Algo mais.



Algo mais.

Existe algo mais que reveste minha pele! 

Jamais consegui encontrar seu nome em qualquer dicionário científico, mas um nome que entendo como mais próximo de sua descrição é: CURIOSIDADE.

Meus pais sempre me diziam que eu era um questionário ambulante. E era. Sabia disso. Mas minha curiosidade não. Ainda bem!

Pois a ela devo as poucas coisas que aprendi e apreendi. O mergulho precoce nos livros, o incentivo de uma professora no primário (pois é! Naquele tempo não era primeiro grau, era primário mesmo!) e alguns elogios ao menino inquieto e falante, foram os culpados pelo meu modo de ser.

Hoje, quando olho para aquele menino dentro de mim e juntos trocamos centenas de novas idéias, saio renovado na curiosidade. Lembro-me que durante certo tempo ficamos de mal e ele se deixou levar pela mão do poeta que expulsei de mim. Não foi uma época agradável de se viver. Mas precisei da amargura daqueles tempos, para moldar algo que pudesse consolidar o adulto em meu interior.

Um belo dia, porém, o poeta retornou trazendo o menino. De braços abertos aceitei o retorno de ambos. Com isso voltei à vida e pude perceber que ainda era capaz de fazer alguma coisa certa.

Coincidentemente isso ocorreu ao nascer minha primeira filha. E foi por isso que convivi pacientemente com uma nova edição de mim. Sempre respondi suas milhares de perguntas com enorme paciência. E convenhamos, responder pergunta de criança não é uma tarefa fácil, pois as perguntas mais difíceis partem delas. Quase cinco anos depois veio a outra filha. A história se repetiu e a  dose tornou-se dupla.

Mas sobrevivi. E então, como um teste a mais para minha paciência de pai, surgiu meu filho, que até agora me cumprimenta, quando chego, fazendo uma pergunta. Sempre uma pergunta, como se fosse um instrumento para manter vivo dentro de mim o menino questionário que fui e sou.

Por isso, quando encontro alguém desmotivado, reclamando da vida, tento passar a idéia de que o único remédio eficaz contra isso é um eterno auto-questionamento. Estou vivo?  Tenho saúde?  Posso ver e sei ler?  Tenho pés e posso andar?  Tenho mãos e posso segurar, escrever, acariciar?  Posso respirar?

Então ouço comentários mais ou menos assim:  isso é simplista demais!

Sou obrigado a concordar: é mesmo!

E complemento com o único argumento que me fez entender que me questionar era algo que fazia  ao mesmo tempo  não apenas me conhecer mais, mas, acima de tudo, manter acesa em meu ser, a chama da verdade do óbvio. Da eterna importância do óbvio que desprezamos tanto ao trocá-la pela complexidade que leva sempre à superficialidade nas relações e negligência com as coisas mais importantes da vida.

Quando rememoro as aventuras que já vivi, as emoções que permearam meu ser, sou obrigado a agradecer ao menino que me ensina, a cada dia, como manter a magia da vida e reconhecer as maravilhas que cercam todo o tempo de minha permanência neste plano.

Ele ensinou-me a confiar na capacidade intrínseca da força de vontade, na persistência e nunca contar com a sorte, simplesmente. Ele cristalizou em mim a certeza de que nada cai do céu e que todo trabalho dedicado e sincero tem, do tempo, sua recompensa. Que nada acontece antes da hora em que o mérito recebe suas conquistas.

Por isso, todas as manhãs, quando desperto e vejo o sol pela primeira vez, é como se tivesse nascido novamente.  E minha alma celebra a alegria de estar vivendo em um mundo maravilhoso, apesar de tudo. Celebro cada momento e a proximidade de cada ser vivo à minha volta, reverenciando o Grande Inventor de tudo isso!

Que mais posso querer, além dessa misteriosa substância que reveste minha pele?

 


Autor: Joaquim Saturnino Da Silva


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