do Cordeiro. Segundo a graça que Deus me deu, como bom arquiteto, lancei o fundamento; outro constrói sobre. Cada um veja como constrói. Quanto ao fundamento, ninguém pode colocar outro diverso do que já foi posto: Jesus Cristo. Sobre este fundamento, se alguém constrói com pedras preciosas, ouro e prata, madeira, feno ou palha a obra de cada um será posta em evidência. Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e sois vós esse templo" Ef 2, 19-22; Is 28,16-17; Zc 3,9; Ap 21,14; 1 Cor 3,10-17. A comunidade de fé é o Corpo de Cristo, cuja Cabeça é Jesus. "Vosso corpo é o templo de Ruah que está em vós, que recebestes de Deus. Não pertenceis, pois" 2 Cor 6,19. Templo construído, não mais com pedras terrenas, mas com pessoas de fé, pedras vivas com a pedra que é a fé de Pedro, recebida de Jesus, a Rocha que veio do céu. A fé apostólica, recebida de Jesus em nome de todo o povo que ele salvou, é a rocha firme sobre a qual está edificada a comunidade de fé sonhada por Jesus, que Paulo chama de Igreja: ek-klesiaàkleô = chamar, convocar, tirarde um lugar pra outro = ek), garantindo apoio, segurança, estabilidade, felicidade. Ekklesia não é lugar físico, mas ético, teologal onde se reúnem os que comungam da mesma fé em Jesus e desejam viver o ideal de fraternidade implantado por ele na terra. O povo de Deus foi trazido da diáspora e da escravidão pra Terra onde mana leite e mel, reunido num lugar seguro, a comunidade inspirada no direito e na justiça, cuja mentalidade contraria o jeito de viver do mundo da opressão, onde vigora a falta de respeito ao direito, onde o egoísmo é a lei. As pessoas que aderem à comunidade inspirada na solidariedade são pedras vivas que entram na edificação da nova Morada de Deus com seu povo, solidamente fundada, resistente às ciladas do mundo ímpio. A mentalidade da Igreja é a santidade; a lei que rege

a conduta dos seus membros é a partilha, a solidariedade, o respeito de uns pelos outros, o

amor fraterno. Contra essa Rocha poder estranho algum ao de Deus prevalecerá. A Rocha

é Javé, Jesus, Aquele que foi, que é e será. Javé é Deus santo, porque é Deus ético. A espinha dorsal da ética é o direito e a justiça.

A salvação é pela fé em Jesus Cristo, sem embargo da vida ética pregressa do fiel. Dimas tinha vida pregressa eticamente perversa, pois era ladrão. Mas, ganhou a salvação quando, pregado na cruz ao lado de Jesus, invocou a misericórdia do Redentor: "Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu reino. Jesus respondeu: Em verdade, digo-te, hoje estarás no Paraíso comigo" Lc 23,42-43. A vida pregressa eticamente errada do ladrão não foi óbice para ele se salvar, já que recorreu ao meio adequado de salvar: a fé em Jesus Cristo. "Javé perdoa os pecados do perverso sem guardar lembrança deles", nem cobrar reparação pelos desaforos sofridos do pecador. Se ele se arrepende sinceramente e aceita o perdão divino, de imediato é aceito na amizade de Deus, enxertado no tronco e começa a viver da vida da videira. Não interessa a Javé o passado do pecador, mas seu futuro.Mas, vida pregressa à parte, só permanece unido à videira, vivendo da sua vida, quem, a partir da adesão de fé, praticar o direito e a justiça, os valores éticos fundamentais do Reino de Deus. Javé exige de quem crê a prática do direito e da justiça, pois crer consiste em incorporar os valores e avida conaturais à SS Trindade, a origem da fé e dos valores éticos do fiel. Quem vive pela fé incorpora os valores de Jesus e pratica as obras que ele pratica. O primeiro sinal da falta de fé é a mente tortuosa e a prática da injustiça. A iniqüidade desfia a santidade e provoca ira de Javé. Não há como compactuar a santidade de Javé com maldade. A santidade de Javé se expressa na prática do direito e da justiça, lugares teológicos privilegiados, lugares de encontro com Deus. Quem pratica o direito e a justiça está praticado o amor em Nome de Deus. O amor é o principal lugar teologal, porque é a expressão da santidade de Deus. O amor que se traduz em respeito e cuidado de Javé por seus filhos e filhas, no respeito e cuidado dos filhos de Deus uns pelos outros, aliados dele na construção do Reino de Deus e nosso. Jesus, o Filho amado Pai, é o Justo, o santo por antonomásia, cuja retidão traduz-se na misericórdia com os pecadores, os mais fragilizados porque distantes de Deus, ainda que ele não cometa injustiça, não faça acepção de pessoas com o fito de proteger os fracos. Por ser parte da aliança eterna de Jesus conosco, não podemos compactuar com a injustiça, com a opressão, sob pena de nos desligarmos da videira, de sermos ramos secos que serão cortados e queimados. Um galho vivo da videira pratica o direito e a justiça, denuncia todo desrespeito à santidade de Javé, ao amor por Jesus Cristo e os valores do Reino de Deus. A fiel e obediente serva de Javé, Maria, pautava a vida pelo direito e a justiça e expressava profundo senso ético quando proclama: "Minha alma glorifica Javé porque olhou para sua humilde serva, derrubou os poderosos dos seus tronos, elevou os humildes, saciou de bens os famintos, despediu de mãos vazias os orgulhosos, conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade pra sempre". Maria invoca Abraão como referencial ético, por ele ser, em primeiro lugar, referencial da fé do povo. Abraão não agradou Javé com sacrifícios, oração bajulatória, mas oferecendo pão e vinho pelas mãos do sacerdote do Altíssimo, Melquisedeque, e entregando-lhe, sem hesitação, o filho único, Isaac. Nisto se manifesta sua prática do direito e da justiça. Por isso o hagiógrafo diz: "Abraão creu em Javé  praticou a fé  e lhe foi tido em conta de justiça" Gn 15,6. A fé do Patriarca tornou-se paradigma para todo aquele que crê em Jesus Cristo. Sem prática do direito e da justiça a fé cai no vazio do falso louvor. Não adianta querer agradar Deus com oferendas e belas orações, mas viver na injustiça. Javé abomina a mente tortuosa, a conduta perversa. "Eles me buscam todos dias, mostram interesse em conhecer meus caminhos, como se fossem a nação que pratica a justiça, não abandona o direito estabelecido por seu Deus. Pedem leis justas, mostram interesse em estar junto de Deus. E me perguntam: 'Por que temos jejuado e tu não o vês? Temos mortificado nossas almas e tu não tomas conhecimento disto'? A razão é esta: no mesmo dia do vosso jejum, correis atrás dos vossos negócios, explorais os vossos trabalhadores; jejuais pra ferirdes com punho perverso, entregar-vos a contendas e rixas. Não continueis a jejuar como agora se quereis que vossa voz seja ouvida nas alturas! Por acaso é este o jejum que escolhi, um dia em que o homem mortifica a sua alma? É por acaso inclinar a cabeça como junco, fazer a cama sobre pano de saco e cinza, que chamais jejum, dia agradável a Javé? Que me importam vossos inúmeros sacrifícios? Não gosto de vossas reuniões, odeio, desprezo vossas festas. Pois, se me ofereceis holocaustos, vossas oferendas não me agradam, não olho pro sacrifício de vossos animais cevados. Estou farto de holocausto de carneiros e gordura dos bezerros cevados; não tenho prazer no sangue de bodes, touros e carneiros. Quando vindes à minha presença quem vos pediu que pisásseis meus átrios? Afasta de mim o ruído de teus cantos, não posso ouvir o som de tuas harpas. Basta de trazer oferendas vãs, que me são incenso abominável: não posso suportar juntas iniqüidade e solenidade. Acaso, oferecestes-me sacrifícios e oferendas no deserto, durante quarenta anos, casa de Israel? Minha alma as detesta, elas são para mim um fardo; estou cansado de carregá-lo. Quando estendeis as vossas mãos, desvio de vós meus olhos; ainda que multipliqueis a oração, não vos ouvirei. Vossas mãos estão cheia de sangue: lavai-vos, purificai-vos. Tirai da minha vista vossas más ações. Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem: buscai o direito, corrigi o opressor! Defendei a causa da viúva, fazei justiça ao órfão. Por acaso não consiste nisto o jejum que escolhi: soltar as ataduras do jugo, pôr os oprimidos em liberdade, despedaçar todo o jugo, romper os grilhões da iniqüidade? Não consiste em repartires teu pão com o faminto, recolher os pobres desabrigados em tua casa, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes daquele que é tua carne? Se fizeres isto, então, poderemos discutir. Mesmo que vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim tornar-se-ão como lã. Se estiverdes dispostos a ouvir, comereis o fruto precioso da terra e a tua luz romperá como a aurora, a cura das tuas feridas se operará rapidamente, tua justiça irá à tua frente e a glória de Javé irá à tua retaguarda. Que o direito corra como a água e a justiça como um rio caudaloso. Então clamarás e Javé responderá, clamarás por socorro e ele dirá: 'Eis-me aqui'! Isto, se afastares do teu meio o jugo, o gesto ameaçador e a linguagem iníqua; se te privares para o faminto, se saciares o oprimido, a tua luz brilhará nas trevas, a escuridão será para ti como a claridade do meio-dia. Javé será teu guia continuamente, te assegurará a fartura, mesmo em terra árida; ele revigorará os teus ossos, e tu serás como um jardim regado, como uma fonte borbulhante, cujas águas nunca faltam. Mas se vos recusardes a ouvir e vos rebelardes, sereis devorados pela espada" Is 1, 11-20; 58,1-12; Am 5,21-25.

Eis aí a seriedade vivência dos valores éticos, vivência da fé que é o carimbo das orações. Por mais fervorosa que seja, oração alguma chega a Deus se não é associada à vida ética. Por isso, o óbice para viver na intimidade com Deus não está em Deus, mas em quem vive se omitindo na prática do direito e da justiça, e com as mãos vazias do bem e sujas do mal, tentando enganar Deus com lindas orações vazias. "Não, a mão de Javé não é muito curta pra salvar nem seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram, vossas iniqüidades que criaram um abismo entre vós e Javé. Por causa dos vossos pecados Ele escondeu seu rosto de vós, para não vos ouvir. Pois, vossas mãos estão machadas de sangue e os vossos dedos, de iniqüidade; vossos lábios falam mentira, vossa língua profere maldade. Ninguémacuse com justiça, mova uma causa com lealdade. Eles põem sua confiança em coisas vãs, falam falsidade, concebem trabalheira, dão à luz a iniqüidade. Seus trabalhos são iníquos, ações violentas estão em suas mãos. Seus pés correm para o mal, apressam-se em derramar sangue inocente. Seus pensamentos são iníquos: ruína e devastação estão em suas veredas. Por isto, julgamento reto está longe de nós, justiça não está ao nosso alcance. Esperávamos a luz, mas vieram trevas; a claridade, mas caminhamos na escuridão. Pois, são numerosas nossas transgressões contra Javé, nossos crimes testificam contra nós. Conhecemos nossas iniqüidades, presentes estão nossas transgressões: rebelar-nos, negar Javé, afastar-nos dele; proferir violência e revolta, conceber e meditar a mentira. O direito foi expelido e a justiça, mantida à distância, pois a verdade estrebuchou na praça e a retidão não pode apresentar-se. Javé viu e lhe pareceu mau que não houvesse direito. Então seu braço veio em socorro dele e a justiça o sustentou. Virá um redentor de Sião, aos que se converterem da rebelião. Procurai Javé enquanto pode ser achado, invocai-o enquanto está perto. Abandone o ímpio seu caminho e o homem mau, os seus pensamentos, e volte para Javé, pois terá compaixão dele"Is 55,6-7;59,1-15.20. O redentor de Sião é a Pessoa do Filho humanado, que assumiu vicariamente os pecados do povo, frutos da vida sem ética. Javé lhe fará justiça, pois vive com ética: "E tem feito tudo bem" Mc 7,37. Fazer tudo bem feito é imitar o Criador que fez tudo bom, muito bom. Fazer tudo bem feito é a santidade. Jesus fazia tudo como viu o Pai fazer. Fazendo tudo bem feito, Jesus presta culto perfeito ao Pai e desagrava os crimes do povo contra o direito e a justiça. Ele é a encarnação da paciência divina com a fraqueza do povo pecador. Em Jesus, o Pai dá ao povo toda oportunidade e tempo suficiente para se converter à prática dos valores do Reino. Jesus revela que o Pai como modelo de perfeição ética, paciência e respeito por seus filhos, até pelos 'maus e ingratos'. É surpreendente este aspecto da santidade de Javé revelado por Jesus. A santidade de Javé é ofendida pela vida errada do povo; ele ameaça o povo de vingança e destruição. O povo esperava aterrorizado o dia da vingança de Javé. "Ai daqueles que desejam o dia de Javé! Para que vos servirá o Dia de Javé? Tremam todos os habitantes da terra, pois está chegando o Dia de Javé. Ele será trevas e não luz. Ele é escuridão sem claridade. Um Dia de escuridão e de trevas, dia de nuvens e obscuridade. Dia de ira, aquele dia, de angústia e tribulação, dia de devastação e destruição. Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele. Ou entra em casa, coloca a mão na parede e a serpente o morde" Am 5,18-20; Sf 1,15; Jl 2,1-2. Com imagens fortes os profetas tentam incutir no coração do povo a seriedade da prática da justiça e do o direito, da vida ética. O povo sabe disso, a expectativa é aterrorizante. Mas o Dia de Javé chegou tão suavemente na Pessoa do Menino Jesus que ninguém se deu conta. Em vez de dia de ira, de louvor no céu e na terra. "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama" Lc 2,14. Paz na terra, em vez de pânico e pavor. "Solta gritos de alegria, Israel, rejubila, filha de Sião! Exulta de todo coração, alegra-te, filha de Jerusalém. Javé revogou tua sentença, eliminou teu inimigo. Javé, rei de Israel está no meio de ti, não mais verás a desgraça. No Dia de Javé será dito a Jerusalém: Não temas, Sião! Não desfaleçam tuas mãos! Javé, o teu Deus, está no meio de ti, um herói que salva (não pilha os vencidos). Ele exulta de alegria por tua causa, renovar-te-á por seu amor, se regozija por tua causa com gritos de alegria, como nos dias de festa" Sf 3,15-18. Misericórdia, em

vez da ira. A tolerância que dá nova oportunidade ao faltoso, em lugar do castigo.

Este é Deus da minha fé, personificado em Jesus Cristo, que vive comigo uma amizade e comunhão de vida que o mundo não vive ou entende. Ele povoa meus sonhos, preenche minha solidão, apazigua meu coração atribulado, sacia minha sede de justiça, me reanima nas horas de desalento. Ele é meu perdão, minha auto-estima, certeza que vale a pena viver e arriscar a vida pelos valores do Reino. Ele é minha luz, vida, alegria, paz, o sentido pleno do meu peregrino viver. Ele é meu ponto de partida, meu ponto de chegada, meu caminho seguro, meu dia, minha noite: meu Princípio, meu Fim. A ele minha sincera amizade, meu amor fraterno; a ele adora, porque ele é meu único Deus. Nele, por ele, com ele refugio-me, vivo, permaneço até quando parece longe. Ninguém me ama mais que ele; ninguém amo mais que Ele. Seu Nome é Jesus, o Cristo enviado do Pai, o portador da consoladora Mãe, que, com o Pai, me gera filho todos os dias pela fé. Ao Deus da minha vida, do meu destino, trino e uno todo o meu amor, todo o meu louvor, toda a minha gratidão.

·Javé é Deus tolerante, em nome da justiça. Tolerância não é permissividade com o mal. A tolerância, virtude dos fortes não dos covardes, caracteriza quem usa o poder pra o bem, não para humilhar. É deste quilate a tolerância de Javé, Deus ético por antonomásia. Por isso, os que vivem pela fé e levam vida ética são tolerantes. Mas os insensatos, eticamente fracos, são intolerantes, violentos, pretendem a justiça pela força. Confundem poder com a ignorância, com força bruta. Ora aforça da ética é a autonomia da pessoa, que livremente assume o próprio destino. Os intolerantes são autoritários e querem o poder pra controlar a liberdade alheia. Ora, não é este o espírito do poder de Javé. "Javé, o teu grande poder está sempre ao teu serviço. Fazer uso do poder está ao teu alcance quando queres. Quem pode resistir à força do teu braço? Como o grão de areia na balança, é o mundo inteiro diante de ti, como gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra. Mas te compadeces de todos, pois tudo podes; fechas os olhos ante os pecados dos homens para que se arrependam. Pouco a pouco corriges e admoestas os que caem, lembrando-lhes as faltas, para que se afastem do mal e creiam em ti. Javé, porque todos são teus, os perdoas, pois amas a vida. Sim, tu amas tudo que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se tivesses odiado algo, não o terias feito. E como poderia algo subsistir, se não a tivesses querido? Como conservaria a existência, se não a tivesses chamado? Com medida, peso e número tudo dispuseste. Por seres justo, governas o universo com justiça, estimas incompatível com teu poder condenar quem não merece castigo. Pois tua força é o princípio da justiça e por seres o Senhor de todos, todos perdoas com justiça. Dominando tua força, julgas com moderação e governas-nos com muita indulgência" Sb 11,20-12,1-2;15-16.18. Javé é o Deus da minha fé, que me conhece e que eu conheço, me ama e eu amo. Ele me conquistou desde que conheci sua Palavra e descobri a imensidão da sua misericórdia, o tamanho de sua bondade, sua ternura de Pai, o calor de seu coração de Mãe, o companheirismo do Filho, que me fez seu irmão, membro da família divina. Tudo isto somado configura a natureza da tolerância do Deus que ama perdoar, não condenar. Tolerância é a marca indelével, o caráter de Javé, Deus de Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Profetas, Jesus Cristo, do Pai da misericórdia, da compaixão, cuja bondade estende-se a toda criatura, do céu e da terra. "Javé, Javé, Deus de compaixão e piedade, lento pra cólera, cheio de amor e fidelidade; que guarda o seu amor a milhares, tolera a transgressão, a falta, o pecado. Javé é um fogo devorador, Deus ciumento, que não deixa alguém impune, mas castiga a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos até a terceira, quarta geração dos que o odeiam, mas também age com amor até a milésima geração pra aqueles que o amam e guardam seus mandamentos. Bendiz Javé, minha alma, e tudo que há em mim, seu santo nome. Não te esqueças de nenhum dos seus benefícios. Toda culpa tua ele perdoa e cura todos os teus males. Ele faz justiça aos oprimidos, realiza atos justos. Javé é compaixão e piedade, lento para a cólera, cheio de amor; seu rancor não dura para sempre, não vai perpetuamente disputar. Não nos trata segundo nossos erros, nãonos devolve segundo nossas culpas. Javé é compassivo com os que o temem (crêem nele) como um pai é compassivo com os filhos; porque conhece nossa estrutura, sabe que somos pó" Ex 20,5-6; 34,6-7; Dt 4,24; Sl 102(103),1-3.6.8-10.13-14. A tolerância de Javé vem da sua justiça: sabe que somos fracos, contém seu poder. Por isto, tolerar o mal não é omitir-se diante dele, fazer de conta que não existe, nada fazer para extirpá-lo. Tolerar pecados e transgressões é levar em conta a fragilidade humana, ter paciência proativa com os faltosos e viver em paz com os transgressores, dando tempo à conversão deles. Antes deste estágio da revelação, os hagiógrafos mostravam Javé como justiça implacável, amargo remédio do pecado. Depois, observando o sofrimento decorrente da rebeldia do povo, descobriram que a tolerância de Javé é maior que sua vingança, que se tornou misericórdia que perdoa. A fragilidade humana, a possibilidade conatural de falir, a concupiscência, tendência natural ao maltornou-se poderosos álibis dos pecadores diante de Javé. Ele sentiu que não é justo castigar quem não merece, pois erra mais por fraqueza que por maldade deliberada. Tendo isto em vista, a justiça que acusa e condena tornou-se tolerância que acolhe aquele que cai, compaixão que perdoa quem erra. Tolerância, paciência, compaixão, misericórdia, perdão das dívidas provam a largueza do coração de Javé, que tem prazer em perdoar, não perder. Refletindo esta característica de Javé, Jesus diz: "Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. Pois Deus não enviou seu Filho para condenar, mas para salvar o mundo. Quando ainda éramos fracos, no tempo certo Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; por um homem de bem, talvez se disponha a morrer. Mas Deus provou seu amor pra conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores. Por isso, quem nele crê não será julgado, pois passou da morte à vida, pela fé. Manifestou-se nisto o amor de Deus por nós: ele enviou seu Filho único ao mundo para vivermos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos Deus, mas ele nos amou e enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados" Jo 3,17; Rm 5,6-8; 1 Jo 4,9-10.19. A vida etica desregrada causa sofrimento, comove o coração do Pai misericordioso e Jesus Cristo, seu enviado, que assumiu toda a desgraça humana e a destruiu na morte de cruz. É isto que significa vítima de expiação pelos pecados, que se origina no bode expiatório do AT. Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, pela expiação vicária das nossas culpas. Com isto, aproximou os pecadores novamente de Deus, pois o pecado havia-nos afastado dele. Durante a vida pública, Jesus prova a tolerância do Pai deixando-se tocar, abraçar, se aproximando dos pecadores, ouvindo as necessidades, curando-lhes males físicos, morais, sociais, espirituais. Fariseus, doutores da Lei afastavam-se do povo pra não contaminarem-se, pois consideravam impuros os que não cumpriam a Lei. Jesus, o Santo de Deus declaraque o que suja o ser humano não é o que vem de fora, mas o que vem de dentro do coração malicioso: maus propósitos, más palavras, ódio, todo lixo ético. Por isso Jesus misturava-se com os pecadores sem medo de ser contaminado, mas para purificá-los, santificá-los, elevar sua auto-estima, eliminando a paralisia psicológica que os impede de ser alguém, os levando a conquistar lugar na sociedade. Jesus inaugura a nova lei do amor sem restrição, particularmente com os marginalizados pelas autoridades do Templo. Fariseus e doutores da Lei condenavam a aproximação de Jesus da massa de miseráveis, que era tratada com desdém: "Se fosse santo, não comeria com os pecadores. Se soubesse quem é esta mulher, não a deixaria lhe lavar os pés e enxugá-los com os cabelos". E Jesus lhes respondia: "Não os sadios, mas os doentes carecem de médico; não os santos, mas os pecadores carecem de salvação. Eu vim buscar e salvar as ovelhas perdidas de Israel". Jesus personifica o amor tolerante, a compaixão de Javé com os mais pobres dos pobres, os pecadores. A massa dos marginalizados como ovelhas sem pastor percebia o carinho de Jesus por eles e sentiam-se amados. Tolerando as faltas, Jesus era trigo (misericórdia) no meio do joio (coração duro), sem passar para o lado do joio, sem se tornar joio, sem deixar de ser santo. O tolerante não perde a identidade por misturar-se com pessoas de má fama, discriminadas pela sociedade, mas se dá bem com todos pra tentar ganhar todos. "Ainda que livre em relação a todos, me fiz servo de todos pra ganhar o maior número possível. Para os judeus fiz-me como judeu, pra ganhar os judeus. Pra os fracos, fiz-me fraco, pra ganhar os fracos. Tornei-me tudo pra todos, para salvar alguns a todo custo. Tudo isto, faço-o por causa do Evangelho, pra dele tornar-me participe" 1 Cor 9,19-23. Paulo agia movido pela fé no "Pai de Jesus e nosso, Pai da misericórdia, Deus de toda consolação. Ele nos consola nas nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em toda tribulação, pela consolação que recebemos de Deus. Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copiosos pra nós, igualmente é copiosa nossa consolação" 2 Cor 1,3-5. Consolação típica de Deus-Mãe, que dá a vida à criação intratrinitária, à temporal e regeneração universal operada por Jesus Cristo.

Eis a boa notícia que Jesus revelou para o mundo e que trouxe alegria aos pecadores: o

Pai nos ama com amor sem limite e, em nome desse amor, nos perdoa todas as faltas sem

guardar lembranças delas ou olhar nosso passado. Esta notícia é tão fabulosa e radical que o Apóstolo das Gentes sentencia: "Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregássemos evangelho diferente daquele que vos pregamos e que recebestes, seja banido" Gl 1,8-9. Não há notícia mais nova, sempre renova, eternamente nova mais que esta: o Pai de Jesus também é nosso Pai e nos ama com a mesmo amor que dedica ao Filho unigênito, pois uniu-nos nele como ramos na videira, e por ele vivemos da mesma vida que alimenta a Família Divina. Paulo diz extasiado: "Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carnevivo-a pela fé no Filho de Deus que me amou e por mim se entregou" Gl 2,20. A prova cabal do amor, da tolerância do Pai com seus filhos e filhas pecadores é que nos deu seu Filho único quando inda éramos pecadores, sem mérito, cacife algum da nossa parte. "Quando ainda éramos fracos, no tempo certo Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; talvez se disponha a morrer por um homem de bem. Mas Deus demonstrou seu amor para conosco pelo fato de Jesus ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores. Ninguém tem maior amor que quem dá a vida por seus amigos. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos Deus, mas ele nos amou primeiro e enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados. Deus, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo e com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus. Quem não poupou o próprio Filho mas o entregou por nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele? Não existe mais condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo, pois ele é nosso perdão" Rm 5,7-8; 8, 1.32; Jo 15, 13; 1 Jo 4,10.19; Ef 2,4-7. Em comparação com a intolerância humana, é incomensurável a tolerância de Deus com os que erram face ao castigo merecido, sem prejuízo da sanção contra o faltoso. Não se trata, porém, de sanção jurídica, mas de sanção moral, de correção para a salvação. "Javé castiga a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos seus filhos, até a terceira, quarta geração dos que o odeiam, mas também age com amor até a milésima geração em favor dos que o temem. Ele não nos castiga na proporção de nossas faltas, mas segundo a imensidão da sua misericórdia, porque sabe o pó que somos". É comovente a tolerância de Jesus com Levi, Zaqueu, a mulher adúltera, os outros discípulos e a multidão ignorante. É desconcertante a tolerância do Pai com o filho pródigo, porque "sabe o pó que somos", fragilidade. Ao invés, Jesus era extremamente severo com os arrogantes fariseus, que não arredavam uma palha, mas punham pesados fardos nos ombros do povo ignorante. O critério ético deles era a letra, não espírito da Lei, a misericórdia. Deus tolera a fraqueza do pecador, dá tempo à conversão, não o julga de imediato. Por isso não admite moralismo severo contra o pecador, julgamento apressado, sem misericórdia, que, além de condená-lo o desestimulam a reerguer-se. O irmão mais velho que sempre foi submisso ao pai ficou revoltado com a tolerância dele com o filho caçula que optou por viver livremente, e ainda esbanjou por antecipação a parte da herança que lhe cabia. Ele se achava com mais direito que o irmão mais novo pelo fato de ter cumprido fielmente a Lei. Não entendeu que a nova justiça chama-se misericórdia, que é a tolerância de Deus levada ao extremo.

·Todas as qualidades do Criador e Salvador se resumem na revelação da sarça ardente: "Eu sou aquele que é": Eu sou capaz de criar e salvar. "Sou" kairológico, não cronológico. Chrônos é o tempo da condição material da criatura, dividido em passado, presente, futuro.

Para o filósofo grego Aristóteles, "o tempo é a medida do movimento", característico da mobilidade, transitoriedade, espaço-temporalidade das coisas criadas. Kairós é o tempo de Deus, unitário, indivisível, imutável, eterna Presença criadora de Deus Uno e Trino. Antes da encarnação do Filho Unigênito, Javé amava seu povo, morava e andava com ele sob a tenda no deserto (shekiná). A presença de Javé, embora fascinante, parecia tão temível que o povo nem sequer ousava pronunciar seu nome, temendo ser fulminado por seu ofuscante esplendor, delegando a Moisés a tarefa de interceder pelo povo. Moisés, homem de fé, não tinha medo de Javé, que "falava com Moisés como um homem fala com um amigo". Para não falar o nome de Javé, o povo usava circunlóquios, imagens para representá-lo: Senhor dos Exércitos, Rochedo, Abrigo, Porto. Mas, a encarnação do Verbo acabou o mistério e o medo da envolvente presença de Javé. Assumindo um corpo humano, Javé fez-se palpável, deixou-se ver, tocar na Pessoa de Jesus, o Filho Unigênito, o Primogênito de toda criatura, filho de Maria e José. Com Jesus podemos falar sem medo, como um irmão fala ao outro e falam ao mesmo Pai: Aba, o querido Pai, como Jesus chamava o seu e nosso Pai e Ruah, a sua e nossa Mãe. Ao invés do Deus coruscante e temível, Jesus revelou o Pai de bondade infinita, misericordioso, que ama perdoar os filhos pecadores, mas detesta o cinismo dos poderosos com os pequenos, a humilhação que os legalistas infringem aos que declaram pecadores. Maria sabe disso: "Javé olhou para sua humilde serva, derrubou os poderosos de seus tronos e elevou os humildes, saciou de bens os famintos, despediu de mãos vazias os ricos, lembrado da sua misericórdia, como prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua descendência para sempre". Jesus revelou o Pai, não por inspiração de Deus Mãe ou ouvir dizer, mas porque o viu pessoalmente, provou a bondade e privou da sua intimidade, pois "é Deus desde o princípio e estava com Deus desde o princípio. Alguém jamais viu Deus; mas o Filho único, que é Deus e vive na intimidade do Pai, o deu a conhecer. Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que seu senhor faz; chamo-vos amigos, porque tudo o que ouvi do meu Pai, dei-vos a conhecer. O Pai vos ama, ama tanto o mundo que entregou o único Filho, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. O Verbo se fez carne e habitou entre nós, vimos a sua glória, glória que ele tinha junto ao Pai antes da fundação do mundo, como o Filho único, cheio de graça e verdade. Glorifica-me, Pai, com a glória que eu tinha junto de ti antes que mundo existisse". A bondade do Pai está refletida na misericórdia do Filho. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Por isso, quem vê o Filho vê o Pai (e Ruah). Ele é a Imagem do Deus invisível, reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade do Pai, ícone de sua bondade, resplendor de sua glória, a expressão do seu ser. O Filho tem a condição divina  é Deus como o Pai e Deus Mãe  mas não considerou o ser igual a Deus como algo a que ciosamente apegar-se. Mas esvaziou-se a si mesmo (da glória a ele devida), assumiu a condição de servo, tomou a semelhança de homem" (é homem como nós e conosco partilha a fraqueza da condição humana, exceto o pecado). E, achado na figura de homem, humilhou-se, foi obediente até a morte, morte de cruz. Graças a essa vontade (decisão de encarnar-se e entregar-se por nós, em nosso favor e em nosso lugar livremente) é que somos santificados, uma vez por todas, pela oferenda do corpo de Cristo. Tudo me foi entregue pelo Pai; ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Pai o quiser revelar. O Pai me ama, eu amo o Pai. O Pai me conhece, eu conheço o Pai. O Pai vos ama, eu vos amo também. Ficai feliz, pequeno rebanho, porque agradou ao Pai dar-vos o Reino. É dado a vós conhecer os mistérios do Reino. Mas os doutores e sábios, ele os ensurdece e cega, para que, ouvindo não escutem, vendo não vejam. Louvo-te, Pai, Senhor da terra, do céu, porque escondestes estas coisas aos doutores e sábios e as revelastes aos pequeninos (que crêem). Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Às gerações e homens do passado não foi dado conhecê-lo, como agora o revela a seus santos e profetas em Ruah: os gentios são co-participantes e co-herdeiros das promessas, membros do Corpo de Jesus, através do Evangelho (ouvido, que os desperta para a fé e vida nova no Cristo Jesus). A mensagem de Jesus era mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos, mas agora, manifestado, pelos escritos proféticos e disposição do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios, para levá-los à obediência da fé. O Paráclito, Deus Mãe que o Pai enviará no meu Nome, vos ensinará e recordará tudo que vos disse". Ruah é o coração, a memória de Deus Trino e da nossa fé, das coisas que cremos e vivemos; ela nos fará recordar, tirar do mais íntimo do coração (cor, cordis,) as lembranças (as coisas que Jesus falou e esquecemos) e revivê-las agora e aqui, com a atualidade e validade que tiveram quando Jesus as anunciou. A fé judeu-cristã se fundamenta na anámnesis, memória viva dos eventos salvíficos realizados a favor de seu povo uma vez por todas: fatos, eventos historicamente registrados (chrônos), mas com validade para todos os tempos e lugares (kairós). Deste molde é a Páscoa judaica e o sacrifício paradigmático de Jesus. "Lembra-te, Israel, Javé nosso Deus é o único Deus. Fazei isto em memória de mim". Os judeus fiéis conhecem esse sistema. Depois que Maria e José encontraram Jesus no Templo discutindo com os doutores e o repreenderam por ter-se desgarrado da caravana sem avisá-los, Jesus lhes disse: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa do meu Pai? Eles, porém, não compreenderam a palavra que lhes dissera. Mas, sua mãe conservava no coração a lembrança de todos esses fatos". Os que ouvimos a Palavra de Jesus não a entendemos sempre de imediato, mas a guardamos no coração, a recordamos e meditamos (movendo o coração) quando a lemos e celebramos os eventos salvíficos por meio dos sacramentos da fé, sinais eficazes que nos comunicam, pela fé a vida de Deus que está em Jesus Cristo, e quando vivemos eticamente, praticamos as obras da fé. A liturgia cristã faz memória dos eventos salvíficos de Jesus Cristo, agora e aqui, com idênticos efeitos, atualizando os mistérios da salvação realizados em nosso favor pelo sacrifício expiatório do Filho Primogênito. Quando da anámnesis, fazemos a epiclese, invocamos o poder de Deus Mãe, para que, mediante nossa fé, conosco se faça presente a graça salvífica do sacrifício expiatório do Cordeiro de Deus. Guardamos no coração o que não entendidas da Palavra e dos mistérios celebrados. Pela oração e meditação incessante da Palavra e vivência da fé e boas obras, Ruah aos pouco nos fará entender o sentido dos mistérios, conforme recomendação Jesus: "Vigiai, orai pra não cairdes na tentação (não vos desviardes do caminho ético). Quando o Espírito da Verdade vier, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, anunciar-vos-á as coisas futuras": os mistérios e as verdades da fé implícitas na revelação feita por Jesus Cristo que ainda não havíamos entendido. "Ele me glorificará (ratificará a revelação que fiz do Pai), pois receberá do que é meu e anunciar-vos-á. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse: o Paráclito receberá do que é meu e vos anunciará. As palavras que vos anuncio não são minhas, mas do Pai que me enviou: nada faço por mim mesmo, mas falo a verdade que ouvi e como me ensinou o Pai. Se permanecerdes na minha palavra (crerdes em mim), pedireis tudo que quiserdes ao Pai em meu Nome (como se eu pedisse) e ele vos concederá: sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" Mt 11,25-27;13,11;Fl 2,6-8; Jo 1,14; 3,16; 8,42.40; 10,15; 14,26; 15,15; 7,5; Lc 1,48.52-55; 2,49-51; Ef 3,5; Rm 16,26; Sb 7,26; Hb 1,3;10,10; Cl 2,9. Eis aí, em plena luz, as maravilhas da salvação, palavras e processos de vida revelados pra nosso crescimento na fé, na intimidade e amizade com a SS Trindade, por meio de Jesus Cristo, "Aquele que foi, que é e será, Alfa e Ômega, o Primeiro e o Último, Princípio e Fim de todas as coisas". Os que cremos em Jesus ficamos felizes ao vê-lo e ouvi-lo explicitar o sentido pleno do Eu sou', latente nas palavras de Javé a Moisés na teofania da sarça ardente. Jesus se identifica com o Deus Abraão, Isaac e Jacó, dos Patriarcas e Profetas, quando diz de si mesmo: Eu sou a água viva: quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Eu sou o pão da vida, o pão vivo descido do céu: quem comer deste pão viverá eternamente. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta viverá por mim. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto. Como por si mesmo o ramo não pode dar fruto se não permanecer na videira, igualmente se não permanecerdes em mim. Eu sou a luz que ilumina todo homem que vem ao mundo: quem me segue não anda nas trevas, mas tem a luz da vida. Eu sou o caminho, a verdade, a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se permanecerdes na minha palavra sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e ela vos libertará. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. Eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de mim. Eu sou a porta: a ovelhas que entra por mim será salva; entrará e sairá, encontrará pastagem. Eu conheço minhas ovelhas e elas me conhecem. Elas ouvem minha voz, chamo-as uma a uma e as conduzo pra fora, para os rios de água limpa, para as verdes pastagens. Eu sou a tenda, vós, as pedras vivas que edificam a tenda, a shekiná de Javé. Se alguém me ama, guarda minha palavra, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos morada nele. Eu sou Aquele que é, sempre o mesmo, amanhã, ontem, hoje, fiel aos propósitos e palavras, cumpridor das suas promessas. Eu sou traduz, pois, a eterna atualidade, presença inarredável do Deus trino e uno no meio do seu povo, ecoando Eu Sou intratrinitário antes da criação do mundo, revelado em Jesus Cristo, Emanuel, Deus-Conosco, nosso Eu sou na eterna ação salvíficas por nós. Um evento salvífico do passado tem atualidade e validade para todos os tempos e lugares, porque Deus é. Toda vez que a comunidade, com o poder e a autoridade dada pela em Jesus, fala e faz em sinais (sacramentos) o que ele fez de fato, ela faz memória, atualiza, faz valer aqui e agora o evento salvífico passado (chrônos), mas no Eu sou de Deus Trino (kairós). O que Deus realiza uma vez (kairós), realiza-o pra todas as outras vezes na sucessão do tempo (chrônos). Da sua parte, o evento salvífico é único e inrepetível. Quando o povo o celebra na fé, o reproduz em simbolos, sinais sensíveis, mas com a mesma validade do evento salvífico realizado uma vez por todas (kairós). Por força da palavra autoritativa de Jesus quando do evento histórico, os simbolos têm valor idêntico ao evento, toda vez que a comunidade, autorizada por Jesus, pronuncia suas palavras sobre os sinais. Mas, pra o sacramento ter para nós, aqui e agora, o valor e efeito idêntico ao que teve o evento histórico que o embasa, precisamos nos ligar pela fé à intenção salvífica daquele fato. A fé é o poder divino em nós, que nos capacita a realizarmos no Nome Jesus as obras que ele realizou no passado, porque Eu Sou. "Aquele que crê em mim faz o que eu faço, e até mais coisas, porque vou para junto do Pai", onde vivo no eterno presente, no kairós da eterna vigília do indormido Deus de Israel, Javé, Jesus, Ruah  EU SOU.

Eu Sou é, pois, o Nome do Deus de Abraão, Isaac, Jacó, o Pai de Jesus Cristo e dos seus

irmãos. Posso chamar de Senhor, Pastor, Rochedo, Abrigo Deus Uno e cada Pessoa divina,

indistintamente. Posso chamar de Javé, Senhor, Luz, Pastor por igual o Pai, o Filho e Deus

Mãe, pois cada Pessoa tem a mesma natureza e dignidade que as outras e merece a mesma adoração, louvor, honra, glória. "Creio no Espírito Santo, Deus Mãe que dá a vida, que procede do Pai e do Filho, com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, ele que falou pelos Profetas" (Credo Niceno-constantinopolitano). Jesus revela que Ele, o Pai e Deus Mãe são um só e mesmo Deus, em continuidade do AT com o NT. Eu Sou é o Nome do Deus de Abraão, Isaac, Jacó, Javé revelado a Moisés na teofania do Sinai (Ex 3,14). Eu Sou é o Nome de Jesus Cristo também. Em virtude da revelação plena realizada nele e por ele, Eu Sou se diz do Pai, do Filho e de Ruah, pois cada Pessoa divina é Deus igual à outra. Deus Mãe é o sopro de vida, inspiração, Espírito do Pai e do Filho, amor que mantém coesas as Três Pessoas, guardadas suas diferenças e especificidades. O Pai está no Filho, o Filho no Pai, Deus Mãe une ambos na comunhão de amor. Cada Pessoa é consubstancial às outras, mas é diferente pela função específica de cada uma na Trindade imanente e na econômica. O Pai pode dizer: Eu Sou Criador e mantenho a criação íntegra; o Filho: Eu Sou Salvador e Criador; Deus Mãe: Eu Sou Santificadora da criação e Criadora. Mas, a especificidade funcional de cada Pessoa não faz dela outro Deus, em conflito com as outras Pessoas, nem a impede de viver em comunhão de amor e de ação com as outras: nenhuma Pessoa existe ou age de maneira excludente, conflitante com as outras, mas em solidariedade com elas. O Filho é gerado pelo poder gerador do Pai e a fecundidade de Ruah de toda eternidade, tanto na Trindade imanente quanto na Trindade econômica, no ventre de Maria, na história (Lc 1,34). O Pai envia o Filho ao mundo com a força de Ruah para acolher e perdoar os pecadores, não condená-los. No Batismo de Jesus estava a Trindade. Nas contendas com os doutores da Lei e fariseus, Jesus declara sua identidade e solidariedade com o Pai Deus Mãe, pra escândalos deles: "Antes que Abraão fosse, Eu Sou. Se não crerdes que Eu Sou, morrereis em vossos pecados. Quando tiverdes elevado o Filho do homem, sabereis que eu sou, e que nada faço por mim mesmo, mas falo como o Pai me ensinou. E quem enviou-me está comigo. Não me deixa só, porque faço sempre o que lhe agrada. Eu e o Pai somos um com Ruah. O Pai está em mim e eu estou no Pai", em íntima comunhão de amor com Ruah. "Quem me vê, vê o Pai. Eu não estou só, o Pai que me enviou comigo está. Falo o que vi e ouvi junto do Pai. Inda tenho muito a vos dizer, mas não o podeis suportar agora. Quando vier o Paráclito, que eu vos enviarei de junto do Pai, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo que o Pai tem é meu. Por isso, Deus Mãe receberá do que é meu e vos anunciará" Jo 8,16.24. 28.38.57; 10,30; 14,9-11; 15,26; 16,12ss. 'A revelação é perfeitamente uma: origina-se no Pai, realiza-se no Filho, termina em Deus Mãe, para a glória do Pai e do Filho'."Quando estas coisas acontecerem, crereis que Eu Sou": Eu Sou a luz do mundo, o bom pastor, a porta, a videira, o pão descido do céu, o caminho, a verdade, a vida, a ressurreição. Desde o AT, o fiel sabe quem é Javé, não por definições teóricas, mas por seus feitos históricos em favor do povo, que são a realização da Palavra viva e eficaz de Javé. "Para que saibais que eu sou Deus, não homem: digo e faço". Também no NT, sabemos quem é o Pai pelo que Jesus diz dele e por sua infinita misericórdia, que revela o coração compassivo do "Pai misericordioso, Deus de toda consolação, que demonstra seu amor por nós no fato de Jesus Cristo ter morrido por nós quando inda éramos pecadores"Jo 13,19; Rm 5,8. Quando Javé diz Eu Sou Pai, Filho, Deus Mãe está dizendo: Eu crio, gero vida, santifico, salvo, perdôo, amo. "Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, sabei que Eu sou. Quando estas coisas acontecerem, crereis que Eu Sou: salvo". Pela fé sabemos quem Deus é pelo que faz por nós e pelo que fala. Nele, palavra e ação se equivalem: quando Javé fala, algo acontece. "É como a chuva que lava, é como o fogo que arrasa: tua Palavra é assim, não passa por mim sem deixar um sinal". Os fatos salvíficos que Javé atua e a Palavra que pronuncia revelam Deus em cada uma de suas Pessoas. Como pela salvação fomos enxertados em Deus, com, em e por Jesus Cristo, tornando-nos partícipes da natureza divina, nosso ser e cada uma de nossas ações nos faz participar do Eu Sou. Porque Deus é, também eu sou filho e irmão de Jesus, a luz do mundo, o sal da terra, templo de Deus, videira, pedra, membro do Corpo de Cristo, pastor, ovelha, vida, salvação. Tudo que o Goel Jesus é por natureza, também sou por participação na natureza divina dele. O Pai o enviou ao mundo num corpo semelhante ao nosso corpo pecador, mas sem pecado, falando nossa língua, com sentimentos humanos - chorava, irritava-se, ria, entristecia-se, sentia fome, sede, sono, necessidades fisiológicas, tinha atitudes e ações humanas, dificuldades e tribulações como nós, mas mostrava o outro lado do nosso viver também: esperança, certeza da companhia de Ruah que nos faz vencer o mundo, que parece levar tudo ao fracasso. Jesus foi o primeiro a vencer a cultura do fracasso e da morte, comunicando-nos o mesmo Espírito de santidade, que é poder do Alto que o fez vitorioso de todo fracasso que parecia inviabilizar sua obra de reconstrução da humanidade em frangalhos pelo pecado, e Que também restaura nossas forças pro combate de Deus, anunciando e vivendo a Boa Nova que Deus é Conosco, sendo testemunhas do bem que ele nos fez, amando-nos, elevando-nos a auto-estima, capacitando-nos a resgatar a estima de irmãos sofredores. Porque Deus é, também eu sou, pois o Oleiro Divino fez-me vaso novo, ontologicamente símile a ele, com capacidade de agir, sentir, emocionar-se, querer, pensar como a sua. "Nossa capacidade vem de Deus. Posso tudo naquele que me fortalece" com o poder da Deus Mãe derramado em meu coração, no meu ser mais íntimo. Sou enviado pela fé a anunciar isto ao mundo, para que creiam em Jesus Cristo, seu Reino venha a nós pela fé. Jesus garante (tem credibilidade para merecer fé): "Aquele que crê em mim, fará as obras que eu faço, até maiores que elas, pois eu retorno pra junto do Pai, Que, comigo, enviará aos vossos corações Deus Mãe, a Consoladora, que vos recordará tudo que vos disse e permanecerá convosco pra sempre, como eu também permaneço convosco até o fim dos tempos". Ruah terá papel central na geração do Primogênito de toda criatura, o início da restauração de todas as coisas em, com, por Cristo. Ruah juntamente com o Pai geraram Jesus no ventre de Maria, pra cumprir a promessa do Proto-evangelho, a Abraão e seus descendentes para sempre. Maria estará na ribalta desse fantástico auto de Deus.


Autor: Geraldo Barboza De Carvalho


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