AMAZÔNIA ORIENTAL: E A CRIAÇÃO DO BURGO AGRÍCOLA DO ITACAIÚNAS (ATUAL CIDADE DE MARABÁ)
AMAZÔNIA ORIENTAL: E A CRIAÇÃO DO BURGO AGRÍCOLA DO ITACAIÚNAS (ATUAL CIDADE DE MARABÁ).
Arão Marques da Silva1
Este texto discutir as dinâmicas socioeconômicas que possibilitaram a ocupação e exploração do Sudeste Paraense, além da implantação do Burgo Agrícola do Itacaiúnas. A intenção é fazer um percurso pela história e trajetória da ocupação do Médio Tocantins, na tentativa de compreender essa trajetória, identificando os elementos relevantes que explicam a configuração atual da Região. Nos primórdios, esse espaço compreendido hoje como Sudeste Paraense, representava uma rica fonte de recursos naturais retidas na sua até então intacta biodiversidade. A região era habitada por inúmeros grupos indígenas com práticas culturais, expressas em ritos e tradições milenares. A economia extrativista teve uma grande contribuição no povoamento da região. A interferência do Estado no processo de ocupação, deu-se a partir da tentativa de implantação do Burgo Agrícola do Itacaiúnas, e com a extração de borracha durante a Segunda Guerra Mundial, através do soldado da borracha. Na dinâmica de ocupação que primeiro migrava pra era um membro da família com o objetivo de observar o espaço, e depois decide fixar ou retorna a região de origem para buscar o restante da família.
Palavras chaves: Amazônia Oriental, Extrativismo e o Burgo Agrícola do Itacaiúnas
1 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE OCUPAÇÃO DA REGIÃO.
As primeiras expedições européias na Amazônia ocorreram no período colonial; a exploração extrativista nos seus vários momentos: drogas do sertão; cacau, borracha da seringueira e do caucho; castanha, entre outros. Nos primórdios da colonização portuguesa a Amazônia era habitada somente por sociedades indígenas. Essa região começou a ser explorado pelas incursões européias, (franceses, ingleses e holandeses), depois pelos portugueses, que juntamente, como os jesuítas dão início à extração das drogas do sertão. A navegação nos Rios Araguaia e Tocantins, no período de exploração das drogas do sertão era livre. Com a descoberta de minas de ouro em Minas Gerais e Goiás, a coroa portuguesa proíbe a navegação nesses rios, para evitar o contrabando de ouro e a fuga de escravos. Outra estratégia adotada pela Coroa foi à implantação de postos militares às margens desses rios, fato que originou várias cidades no Estado do Pará. Mais tarde, com a extração da borracha na Amazônia, os sertanejos do Nordeste e Goiás, constroem o caminho do boi seguindo as margens dos rios Tocantins e Araguaia. Assim, a região passa a ser ocupada por pequenos criadores de gado, camponeses e por homens que vieram trabalhar com a extração da borracha. A maior parte das vilas e povoados instalados na região se deu de forma espontânea e ligados ao extrativismo.
A ocupação da região é recente, remonta o século XIX, quando camponeses nordestinos e do Norte do Goiás, atualmente, Estado do Tocantins se deslocavam para o Médio Tocantins para trabalhar no extrativismo vegetal, mineral e animal. A descoberta e exploração da borracha do caucho no Sudeste Paraense influenciaram muito no processo de ocupação.
A extração do caucho no Médio Tocantins teve um período curto; do final do século XIX ao início do século XX, por vários fatores. Um deles foi o desenvolvimento dos seringais cultivados do Ceilão e Malásia, pelos ingleses2 que lhes deram o título de maiores produtores mundial de borracha. A outra foi a exploração predatória. Mesmo durante o boom da borracha a produção tocantina de caucho ainda era modesta, principalmente, por que a espécie existente aqui era bem diferente da seringueira. Com a crise na economia da borracha, no início do século XX, essa região passa agora a se destacar como produtora de Castanha-do-Pará, o que motiva a vinda de várias famílias para trabalhar na coleta do produto.
Ao contrário do que ocorreu no restante da Amazônia que passava por uma crise econômica, em decorrência do sucesso dos seringais asiáticos no mercado internacional, o Sudeste Paraense passa por um momento de transição, saindo do período da borracha para o período da castanha. Uma década após a crise na economia da borracha, o Médio Tocantins, já havia se transformado no maior produtor e exportador mundial de castanha. Esses dois momentos da economia da região foram responsáveis, em grande medida, pelo processo de ocupação regional.
O POVOAMENTO DO SUDESTE PARAENSE E DA AMAZÔNIA ORIENTAL.
Até o século XV, a região em estudo era habitada exclusivamente por indígenas pertencentes a diversos grupos, que viviam em diversas aldeias distribuídas ao longo de todo o curso da vasta rede hídrica que banha a região. Soma-se ainda, nesse cenário anterior a colonização do Brasil, uma rica biodiversidade, característica da Amazônia brasileira; a maior floresta tropical do mundo. Só após a intervenção colonizadora européia que essa região passa a ser alvo de incursões e expedições exploratórias.
Os europeus que inicialmente vieram ocupar e colonizar a Amazônia, logo após a chegada dos portugueses no litoral brasileiro eram ingleses, holandeses e franceses que visando aumentar suas riquezas, tentaram dominar, e se apropriar do espaço, em especial, da zona litorânea do Pará e Maranhão. A literatura sobre o assunto aponta os franceses como os primeiros nessa investida3. No século XVI, aproximadamente no ano de 1610, estes navegaram pelo rio Tocantins, quando conseguiram chegar as corredeiras do Itaboca próximo a cidade de Tucuruí (Velho, 1972, p. 16).
No entanto, não conseguiram ocupar a região em função das dificuldades impostas pelas cachoeiras do rio, razão que impediu também, o sucesso das incursões portuguesas, principalmente após Jatobal4, trecho considerado mais perigoso.
Logo a seguir, em 1613 uma nova expedição comandada por Daniel de La Touche alcança a confluência do rio Araguaia como o rio Tocantins, ponto onde fora subdividida em duas para que cada uma explorasse um dos rios citados (Idem, 1972, p.15-16).
Os portugueses se interessaram tardiamente pelo Norte. As viagens realizadas pelos portugueses tinham naquela ocasião, o caráter de defesa do território, uma vez que estavam se sentindo ameaçados por outros europeus que navegavam os rios da Amazônia, alguns já haviam estabelecido feitorias e/ou colônias, como é o caso dos franceses. Assim, registra-se que o frei português Cristóvão de Lisboa, em 1625, subiu pelo rio Tocantins, e que o missionário Antonio Vieira, alcançou o Tacanhonha (Itacaiúnas), em 1653. Dois anos mais tarde um outro missionário, o padre Francisco Veloso, esteve na junção dos rios Itacaiúnas com o Tocantins e retorna para o litoral com mil e duzentos índios. (Guerra, 2001, p. 53-54; Velho, 1972, p. 16-17).
No entanto, o processo de ocupação da região conhecida hoje como Sudeste Paraense, deu-se de fato, após os portugueses terem chegado à Amazônia5. Os portugueses iniciaram o processo de expulsão dos franceses da Amazônia no século XVII, onde estes haviam se estabelecido. No Maranhão, eles já haviam construído uma pequena vila, dando-lhe o nome de São Luiz.
Os portugueses só conseguem consolidar o domínio no extremo Norte do Brasil, quando expulsaram os franceses de São Luiz em 1615, e em Belém no ano seguinte. A partir de então, iniciam a construção de fortalezas em pontos estratégicos da Amazônia, impondo assim para as nações européias que a região, pertencia a Coroa Portuguesa6.
Os franceses já haviam estado na Amazônia por volta de 1524. Outras expedições ocorreram em direção ao rio Tocantins, sendo que no ano de 1669, Gonçalo Paes e Manuel Brandão, aventureiros que buscavam encontrar por aqui minas de ouro ou prata, chegam à foz do Araguaia com o Tocantins, e depois de vaguearem pelas matas da região, encontram árvores de canela, cravo e castanha. Outras expedições comandadas pelos portugueses ocorreram na região. Essas expedições tinham como objetivo a descoberta de metais preciosos, principalmente, ouro e prata. (Velho, 1972, p.16-21).
Segundo Furtado, (2001, p. 67-68) com a descoberta das drogas do sertão, a floresta do Médio Tocantins transformou-se progressivamente em centros produtores e exportadores de produtos florestais tais como: cravo, canela, cacau, baunilha e resinas aromáticas. Esses produtos eram extraídos com a ajuda dos povos indígenas que eram recrutados e escravizados por jesuítas e colonos portugueses.
Os colonos portugueses, juntamente com os jesuítas, adentravam pelas matas da região aprisionando índios. As missões jesuíticas eram encarregadas de catequizá-los, com o objetivo de transformá-los em mão-de-obra submetida à lógica colonizadora de metrópole. Tanto colonos como jesuítas atuavam no sentido da superação das dificuldades iniciais enfrentadas com a falta de mão-de-obra. Com isso observa-se até a prática de venda do nativo entre colonos.
Com a descoberta de minas de ouro nas cabeceiras do rio Tocantins e seus afluentes no Goiás em 1725, muitos aventureiros deslocaram-se para aquela região, dando origem à prática do contrabando e furtos. Assim, parte do ouro extraído das minas, era desviado por contrabandistas que desciam pelos rios: Araguaia e Tocantins. Estes negociavam o metal com comerciantes ingleses que se encontravam próximos a Belém. Em razão disso, a Coroa Portuguesa assina um decreto lei proibindo a navegação sobre os rios: Araguaia e Tocantins em 1737, e fundam o posto militar de Alcobaça em 1781, a fim de evitar o contrabando de ouro e a fuga de escravos (Velho, 1972, p.19-21).
A seguir o quadro 01, apresenta algumas das principais vilas e povoados fundados nos primórdios da ocupação da região. Entre os anos de 1635 a 1858, observa-se a presença de pelo menos 12 núcleos populacionais significativos margeando os principais rios da região.
Quadro 01: Vilas, Povoados, Cidades e Postos Militares fundados nos
primórdios da ocupação.
Identificação
Ano
Observação:
Cametá
1635
Foi o primeiro povoado fundado pelos europeus no Baixo Tocantins.
Baião
1694
Povoados fundados pelos europeus no Baixo Tocantins.
Alcobaça (atual Tucuruí)
1781
Posto militar fundado pelo governo do Pará de controle de escravos fugitivo e tráfego de ouro.
São João do Araguaia
1850
Posto militar fundado pelo governo do Pará, de controle de escravos fugitivo e tráfego de ouro.
Riachão
1808
No Estado do Maranhão.
Carolina
1810
Fundação a mando do governo do Pará e anexada ao Estado do Maranhão em 1854.
Porto da Chapada (atual Grajaú).
1811
No Estado do Maranhão. Cidade de onde partiram algumas famílias de camponeses para Marabá no início da ocupação da região.
Boa Vista do Tocantins (atual Tocantinopólis no Estado Tocantins).
1825
Cidade onde ocorreu o conflito entre os dois coronéis e que dali partiram os fundadores do Burgo Agrícola do Tocantins.
Barra do Corda
1840
No Estado do Maranhão. Aa margem do rio Mearim e próxima a Grajaú.
Porto Franco
1868
Hoje Araguatins no Estado do Tocantins.
Santa Tereza de Imperatriz (hoje Imperatriz no Estado do Maranhão).
1852
Fundada a mando do governo do Pará e anexada ao Estado do Maranhão em 1857.
São Vicente (hoje Araguatins no Estado do Tocantins).
1852
Na margem goiana do rio Araguaia no Estado do Goiás, atualmente Estado do Tocantins.
Fonte: (Velho, 1972, p. 25-28; Emmi, 1999, p. 28-29; Guerra, 2001, p.54).
O povoamento do Médio Tocantins começa a se consolidar com a presença das primeiras cidades, vilas, povoados e postos militares. Mesmo que de maneira lenta, os núcleos populacionais foram sendo instalados ao longo dos rios: Araguaia e Tocantins. A ação da Igreja Católica foi incisiva para o povoamento, particularmente para a criação das cidades. Muitas cidades mais antigas da Amazônia resultam dessa intervenção, com os aldeamentos para domesticar os indígenas.
No século XVIII, com o avanço da expansão da ocupação do Sul do Maranhão rumo a Amazônia, a partir da criação de gado bovino no sertão de Pastos Bons, inicia-se a instalação de algumas fazendas de criação de gado em direção a foz do rio Tocantins. Neste período é aberto o chamado caminho do boi7, construída para permitir a entrada do gado. O caminho do boi, por onde passavam as boiadas seguia pela a margem dos rios: Araguaia e Tocantins e se estendia até a cidade de Cametá. Para Emmi "[...] asfrentes de expansão da pecuária que saíram do sertão em direção a Amazônia e atingiram o Sudeste Paraense, saíram principalmente, da cidade de Pastos Bons no Maranhão e do sertão do Estado do Goiás" (1999, p. 28-29).
Furtado (2001, p.61-64), explica que o avanço de criadores de gado em direção ao sul do Maranhão e as florestas úmidas da Amazônia tem a ver com a crise na produção de açúcar no Nordeste, o que leva alguns nordestinos a buscarem outras possibilidades econômicas. O redirecionamento da economia saindo da monocultura da cana-de-açúcar para a criação de gado bovino em outras regiões, neste caso, a saída do litoral para o sertão, adentrando a mata até chegar na fronteira com Amazônia. O fator explicativo dessa situação é a concorrência do açúcar produzido no Nordeste brasileiro com o das Antilhas, que passou a abastecer os mercados europeus.
Vale notar, que durante muito tempo os rios: Tocantins e Araguaia ficaram esquecidos, tendo em vista que a região era conhecida por abrigar índios bravos e pelas dificuldades de navegar devido à quantidade de cachoeiras e corredeiras existentes. Assim sendo, a ocupação vai ocorrer de fato a partir do século XIX com o extrativismo vegetal da borracha do caucho, e no século XX com a extração da castanha, do diamante e do cristal, juntamente, com a pecuária e a agricultura.
Portanto, a importância das frentes agropastoris que se deslocam do sertão em busca dos pastos naturais. A crendice da época que entre os rios: Tocantins e Xingu haveria uma grande concentração de pastos naturais, levou os irmãos Pimentel8 a realizar várias expedições com a tentativa de encontrar tais pastos. No entanto, só houve frustrações, os campos naturais não existiam. Assim, as principais frentesde ocupação do Sudeste Paraense, são relativamente recentes, e cujas atividades econômicas principais eram o extrativismo: de pedras preciosa, da borracha do caucho e castanha, ao longo do rio Tocantins e seus afluentes. Vale reafirmar que essas atividades é que deram base para originar povoados e vilas, que mais tarde, se transformaram em cidades.
3 A criação do Burgo Agrícola do Itacaiúnas e sua importância para a região.
A instalação do Burgo Agrícola do Itacaiúnas por remanescente da guerra civil e religiosa entre dois coronéis de Boa Vista do Tocantins no Estado do Goiás, marca um novo momento da ocupação da região. Esse conflito armado reflete uma disputa entre católicos e a maçonaria, resultado de mudanças significativas no direcionamento do pensamento político no Brasil. Quando Floriano Peixoto (maçom) chega a presidência do País,em Boa Vista do Tocantins, o partido católico é contrário, aos florianistas daquela cidade, portanto, resistem a intervenção do Estado, principalmente, na educação. Diante do conflito os maçons liderados pela família do coronel Carlos Leitão são derrotados e obrigados a deixarem à cidade, e juntamente, com um grupo de derrotados chegam ao Itacaiúnas, e funda uma colônia agrícola, a cerca de 8 km da foz do rio Itacaiúnas em 1896. (Velho, 1972, p.30-31; Petit, 2003, p. 187-188; Matos, 1996, p. 23-25).
Para Velho, (1972, p. 30) o conflito de Boa Vista do Tocantins no Estado do Goiás, (hoje Estado do Tocantins) tinha a ver com a disputa de terras para a criação de gado naquela região do sertão do Goiás, tendo em vista que parte do rebanho criado no sertão era fornecida às frentes extrativistas da borracha ao longo do rio Tocantins. O conflito além de ter caráter político-religioso estava ligado à luta pela posse de terras do sertão goiano.
Vale assinalar, que o governo do Estado do Pará, no final do século XIX, já desejava dilatar a ocupação para a além de Alcobaça e teve a oportunidade de promovê-la através da implantação de uma colônia agrícola nas proximidades da foz do rio Itacaiúnas. O Burgo Agrícola do Itacaiúnas foi, na verdade, uma tentativa oficial de ocupar o Médio Tocantins a partir da agricultura. No entanto, a ocupação da região começa a se consolidar com o extrativismo de caucho e com a busca por campos naturais para a criação de gado bovino. (Emmi, 1998, p.32-33; Guerra, 2001, p. 53).
A primeira tentativa de ocupação da região com o apoio do Estado não teve êxito. O Burgo Agrícola do Itacaiúnas foi um fracasso, a maioria de seus moradores em virtude do auge da economia da borracha preferiu trabalhar com o extrativismo de caucho. Com a fundação do Barracão Marabá no Pontal (foz do rio Itacaiúnas com Tocantins) pelo comerciante maranhense Francisco Coelho e seu compatriota Francisco Casimiro, dois anos após a instalação do Burgo Agrícola do Itacaiúnas. Assim, as pessoas foram se fixando em torno do Barracão no Pontal, esvaziando o povoado do burgo recém instalado.
De qualquer maneira, vale notar, que o Barracão Marabá era um comércio, onde Francisco Coelho vendia tudo aquilo que os homens que trabalhavam com a extração do caucho necessitavam. Além disso, o Barracão era um açougue. O proprietário trouxe consigo 70 bovinos acreditando encontrar pastos naturais, achando ia fazer bons negócios com o rebanho. (Guerra, 2001, p. 55). Além de vender bebida alcoólica, o estabelecimento contava ainda com mulheres solteiras que ficavam a disposição daqueles homens que passavam tanto tempo na mata. Com a notícia de que havia no povoado do Pontal um barracão de divertimentos para os trabalhadores da mata, o comércio de Francisco Coelho aumenta a freguesia, e conseqüentemente, o povoado do Pontal ia crescendo cada vez mais, enquanto isso, o Burgo Agrícola do Itacaiúnas entra em decadência. (Ribeiro Jr, 2005, p.2-3).
Com o passar dos anos, o povoado do Pontal torna-se parada obrigatória de quem descia ou subia pelos rios Itacaiúnas e Tocantins, tendo em vista que no Pontal havia um posto comercial de contratação e aviamento de pessoas para o extrativismo. Através do Decreto nº 1.344 A, de 23 de dezembro de 1904, o governo do Estado do Pará transfere a sede da circunscrição Judiciária e Sub-Prefeitura do Burgo Agrícola do Itacaiúnas, no município de Baião, para o Pontal, com o nome de Marabá, que era o nome do estabelecimento comercial de Francisco Coelho. Já a emancipação política acontece em decorrência de disputa entre Goiás e Pará por questões de limites, sendo que comerciantes maçons intervém, novamente, e assim Marabá é elevada à categoria de município em 27 de fevereiro de 1913, por meio da Lei Estadual nº 1278, e a instalação do município de Marabá, ocorreu em 5 de abril do mesmo ano. Ressalto que o telegrama do Governador do Estado, chega a Marabá somente em abril, pois a comunicação no início do século XX na região era muito difícil, sendo necessário à transmissão via estação de telégrafo para Imperatriz (MA) e a transmissão da mensagem aos marabaenses veio chegar através de uma lancha que fazia linha entre Marabá e Imperatriz (Emmi, 1999, p. 41-42).
O extrativismo foi a principal atividade socioeconômica do Sudeste do Pará no início da ocupação espontânea. O extrativismo do caucho foi a principal atividade econômica da região. É a partir da exploração do caucho que acontece a vinda das primeiras famílias para o Sudeste do Pará. Antes mesmo de o Coronel Carlos Leitão fundar o Burgo do Itacaiúnas e de Francisco Coelho construir o Barracão Marabá na confluência dos rios Itacaiúnas com o Tocantins, alguns homens se deslocavam para cá com o objetivo de trabalhar na extração do caucho. Essas vindas para cá começaram a acontece ainda, no século XIX, período no qual a Amazônia se transformará em fornecedora de borracha para a indústria dos Estados Unidos e Europa. No entanto, a migração se intensifica no final do século XIX, quando o mercado internacional exige uma quantidade maior de borracha. No gráfico a seguir temos alguns indicadores econômicos sobre o extrativismo de caucho entre 1913 à 1926.
Gráfico 01: Marabá: produção e exportação de borracha do caucho em
Toneladas entre 1913-126.
Fonte: Petit, 2003, p. 190.
Percebe-se, portanto, que o extrativismo do caucho se destacou como a principal atividade econômica nas duas primeiras décadas do século XX no Sudeste Paraense. Segundo Petit, (2003, p. 189) "[...] Marabá alcançou sua maior produção de caucho em 1914, 462,5 toneladas, que representavam 1,2% do total da produção brasileira desse ano".
Entretanto, é importante destacar, que a cidade de Marabá desde os primórdios da ocupação e colonização da região foi um centro articulador e atraiu muitos comerciantes e aventureiros, que buscavam por aqui enriquecimento fácil, primeiramente, com o extrativismo. Até o final da década de 1930 a ocupação da região se processou de forma espontânea e ligada ao extrativismo. Houve no início dos anos de 1940 o incentivo do Estado para homens viessem para cá trabalhar na extração da borracha, por isso que nos dados do gráfico a seguir mostra a população da cidade de Marabá em 1940 é maior do que da década seguinte.
Fonte: Petit, 2003, p. 207. (adaptado).
O gráfico mostra que na década de 1940 houve através do Banco da Borracha, o incentivo à produção gomífera, por isso, que nesta década 1940 a população é maior do que na seguinte. Essa produção gomífera tinha a função de atende aos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a castanha continuou sendo explorada e exportada para os Estados Unidos, implicando no aumento da migração para o sudeste do Pará.
Já na década seguinte, observa-se uma leve baixa na população, voltando a cresce na década posterior. Com o fim da Guerra o Estado retira o incentivo sobre a produção de borracha e as pessoas que vieram do Nordeste para trabalhar com o extrativismo da borracha do caucho, vão se fixando e continuam trabalhando agora no extrativismo da castanha. Vale lembrar que antes da Segunda Guerra Mundial, os países europeus eram os principais importadores da castanha do Brasil. Com o conflito os Estados Unidos passou a ser o comprador potencial da castanha.
4 AS DIFICULDADES DE SOBREVIVÊNCIA NO MÉDIO TOCANTINS
A dificuldade de sobrevivência no Sudeste Paraense dava-se por diferentes fatores. O principal era o isolamento as demais regiões. Os obstáculos naturais como os trechos encachoeirados dos rios: Tocantins e Araguaia e seus afluentes, se encarregavam de impor limites aos viajantes. Assim as vias fluviais eram as únicas alternativas pelas quais as pessoas, mercadorias e serviços circulavam. Nota-se ainda que numa região de floresta primaria; a existência de inúmeras doenças tropicais, a dependência de caixeiros viajantes9, encabeçava a lista das principais dificuldades. A falta de atendimento médico-hospitalar e de local para comprar alimentos. O principal entrave para o "atraso" era a dificuldade de navegação nos rios da região.
Vale assinalar, que a região desde a chegada das primeiras famílias de camponeses, comerciantes e aventureiros, sempre esteve ligada a outros Estados, principalmente, o Maranhão e Goiás de onde vieram as primeiras frentes migratórias, além do fato desses Estados fornecerem cereais, frutas, pequenos animais, carne seca, toucinho, rapaduras, doces de leite, de coco e buriti, além de redes sertanejas e outros para os moradores da região. Nesse período esses comerciantes chegavam através das balsas feitas de talos de buriti. Essas balsas foram utilizadas durante muito tempo para transportar as mercadorias e abastecer os povoados. Aqui regateavam10os produtos com os moradores. Na memória de uma moradora da cidade de Itupiranga:
A balsa é uma casa coberta de palha. (...) é feita de talo de buriti por cima. Aquelas toras de madeira dessa grossura assim, que não afunda. Era a balsa que trazia toda coisa, alimento... Eles traziam de Imperatriz, adiante, (...) Só negócio de comida. Carne, toucinho essas coisas. As pessoas aqui se alimentavam de peixe e de caça. Carne de gado, era difícil. Só quando ia no Marabá, que trazia. Aqui não tinha pra vender.11
Havia na região, uma dificuldade muito grande de encontrar gêneros alimentícios nos pequenos comércios das vilas e pequenas cidades das margens dos rios, por isso, as balsas eram verdadeiros empórios flutuantes que desciam o rio e vinham parando nas cidades e vilas da bacia do Araguaia-Tocantins. As balsas desciam os rios impulsionadas pelas correntezas e nos lugares onde a correnteza era menor, ela era impulsionada pela tripulação com uso de remos. Essas balsas chegavam a ter entre 20 e 50 metros de comprimento, eram cobertas com palhas e ali os comerciantes traziam a família e os seus funcionários. Ao terminar de vender a carga da balsa o comerciante retornava para sua cidade, geralmente a pé e pelo caminho do boi (Matos, 1996, p. 20-22).
As atividades econômicas praticadas pela sociedade local eram perfeitamente combináveis, com as estações do ano e com a disponibilidade de mão-de-obra na família, além das necessidades subsistência.
No período chuvoso trabalhavam na extração da castanha ou do caucho e durante o restante do ano no verão trabalhavam nos garimpos de cristal e diamante. Assim muitas famílias se dedicavam a agricultura de várzea, onde era feito o plantio de culturas anuais ou culturas brancas nas margens dos rios, quando estes estavam secos.
Na vazante se plantava, principalmente, feijão, melancia, quiabo, milho, abóbora; culturas rápidas que dentro de no máximo seis meses famílias já haviam colhido. Dona Doninha camponesa que entrevistamos em Itupiranga, de como participou: "...a Flora (irmã) que tinha uma vazante12, aí eu ía pra lá final de semana, comer melancia e apanhar o feijão". Ao perguntarmos o que se plantava na vazante? Ela afirma: melancia e feijão. De fato a melancia e o feijão apareciam como os principais produtos agrícolas da vazante. Observa-se, portanto, que as práticas agrícolas da vazante eram voltadas, principalmente para o sustento das famílias, havia uma ligeira relação com o mercado. Observamos que essa prática se pautava numa forte relação de parentesco, vizinhança e uma solidariedade entre as famílias. Conforme mostra a narrativa havia uma ajuda mútua entre as famílias camponesas, principalmente durante a colheita. Era comum reunirem várias famílias no período da colheita, principalmente da colheita ou apanha do feijão e de outras culturas que se davam, principalmente de meia entre as famílias que possuíam maior roça na vazante.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
No extrativismo do látex do caucho e da castanha e das relações de dominação fundamentavam-se nosistema de aviamento. O escambo e o aviamento referem-se a uma prática social que desempenhou um papel articulador e sustentador de toda a estrutura social na Amazônia. No sistema de aviamento o trabalhador fica preso à dívida construída no barracão, quando é aviado durante a aquisição de todo o material necessário à coleta, ao seu sustento e de sua família. Existe nesta forma de exploração uma relação paternalista de exploração, especialmente, as que se dão entre o dono do barracão e encarregados da colocação. O sistema de aviamento era permeado de relações enganosas entre o suposto dono da colocação e ou do barracão e os que trabalhavam no extrativismo. Essa estrutura se fundamentava ainda na relação de parentesco e compadrio, o que possibilitava ainda, maior exploração do trabalhador (EMMI, 1999).
Ressalto, que o modo de produção capitalista utilizou todos os meios disponíveis para se afirmar na Amazônia, causando a exploração e espoliação dos trabalhadores da floresta. A ética que o capitalismo utilizou na região se fundamenta no único desejo de acumulação cada vez mais de capital, permitindo o enriquecimento de uma pequena parcela da população amazônica, enquanto a maior parte permanece em condições de pobreza (Santos, 1980, p. 162).
Os atores sociais que vêm para o Sudeste Paraense, migram em busca de novas oportunidades de vida, tentando melhorar suas condições sociais. Assim muitas famílias camponesas, especialmente nordestinas, ingressam na região para trabalhar nos seringais e castanhais. Em função da dinâmica regional, os camponeses se alternam em atividades extrativistas e no cultivo de pequenas roças. Assim, ora vendiam sua força de trabalho aos donos de seringais e castanhais da região, ora se dedicavam à agricultura, ou ao extrativismo mineral de cristal e diamante, ou outras atividades socioeconômicas, como a pesca, a caça, e o marisco para venda de peles de animais.
Na história da região, é importante assinalar essa grande migração, particularmente durante a safra da castanha. A cidade de Marabá tinha sua população dobrada durante o período da coleta da castanha. Esse extrativismo foi feito durante muito tempo em terras públicas.
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RIBEIRO JR, RIBAMAR. O encontro da águas e a história mítica da origem de Marabá: em busca da memória dos moradores do Cabeço Seco. In: V Encontro do Nordeste de História Oral: memória patrimônio e identidade. UFMA, UEMA, ANPUH-MA, ABHO Nordeste, São Luís, Maranhão, 2005. (CD-ROM).
SANTOS, Roberto. Formação Econômica da Amazônia. Rio de Janeiro, Vozes, 1980.
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo Autoritário e Campesinato. São Paulo, DIFEL, 1979. (coleção Corpo e alma do Brasil).
VELHO, Otávio Guilherme. Frentes de Expansão e Estrutura Agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
7 Fontes orais:
Cícero Lopes Dias, entrevistado em Marabá no dia 28/07/2005, ele trabalhou nos castanhais da região a partir da década de 1940 até o final da década de 1970 e partir da década de 1980 deixou os castanhais e foi trabalhar nas firmas que prestava na época serviço a CVRD. Hoje é vive de uma pensão de um salário mínimo pago pelo INSS.
Florita Vieira Lima, (Doninha) moradora de Itupiranga que entrevistada no dia 17/07/2005, pela equipe do PROINT.
[email protected], o autor deste artigo é Sociólogo, pós-graduado Lato-Sensu pela UFPA em Tecnologia, Linguagem e Educação Inclusiva; foi bolsista na UFPA no Projeto História, Trajetória, Memória, e Identidade Social: as faces do campesinato no Sudeste Paraense, durante 15 meses, sendo que esta produção é fruto de pesquisa realizada na Região. Atualmente é professor das disciplinas Sociologia, Filosofia e Estudos Amazônicos na rede pública e privada de ensino; professor tutor nos cursos de Administração, Serviço Social, Letras e Ciências Contábeis na Fundação Unitins.
2 Os ingleses contrabandearam as sementes de seringueiras da Amazônia, plantando-as na Ásia, passando a ter a maior região produtora do mundo. Com isso a borracha amazônica perde mercado e a região entra em crise.
3 A Colônia do Maranhão foi fundada pelos franceses em 1594, marco referencial da estada desses povos na região.
4 Jatobal era uma vila que ficava entre as cidades de Tucuruí e Itupiranga e que foi inundado com a construção da Hidrelétrica de Tucuruí.
5 Pelo Tratado de Tordesilhas, a Amazônia atual seria dos espanhóis. No entanto, os espanhóis haviam descoberta metais preciosos entre os povos Astecas, Maias e Incas, não se interessam em ocupar esse território.
6 É com a assinatura do Tratado de Madri em 1750 pelo Marquês de Pombal que o território Amazônia passa de fato e de direito a pertencer a Portugal.
7 A narrativa de Seu Zé Patrício (camponês migrante maranhense que veio para São Domingos do Araguaia no final da década de 1950), mostra que a estrada do boi, foi construída pelos criadores de gado do sertão do Goiás, Maranhão e do Nordeste. Segundo ele, os vaqueiros tangiam o gado pelo sertão, até chegar ao Porto da Balsa, vila situada na fronteira do Goiás (atual Tocantins), Maranhão e Pará, onde faziam a travessia das rezes em canoas. Ele explica ainda que o uso de canoas era para evitar o ataque de piranhas e outros animais ao gado. Depois de feito a travessia do rio Araguaia a boiada seguia pelo caminho que margeava o rio Tocantins até chegar ao seu destino.
8 Ver Petit, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no estado do Pará pós-1964. Belém, Paka-Tatu, 2003. (p.187-188).
9 Denominação dada para os vendedores de mercadorias (roupas, perfumes, bijuterias, etc,) que vinham da cidade Imperatriz e Goiás Velho negociar na região.
10 Prática comercial que foi muito usada na região por comerciante das cidades com as populações que viviam nas áreas mais isoladas. O regateio consiste numa espécie de escambo, onde o comerciante supervaloriza o seu produto e troca pelos produtos extraído na floresta, em geral, esse tipo de comércio se caracteriza pelo engano do camponês pelo comerciante.
11 Doninha, moradora de Itupiranga que entrevistada no dia 17/07/2005, pelos pesquisadores(ras) do PROINT.
12 Denominação dada para as roças feitas nas margens dos rios. Na vazante, planta-se principalmente cultura rápida como feijão, melancia, quiabo, milho, abóbora, arroz ligeiro, ou seja, que é colhido antes das cheias dos rios. As vazantes tinham grandes importantes, pois delas se retirava parte do alimento para a subsistência das famílias.
Autor: Arão Marques Da Silva
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