FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR SOB DIFERENTES ENFOQUES



Ronnie Jefferson Fazollo[1]

Debates e Pesquisas no Brasil sobre Formação Docente

No Brasil, o tema Formação de Professores ganhou destaque nas principais conferências e seminários sobre Educação, principalmente à partir do final da década de 70 e início dos anos 80, quando estava em discussão a reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas.

Notamos também que as discussões a respeito da formação de professores passaram ao longo dos anos por diversas fases, sendo assim, situamos suas principais características considerando-se o período histórico em vigência.

Anos 70: o surgimento do técnico em educação

Na década de 70, as discussões sobre Formação de Professores encontravam-se em seu estágio inicial, tanto que, nessa perspectiva:

o professor era concebido como um organizador dos componentes do processo de ensino-aprendizagem (objetivos, seleção de conteúdo, estratégias de ensino, avaliação, etc.) que deveriam ser rigorosamente planejadas para garantir resultados instrucionais altamente eficazes e eficientes. Consequentemente, a grande preocupação, no que se refere à formação do professor, era a instrumentalização técnica. (PEREIRA, 2000, p. 16).

Nessa época, havia grande influência da psicologia comportamental e da tecnologia educacional, o que privilegiava essa dimensão técnica do processo de formação de professores e especialistas em educação.

Anos 80: a formação do educador

Já nos primeiros anos da década de 80, o foco era outro, havia um debate a respeito da formação do educador privilegiando dois pontos básicos: o caráter político da prática pedagógica e o compromisso do educador com as classes populares.

Essa mudança de enfoque na formação de professores foi resultado de um movimento da própria sociedade da época em resposta ao autoritarismo implantado à partir de 1964 e da busca da redemocratização do país. Nesse contexto, ampliou-se o debate a respeito da formação de professores.

Havendo maior debate a respeito da formação de professores, questões como a defesa de melhores condições de trabalho e salários mais dignos para o magistério surgem com maior frequência em textos sobre a temática. Apesar de uma maior atenção à educação ainda há questões como:

a expansão da rede de ensino, evidenciada pelo aumento do número de vagas e de matrículas nas escolas, que não foi acompanhada de investimentos proporcionais por parte do governo na área educacional. Houve, consequentemente, uma demanda de um número cada vez maior de professores para uma população escolar crescente. Essa nova exigência foi, de certa forma, atendida pela expansão do ensino superior privado e da criação indiscriminada de cursos de licenciatura em faculdades isoladas, bem como pela permissão do exercício profissional por pessoas não-habilitadas, os chamados "professores leigos". (PEREIRA, 2000, p. 19 e 20).

De modo geral, toda essa problemática se estendeu ao longo da década de 80 e caracterizou-se como um problema crônico em nossa sociedade. As razões para isso são muitas.

A distinção educador versus professor permaneceu forte até a segunda metade da década de 80, quando começaram a surgir alguns questionamentos à respeito. Entretanto, cabe ressaltar que tal dicotomia tornou-se algo imprescindível até então, quando procurou-se romper com o modelo tecnicista vigente anteriormente.

Anos 90: a formação do professor-pesquisador

Ocorreram mudanças no cenário internacional, à partir do final dos anos 80, o que repercutiu de forma ampla no pensamento educacional e na produção sobre a formação de professores. Sendo assim, segundo Pereira (2000, p. 40) "nesse cenário, privilegia-se hoje, a formação do professor-pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que pensa-na-ação, cuja atividade profissional se alia à atividade de pesquisa".

Dessa forma, constata-se a defesa da formação do "professor investigador", visando articular teoria e prática pedagógica, pesquisa e ensino, reflexão e ação didática. Entretanto, a separação entre essas duas atividades no seio da universidade e a valorização extrema da pesquisa em detrimento do ensino (de graduação), traz prejuízos à formação profissional, e particularmente, à formação de professores.

Precisamos desmistificar a idéia de que compete ao pesquisador produzir conhecimento, através de pesquisas, e ao professor cabe a tarefa de ensinar, ou seja, reproduzir e transmitir esses saberes já produzidos.

A Formação Continuada do Professor

Na década de 80 os debates em torno dessa temática se intensificaram, o que acarretou no surgimento das primeiras críticas aos cursos de "treinamento em serviço" ou de "reciclagem", oferecidos pelas instituições de ensino superior aos professores de 1° e 2° graus. Esses cursos não obtiveram a aprovação dos professores porque além de serem esporádicos, eram insuficientes e não calcados nas necessidades dos professores.

Na mesma época, mas referindo-se ao contexto europeu, nos últimos dez anos o centro das preocupações deslocou-se da formação inicial para a continuada, pois segundo Pereira (2000, p.19) "as reflexões sobre formação continuada do professor contribuem para a compreensão de que a formação desse profissional não termina com a sua diplomação na agência formadora, mas completa-se em serviço".

Sendo assim, entendemos que a formação do professor começa antes mesmo de sua formação acadêmica e prossegue por toda a sua atividade profissional, dessa forma, podemos dizer que o professor é um eterno aprendiz.

O Professor Prático-Reflexivo

A busca pelo conhecimento da natureza da ação pedagógica visando construir mecanismos para a formação de professores, tem levado estudiosos da área a se dedicarem no aprofundamento das discussões sobre os níveis de conhecimento do professor.

Segundo os Referencias para Formação de Professores (2002), temos o conhecimento na ação, ou seja, aquele conhecimento interiorizado que orienta boa parte das ações do professor, ainda que de forma inconsciente e mecânica.

Esse conhecimento também pode ser decorrente de "crenças" muitas vezes implícitas  que podem em algum momento do passado ter sido fundamentadas em teorias científicas ou respostas espontâneas que resultaram de experiências práticas durante o exercício profissional e que expressam o saber fazer espontâneo.

Por outro lado, estando envolvido na ação,

o professor é suscetível às dificuldades que encontra na sua intervenção pedagógica e precisa tomar decisões em cada caso específico. Faz, portanto, uma reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise racional, mas com a riqueza da totalidade do momento. Entretanto, quando confronta suas idéias, teorias e crenças com a prática imediata, precisa atuar com sensibilidade, estar flexível e aberto para compreender e tomar decisões afinadas com sua intencionalidade e com o que percebe de seus alunos e da situação educativa. (REFERENCIAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.60).

A todo esse processo interativo entre professor e aluno que exige a intervenção pedagógica e a tomada de decisões rápidas chama-se reflexão na ação. Sendo essa uma das mais importantes tarefas do professor, pois lida com "atitudes, crenças, emoções ligadas aos objetos e processos de estudo, bem como às práticas sociais" (GATTI, 1997, p.92).

Ainda segundo os Referencias para Formação de Professores (2002), essa reflexão na ação é parte inevitável do trabalho do professor e não deve ser encarada como um substituto às ações a serem desenvolvidas posteriormente, ou seja, a chamada reflexão sobre a ação.

Nesse sentido, a reflexão sobre a ação "ocorre quando o profissional, liberto dos condicionamentos situacionais, pode aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise para a tematização, avaliação e reorientação da sua prática" (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.60).

A atuação profissional como objeto de reflexão

Em sua profissão o professor deve promover a articulação entre os objetivos educativos, as circunstâncias contextuais e a aprendizagem de seus alunos. Esse profissional investiga, reflete, seleciona, planeja, organiza, integra, avalia, articula experiências, cria e recria intervenções didáticas junto aos seus alunos e produz conhecimento pedagógico.

Toda essa gama de atividades desempenhadas pelo professor propiciam um campo de atuação onde a investigação, embora diferente da trabalhada no ambiente acadêmico, apresenta-se de forma complexa e constitui-se como objeto para reflexão, sendo esse um campo de conhecimento específico do professor.

A prática pedagógica constitui-se em um campo de atuação onde o professor envolve-se afetiva e cognitivamente, questionando suas próprias crenças, propondo e experimentando alternativas.

Nesse sentido, o professor deve levantar hipóteses, tentar compreender situações singulares e dar encaminhamentos visando apresentar respostas a situações de aprendizagem ou não que lhe surgem a todo momento.

O exercício de reflexão sobre a prática possibilita a tematização dos múltiplos aspectos da atuação docente, o que facilita a organização e o compartilhamento dessas informações desde o início do curso de formação inicial até a formação continuada. Sendo assim, pode-se dizer que:

a tematização da prática está diretamente vinculada à concepção de professor reflexivo, que toma sua atuação como objeto para a reflexão. Ser um professor que pensa e toma decisões é ser um professor que desenvolve o "saber fazer" e a compreensão do "para que fazer", articulando a reflexão sobre "o que", "como", "para quê" e "quem" vai aprender, de forma a garantir a seus alunos o acesso a boas situações de aprendizagem. (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.109).

Vale lembrar que para planejar intervenções didáticas pertinentes e de qualidade deve-se buscar a interpretação e a análise do contexto da realidade educativa.

O contato com a prática real de sala de aula não depende apenas da observação direta: essa prática pode efetivar-se através de tecnologias de informação, tais como: computador e vídeo, narrativas orais e escritas, produções, simulações e até mesmo estudo de casos. Nessas tematizações é possível trabalhar aspectos específicos da prática ou mesmo a prática contextualizada em sua totalidade.

Desse modo, com a possibilidade do uso das novas tecnologias, o professor dispõe de mais recursos para que possa potencializar uma formação em maior consonância com a natureza do trabalho docente.

A possibilidade de discussão da prática docente em programas de formação continuada possibilita o intercâmbio de idéias, modelos e outras ações que apresentaram resultados positivos, sendo assim, temos:

[...] múltiplas formas de registro e de abordagem da experiência pedagógica: um vídeo amador, por exemplo, pode "captar" aspectos da intervenção do professor e da tomada de decisão em situações contextualizadas que muito enriquecem a reflexão sobre a prática, apresentando não só alternativas viáveis, mas também experiências para serem discutidas, questionadas, para se pensar sobre as diferentes formas de agir de diferentes professores em diferentes contextos. (REFERENCIAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.109).

Vale lembrar que bons modelos não devem ser simplesmente copiados, mas devem servir como referências de possibilidades a serem implantadas, o que nos permitirá reflexões acerca do trabalho docente e consequentemente melhorias na qualidade de ensino.

A formação de professores e a construção da competência profissional

Presente nos debates atuais sobre a crise e a reconstrução da identidade de professor, a dimensão profissional de seu trabalho é parte essencial do processo de profissionalização. Profissionalização essa que:

exige compreensão das questões envolvidas no trabalho, competência para identificá-las e resolvê-las, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas opções feitas. Requer também que o professor saiba avaliar criticamente a própria atuação e o contexto em que atua e interagir cooperativamente com a comunidade profissional a que pertence. (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.61).

Além das competências mencionadas anteriormente, cabe aos profissionais da educação a elaboração coletiva do projeto educativo e curricular da escola, o que deve ser realizado considerando-se as diversas possibilidades presentes no ambiente escolar e procurando adequá-las as necessidades pedagógicas, estruturais e organizacionais existentes.

O trabalho desenvolvido considerando-se essa perspectiva nos possibilita o desenvolvimento de concepções voltadas à competência profissional, pois a referência principal é a atuação profissional do professor. Dessa forma, segundo os Referenciais para Formação de Professores (2002, p.61), competência é a:

capacidade de mobilizar múltiplos recursos, entre os quais os conhecimentos teóricos e experienciais da vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de trabalho. Apóia-se, portanto, no domínio de saberes, mas não apenas de saberes teóricos, e refere-se à atuação em situações complexas.

Acrescenta-se que tal concepção de competência exige uma mudança de foco na formulação dos objetivos gerais da formação, que deixam de ser uma lista de capacidades que todos os professores devem desenvolver isoladamente. Dessa forma, espera-se que tais competências sejam desenvolvidas coletivamente e que isso garanta: o aprender a estudar, a pesquisar e a produzir coletivamente.

A perspectiva de competência possibilita a superação do tecnicismo, pois o professor aprende:

a criar e recriar a sua prática, apropriando-se de teorias, métodos, técnicas e recursos didáticos desenvolvidos por outros educadores, sem submeter-se a um receituário, nem à mera aplicação de teorias ou de um repertório de ações prévias e externamente programadas por outros. (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.62).

Nesse sentido, o desenvolvimento da competência profissional possibilita ao professor uma relação de autonomia no trabalho, onde ele pode criar propostas de intervenção pedagógica utilizando para tal, saberes, sensibilidade e intencionalidade para responder situações reais, complexas e diferenciadas.

Para Guimarães (2004, p.51), "os saberes profissionais dos professores não são unificados em torno de uma disciplina, uma tecnologia ou teoria de ensino", eles se diferenciam de tudo isso por que:

um professor raramente tem uma teoria ou uma concepção unitária de sua prática; ao contrário, utiliza numerosas teorias, numerosas concepções e técnicas, conforme necessidade [...] Sua relação com os saberes não se baseia na busca de coerência, mas de utilização integrada no trabalho, em função de vários objetivos perseguidos simultaneamente. (TARDIF, 1999, p.13 apud GUIMARÃES, 2004, p.51).

Diante do exposto, nota-se que as diferentes situações de trabalho demandam uma ou mais competências e que a atuação do professor estende-se a outras situações que não necessariamente se restringem ao espaço sala de aula propriamente dito. Daí,

a importância de se ter claro, desde o planejamento, curricular e institucional que a atuação do professor tem como base e alvo principal a docência, mas não se restringe a ela. Abrange também a produção de conhecimento pedagógico, a cooperação na gestão escolar e a interação com a comunidade educativa na produção coletiva de alternativas para a educação e para fazer avançar a profissionalização da categoria. (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2002, p.62)

O trabalho do professor inclui competências de um profissional intelectual que atua em situações singulares e que para tanto, necessita do domínio teórico do conhecimento profissional. Cabe ressaltar que apenas o conhecimento não basta, é preciso mobilizá-lo em situações concretas, qualquer que seja sua natureza.

Outro fator relevante está associado a valorização do aprendizado dos saberes teóricos em detrimento do aprendizado dos saberes práticos. O saber prático é muitas vezes associado à concepção tecnicista, o que o desvaloriza socialmente e ao mesmo tempo supervaloriza o saber teórico, onde se acredita concentrar uma formação de alto nível.

Influências de tal formação refletem-se nos discursos e até na prática desses profissionais quando estão em sala de aula juntamente com seus alunos. Entretanto, segundo os Referenciais para Formação de Professores (2002) a análise do trabalho educativo escolar demonstra que apenas o conhecimento sobre a prática não basta, é preciso saber fazer. E para que ocorra a verdadeira construção da competência profissional é preciso experiência de atuação aliada à reflexão sistemática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental: Referenciais para formação de professores. MEC/SEF, Brasília, 2002.

GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação.  Campinas, SP: Autores Associados, 1997.

GUIMARÃES, Valter Soares. Formação de professores: saberes, identidade e profissão.  Campinas, SP: Papirus, 2004.

PEREIRA, Júlio Emílio Diniz. Formação de Professores: pesquisas, representações e poder.  Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000.


[1] Professor graduado em Licenciatura Plena em Matemática (2005) e Especialista em Ensino de Matemática (2007) pela Universidade do Estado de Mato Grosso  UNEMAT/Campus de Sinop.


Autor: Ronnie Jefferson Fazollo


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