AS REFORMAS EDUCACIONAIS DOS ANOS 90 E A INSERÇÃO DO PROTAGONISMO JUVENIL NO GRÊMIO ESTUDANTIL



A política educacional adotada no Governo F.H.C., transferiu para a comunidade escolar a responsabilidade pela eficiência da escola, que, por meio de parcerias e trabalho voluntário, operacionalizaria soluções imediatas para seus problemas. Um dos desdobramentos dessa política se manifesta no protagonismo juvenil, apresentado como proposta inovadora no âmbito do Grêmio Estudantil, na perspectiva do envolvimento da juventude numa prática social que pareceria de natureza servidora. Neste contexto, entende-se como fundamental a investigação dos efeitos da política educacional, a partir das reformas ocorridas nos anos 90, na organização e funcionamento do Grêmio Estudantil, tendo como discussão central a concepção de protagonismo juvenil e conseqüentemente a prática social adotada pelo Grêmio na unidade escolar, que aparentemente, está voltada para o atendimento dos interesses da atual política educacional, tornando-se um operacionalizador de tarefas. Nesta investigação, acompanharemos o trabalho do Grêmio Estudantil de uma escola da rede pública estadual da cidade de Sorocaba, durante o primeiro semestre de 2007, onde faremos um levantamento dos documentos existentes na unidade escolar relacionados ao Grêmio, combinando a análise documental, entrevistas semi-estruturadas e registros áudio-visuais desse processo.

Introdução:

O movimento estudantil organizado e representativo nacionalmente, surge com a criação da União Nacional dos Estudantes em 1937, congregando estudantes universitários e secundaristas que se engajam em campanhas nacionalistas e outras relacionadas diretamente à educação. (RABAT, 2002; DCE USP, s/d.)

Com o golpe militar de 1964, e a promulgação do Ato Institucional nº. 5  AI-5, as entidades estudantis são extintas e passam a atuar na clandestinidade. Em 1979 voltam à legalidade, e os estudantes secundaristas iniciam o processo de reconstrução da entidade nacional, a UBES  União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, que atuava conjuntamente com a UNE. (GONÇALVES, ROMAGNOLLI, 1979)

A década de 80 é marcada pela redemocratização do país com a participação dos estudantes na campanha das Diretas Já, promulgação da Lei do Grêmio Livre[1], Constituição Federal, discussões referentes à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e das eleições diretas para Presidente da República.

Em 1989, Fernando Collor de Mello é eleito Presidente da República, assumindo o cargo em 1990.Neste mesmo ano, ocorre a Conferência Mundial de Educação Para Todos[2], que aborda como prioridade o ensino fundamental e a garantia da satisfação das necessidades básicas e a equidade, propondo também ações que mobilizem "[...] recursos financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários, [...]" destacando que "[...] a educação básica constitui o investimento mais importante que se pode fazer no povo e no futuro de um país."(JOMTIEN, 1990)

No fim da década de 80 e início de 90, com o processo de reconstrução dos Grêmios Estudantis, a Secretaria de Estado da Educação - SP, elabora um documento incentivando a otimização destas entidades, fortalecendo práticas democráticas e resgatando a função social da escola.Apresenta as APM's  Associações de Pais e Mestres -, Conselhos de Escola e Grêmios Estudantis como: "[...] Canais legais e legítimos entre a escola e a comunidade, e, na medida em que, integrados, partilhem objetivos comuns, que norteiem o desenvolvimento de suas ações, promovendo o avanço democrático da sociedade como um todo [..].". (SÃO PAULO, 1990)

No início da década de 90, o Ministério da Educação elabora o Plano Decenal de Educação Para Todos, incentivando a educação para a competitividade.Reafirma a necessidade de se investir no ensino fundamental, desenvolvendo um mínimo de conhecimentos e competências, especialmente as necessárias para o mundo do trabalho e apresenta a urgência na implantação de canais de cooperação e intercâmbio, fortalecendo os espaços para acordos e parcerias. (MENEZES, 2006)

O Governo de Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994, elabora vários documentos, que apresentam como referencial as definições da Conferência Mundial e, consequentemente, do Plano Decenal.

Neste sentido, a nova LDB  Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96[3], cria condições para que haja uma descentralização das decisões dentro da unidade escolar e traça as diretrizes gerais para a organização curricular.Estabelece as DCN`S  Diretrizes Curriculares Nacionais e os PCN'S - Parâmetros Curriculares Nacionais, norteando os currículos, assegurando a formação básica comum. (CEE, 2002, p. 131).

Na perspectiva de direcionar as atividades promovidas pelo Grêmio Estudanti, de forma que estes pudessem contribuir para a implementação desta nova política educacional, a Secretaria de Estado da Educação-SP, edita uma nova cartilha, trazendo informações gerais sobre a legislação vigente redefinindo o papel a ser desempenhado por estas entidades na unidade escolar.

Como mostra Luz, (1998, p. 02) no texto de Apresentação da cartilha, o Grêmio Estudantil tem na escola,

[...] um espaço riquíssimo de possibilidades, onde os alunos têm muito, não só para ouvir, mas para dizer; não só para aprender, mas para criar; não só para reclamar; mas para agir. Ao lado dos vários problemas do dia-a-dia da escola, que os alunos podem ajudar a identificar e resolver, existe um mundo de temas e atividades para os quais a escola é o lugar perfeito de discussão e realização.[...]

A cartilha ressalta a possibilidade de se convidar um professor para auxiliar no desenvolvimento das atividades, atuando como um "coordenador", cita a desobrigatoriedade de adesão a outras entidades estudantis, e propõe a realização das eleições ainda no primeiro bimestre letivo, estabelecendo prazos para inscrição de chapas, campanhas de divulgação, eleições e apuração dos votos.

O Instituto Sou da Paz[4] é outra instituição que se propõe a contribuir com a organização do Grêmio Estudantil, elaborando vários materiais auxiliares na formação do Grêmio, pautado no desenvolvimento comunitário e democrático, que valorize a cidadania e os direitos humanos.Apresentam o Grêmio Estudantil como representante dos

[...] estudantes diante da diretoria na discussão de possibilidades de ação na escola e na comunidade, além de ser um espaço de aprendizagem, convivência e luta por seus direitos básicos.

[...] contribuir para aumentar a participação dos alunos nas atividades da escola, organizando campeonatos, palestras, projetos e discussões, fazendo com que estes tenham voz ativa e participem - junto com os professores, coordenadores e diretores  da programação e da construção de regras dentro da sua escola. [...]pode promover festas nos finais de semana e até exigir melhoria na qualidade do ensino. [...] (OLIVEIRA, 2001, p. 05)

Com a política educacional adotada a partir da Conferência Mundial, e a inserção do protagonismo juvenil[5], que envolve os educandos no exercício do voluntariado social, o Grêmio Estudantil passa a ser um operacionalizador de soluções imediatas, envolvido em ações solidárias. (SPÓSITO, 2000) Desta forma, promovendo uma autonomia limitada, transfere-se para a comunidade escolar, por meio de parcerias e convênios a responsabilidade pela eficiência da escola, com a descentralização das decisões operacionais. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2004)

Para Costa (2001, p. 26);

A proposta de protagonismo juvenil [...] pressupõe um novo modelo de relacionamento do mundo adulto com as novas gerações.Esse relacionamento baseia-se na não imposição a priori aos jovens de um ideário em função do qual eles devam atuar no contexto social.Ao contrário, a partir das regras básicas do convívio democrático, o jovem vai atuar, para, em algum momento de seu futuro, posicionar-se politicamente de forma mais amadurecida e lúcida, com base não só em idéias, mas, principalmente, em suas experiências (práticas e vivências) concretas em face da realidade.

Com esta nova proposta temos espaço para ações solidárias e meritórias, visando suprir a necessidade imediata da comunidade escolar incluindo o próprio jovem, em contrapartida, podemos, com este tipo de intervenção, promover ações despolitizadas, buscando uma adaptação e não a problematização dos fatos. (ZIBAS; FERRETTI; TARTUCE, 2004)

Percebe-se, uma nova direção nas discussões desenvolvidas pelo Grêmio Estudantil, que discute as soluções imediatas no sentido de intervir na superação de situações-problema, atuando de forma voluntária e em parceria com a comunidade.

Para Zibas; Ferretti; Tartuce (2004, p. 26-27):

Pode-se dizer que as diversas facetas do conceito de protagonismo juvenil,[...] nos remetem à noção de hibridismo semântico.Ou seja, de um lado se tem, a despolitização da participação juvenil, a afirmação da irreversibilidade dos "efeitos negativos da era pós-industrial" e um apelo à adpatação à nova ordem mundial ou à superação individual da segmentação social.No entanto, concomitantemente, os mesmos textos advogam [...] a necessidade de desenvolvimento do ser humano completo, para além das necessidades da produção, aberto à diversidade cultural de seu tempo e às responsabilidades sociais [...].

Diante da atualidade do tema e da literatura escassa sobre o assunto abordado, é fundamental a investigação sobre os efeitos da política educacional, a partir das reformas ocorrida nos anos 90, na organização e funcionamento dos Grêmios Estudantis, tendo como discussão central, a inserção do protagonismo juvenil neste novo contexto.

Problema

Pelo estudo realizado até o presente momento, nota-se um processo diferenciado na atuação dos Grêmios Estudantis, que, em outros momentos da história apresentou-se como entidade engajada em questões nacionais, como nos diz Spósito (2000), "[...] adeptas de um militantismo politizado e articulado em torno de temas tradicionais do movimento estudantil."

Encontramos nos documentos, que o Grêmio Estudantil tem entre suas atribuições a representação e congregação do corpo discente com os outros setores da escola e sua comunidade.Na cartilha editada pela Secretaria de Estado da Educação, aparece como responsável pelo desenvolvimento do senso crítico e participativo dos estudantes, para Costa (2001) com o protagonismo juvenil, [...] os estudantes estão diante de um processo de construção de cidadãos mais autônomos e críticos, numa sociedade mais democrática, solidária e aberta [...].Nos documentos do Instituto Sou da Paz, o Grêmio é visto como um espaço de aprendizagem, convivência e luta por seus direitos básicos.

Buscando compreender o processo histórico de reconstrução destas entidades a partir da década de 80, apresentamos o seguinte questionamento:

§As reformas educacionais da década de 90 interferiram na atuação do Grêmio Estudantil dentro da unidade escolar. Que interferências foram estas e tendo como discussão central a inserção do protagonismo juvenil, qual prática social o Grêmio Estudantil cumpre efetivamente nas escolas?

Hipótese

A hipótese apresentada é que a partir das reformas educacionais dos anos 90, os Grêmio Estudantil, adota uma nova postura na unidade escolar e encontra-se voltado para o atendimento dos interesses da atual política educacional tornando-se um operacionalizador de tarefas.Com a inserção do protagonismo juvenil, promove-se uma naturalização sobre a gestão e manutenção da escola por meio do trabalho voluntário, desresponsabilizando o Estado de suas atribuições.

Objetivos

O objetivo deste estudo é investigar e compreender a prática social desenvolvida pelo Grêmio Estudantil, uma vez que, aparentemente, com as reformas educacionais dos anos 90 e o protagonismo juvenil, assume a solução imediata dos problemas que surgem na unidade escolar, atendendo a atual política educacional.

Procedimento de Pesquisa

Por meio da pesquisa qualitativa de um estudo de caso, abordaremos no primeiro semestre de 2007 uma escola da rede pública estadual do ensino fundamental (ciclo II) e médio, localizada na cidade de Sorocaba que tenha um histórico de Grêmio Estudantil em funcionamento desde a década de 80, possibilitando-nos visualizar os acontecimentos em vários momentos da entidade.

Inseridos neste contexto, faremos uma busca nos documentos existentes na unidade escolar sobre o tema.Estes documentos serão agrupados a outros materiais recolhidos num levantamento da bibliografia existente.

Atuando enquanto observador participante, confeccionaremos relatórios oriundos desta observação registrando as discussões ocorridas neste período, por meio de anotações de campo.

As entrevistas semi-estruturadas serão realizadas com os integrantes da Diretoria Executiva do Grêmio Estudantil, o Diretor da unidade escolar, o professor coordenador pedagógico, o professor "orientador" do Grêmio Estudantil, e um representante de sala de cada período existente na unidade escolar, que não faça parte do Grêmio Estudantil.

Utilizaremos registros audiovisuais dos eventos e das entrevistas, complementando-se a fala dos entrevistados, para a captação de comunicações não verbais que contribuam para o esclarecimento de questões pendentes.

Na fase de análise e interpretação sistemática dos dados, serão elaborados relatórios que serão disponibilizados aos participantes para que tenham conhecimento do texto que está sendo produzido.

Referências Bibliográficas:

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. O protagonismo juvenil passo a passo: um guia para o educador. Belo Horizonte: Editora Universidade, 2001

GONÇALVES Tânia, e ROMAGNOLI Luis. A volta da UNE  de Ibiúna à Salvador. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979.

LUZ, Sergio Edgard da. A organização do Grêmio Estudantil. São Paulo: 1998.

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Plano Decenal de Educação Para Todos (verbete). Dicionário Interativo de Educação Brasileira  Educa Brasil. São Paulo: Midiamix Editora. Disponível em , Acesso em 14 out. 2006.

OLIVEIRA, Amanda Leal. Caderno Grêmio em forma. São Paulo. Instituto Sou da Paz. 2001.

RABAT, Márcio Nunes.A participação da juventude em movimentos sociais no Brasil. Câmara dos Deputados. Brasília, DF. 2002. Disponível em: Acesso em 09 de out. de 2006.

SÃO PAULO. Integração Escola-comunidade; a organização do grêmio estudantil. 1990.

SÃO PAULO. Diretrizes Curriculares Nacionais. Conselho Estadual da Educação (São Paulo). Conselho Estadual da Educação; São Paulo: CEE, 2002.

SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia M de; EVANGELISTA, Olinda. Política Educacional. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2004.

SPÓSITO, Marília Pontes. Algumas hipóteses sobre as relações entre os movimentos sociais, juventude e educação. Revista Brasileira de Educação. Jan/Abr. 2000, n.º 13, p. 73-94.

UMES/SP  União Municipal dos Estudantes Secundaristas. Lei do Grêmio Livre. Disponível em: . Acesso em 01 abr. 2005.

UNESCO Brasil. Disponível em Acesso em 01 de out. de 2006.

USP. DCE Livre "Alexandre Vanuchi Leme" Edições Guaraná, s/d.

ZIBAS, Dagmar M. L.; FERRETTI Celso J.; TARTUCE, Gisela Lobo. O protagonismo de alunos e pais no ensino médio. São Paulo: FCC/DPE, 2004.


[1] Lei n.º 7398 de 04 de novembro de 1985.

[2] Ocorreu entre os dias 5 e 9 de março de 1990 em Jomtien, na Tailândia.

[3] Aprovada em 20 de dezembro de 1996.

[4] Criado a partir de 1997, fruto da "Campanha Sou da Paz pelo Desarmamento" .

[5] Do grego proto = principal,agon = luta e agoniste = lutador ou seja, lutador principal de um torneio.Hoje protagonismo juvenil é utilizado por educadores como os processos, movimentos e dinamismos sociais e educativos em que os jovens assumem o papel principal.Sua utilização sistematizada, surge a partir de um guia elaborado por Costa, 2001, encomendado pela Rede Pitágoras, onde o autor trabalha com a prática do voluntariado social.


Autor: Marcilene Moura


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