Duas visões sobre a Revolução Russa de 1917



Analisarmos a Revolução Russa a partir dos livros de Eric Hobsbawm e Gilberto Cotrim. Dessa forma, o presente trabalho objetiva traçar um paralelo entre as abordagens desses dois autores em torno do assunto em questão.

Ao analisar de que forma é visto um acontecimento da Modernidade em dois livros tão diferentes, um didático e outro de um dos maiores historiadores da atualidade, inicialmente optamos por observarmos os títulos escolhidos pelos autores para apresentar seus trabalhos.

Assim, na primeira parte do livro Era dos Extremos, do historiador inglês Eric Hobsbawmrefere-se a revolução na Rússia como A Revolução Mundial. No livro didático História Geral da Antiguidade aos Tempos Atuais o autor Gilberto Cotrim, no 33º Capítulo, analisa a Revolução Russa. Uma simples forma de dar nome a um capítulo de um livro aparentemente detém poucas possibilidades de explicitar as maneiras distintas de se analisar um mesmo acontecimento histórico, masessa diferençavai além de uma simples nomenclatura de um capítulo.

Cotrim ao analisar a Revolução Russa já enxerga uma revolução socialista em sua essência. O autor relata a decadência da monarquia czarista através de seus três últimos monarcas, pontuando as virtudes e fracassos de cada czar, tentando demonstrar o cenário na Rússia pré-1917.

O 3º sub-título destaca os acontecimentos de 1905 depois da guerra entre Rússia e Japão. Segundo Cotrim a crise sócio-econômica causada pela derrota russa criou um estado de revolta. Esse episódio para Cotrim " ... serviu de lição para queos líderes revolucionários avaliassem seus erros e suas fraquezas e aprendessem a superá-los no futuro ". (Cotrim,1986, p. 196 ).

Os acontecimentos de 1917 são analisados no 4º sub-título em que o autor destaca a insatisfação popular causada pela fome que chegou com a Primeira Guerra Mundial e "... provocou crise de abastecimento alimentar nas cidades desencadeando uma série de greves e revoltas populares." (Cotrim, 1986, p. 196).

No texto do 4º sub-título o autor relata o dilema dos Bolcheviques, em especial Lênin , sobre a possibilidade do sucesso de uma revolução socialista em um país de capitalismo atrasado como a Rússia. Segundo Cotrimpara Lênin essa possibilidade era real pois ele"...achava viável concretizar a Revolução Socialista em países de capitalismo nascente." ( Cotrim,1986, p. 196).

Ainda segundo Cotrim "Lênin via na Rússia a existência de condições históricas que permitiam a eclosão da Revolução Socialista, principalmente, depois que a Primeira Guerra Mundial arruinou a estrutura de poder que sustentava o Estado imperial russo" (1986, p. 197).

Nos sub-títulos 5 e 6 o autor analisa, respectivamente, a guerra civil e as primeiras medidas econômicas adotadas pelos Bolcheviques. A disputa entre Stalin e Trotski após a morte de Lênin é o tema do 7º sub-título. Nesse ponto o autor analisa de maneira superficial os anos de "Stalinismo", e fecha o capítulo relatando a morte de Trotski.

O historiador inglês Eric Hobsbawm analisa a Revolução Russa como um dos acontecimentos mais marcantes do século XX. Diferentemente de Gilberto Cotrim, para Hobsbawm o objetivo de Lênin e dos Bolcheviques era conseguir com a revolução de 1917 acender o estopim da Revolução Socialista mundial, assim afirma:

( ) ...Na mente de Lênin e seus camaradas a vitória bolchevique na Rússia era basicamente uma batalha na campanha para alcançar a vitória do bolchevismo numa escala global mais ampla, e dificilmente justificável a não ser como tal. (1995, p. 63)

Mesmo com o isolamento e com a guerra civil que foi incentivada pelas potências estrangeiras a Rússia tornou-se um símbolo para todos os outros povos que lutavam contra a fome e a violência gerados pela Primeira Guerra Mundial. Hobsbawm analisa o fato dos bolcheviques, ao contrario dos Liberais-burgueses com Kerenski, contarem com amplo apoio popular pois, segundo Hobsbawm, os bolcheviques souberam ouvir e, principalmente, entender o apelo da povo por paz, pão e liberdade. Assim a revolução Bolchevique conseguiu, com o apoio do povo russo, sobreviver aos confrontos iniciais com as forças contra-revolucionarias. Para Hobsbawm são três as razões para esse sucesso: primeiro a disciplina centralizadora do Partido Comunista com seus milhares de membros organizados, segundo a capacidade dos bolcheviques em manterem a unidade territorial russa e, terceiro, os bocheviques atenderam uma antiga reivindicação da maioria da população entregando a terra para o campesinato.

Com o poder conquistado na Rússia o movimento comunista internacional inspirou-se nessa primeira experiência, porém, as várias tentativas como na Alemanha, na Bulgária, no Brasil, etc., não conseguiram alcançar seus objetivos mesmo sendo coordenados por partidos comunistas que, em sua maioria, nasceram pós-1917 inspirados nos bolcheviques e orientados pela 3ªAssociação Internacional dos Trabalhadores, a chamada Internacional Comunista.

Após várias experiências fracassadas de tomada de poder pelos comunistas de outros países através de tentativas de revoluções, apenas durante a Segunda Guerra Mundial, com as vitórias do Exército Vermelho da URSS, ocorreram levantes nos países dominados pelos nazistas. Esses levantes foram liderados pelos partidos comunistas locais que foram quase que os únicos focos de resistência aos alemães. Hobsbawm analisa que a maior conquista dos bolcheviquesfoi o fato de terem influenciado toda uma geração e terem formado nessa geração a certeza que ". . .os dias de Capitalismo estavam inevitavelmente contados" (Hobsbawm, 1995, p. 79). Mesmo com a morte de seu maior líder, Lênin, e a posterior disputa entre Stalin e Trotski, o movimento comunista internacional continuou e continua a ter a Revolução Russa como seu maior paradigma.

Ao afirmar que "Em suma, a história do Breve Século XX não pode ser entendida sem a Revolução Russa e seus efeitos diretos e indiretos" (1995, p. 89), o historiador Eric Hobsbawm demonstra a importância fundamental de compreendermos todos os aspectos da Revolução Russa para entendermos todo o sentido do mundo contemporâneo.

A Revolução Russa marca, para os dois autores, um dos momentos mais importantes do século XX. Ao analisarmos as obras dos dois autores podemos perceber que existem vários pontos de convergência sobre o tema, porém, são as diferenças nessas mesmas interpretações sobre a Revolução Russa que procuramos destacar. Mesmo guardando as devidas diferenciações da obra de Cotrim por se tratar de um livro didático voltado para o ensino médio, em "Era dos Extremos" ficam evidentes os objetivos imediatos dos bolcheviques o que facilita a compreensão dos acontecimentos que se seguiram após 1917 e a posição de completo isolamento da URSS durante a Segunda Guerra Mundial.

Este ensaio possibilitou a análise de uma obra largamente utilizada nos cursos de graduação na área de ciências humanas com um livro didático de um dos autores mais utilizados em nosso país, resultando em uma atividade muito importante para que se possa observar os limites do livro didático e a necessidade da permanente leitura de obras voltadas para a área acadêmica de nossa disciplina.

Referência bibliografica:

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. breve século XX 1914-1991. 2ª edição. São Paulo: Cia das Letras, 1999. (14º reimpressão)

COTRIM, Gilberto. História Geral da Antiguidade aos Tempos Atuais. 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1986.


Autor: Pedro Fagundes


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