Apartheid Das Cidades-satélites Em Brasília



Lendo o artigo "Direito à moradia e à memória" de Nishlei Vieira de Mello (Realização de direitos humanos pelo protagonismo social da comunidade do acampamento da Telebrasília) e UNB, temos esclarecimentos e passamos a conhecer o debate jurídico, social e político que envolve o direito de morar em detrimento de outros interesses, também defendidos pelo outro pólo.

O tema discorrido pela autora e com a participação brilhante da Universidade de Brasília, diz respeito principalmente aos direitos fundamentais dos moradores do chamado "Acampamento da Telebrasília", que tiveram e continuam tendo, seus direitos ameaçados por questões, às vezes obscuras e por razões que talvez desconheçamos.

Antes de continuarmos, é fundamental reproduzirmos algumas definições da situação sócio-política e jurídica que ocorre neste caso.

Seguem algumas palavras selecionadas do artigo em comento: "O acampamento da Telebrasília, assim como diversos outros acampamentos no Distrito Federal, foi criado, no ano de 1956 e início de 1957, para obrigar os operários empregados das empresas que trabalhariam na construção da nova Capital. Os primeiros acampamentos foram montados com barracas de lona, com precárias condições de abastecimento de água e sem qualquer saneamento básico.

Em 1957, foram abertos diversos canteiros de obras para as atividades de terraplanagem e fundações (…).

Também reproduziremos um trecho de Nair Bicalho, para inteirarmos os leitores desta matéria, caso contrário não teriam aproveitamento do contexto em que falamos:

"No ano de 1959, o território do Distrito Federal era formado por acampamentos (Centro da Novacap, Candangolândia, Praça dos Três Poderes, Plano Piloto e outros), núcleos provisórios (Bananal e Bandeirantes), núcleos estáveis (Planaltina, povoado de Taguatinga e de Brazlândia) e a zona rural."

Estamos diante de uma excelente obra que trata de um problema local, mas que relata um problema social comum da realidade brasileira.

Conforme a exposição deste artigo, fica patente a história da construção, instalação e moradia, resultante de um crescimento desenfreado e desorganizado, sem projetos bem elaborados, surpreendidos por uma naturalidade inevitável, ou seja, a necessidade de moradia, seguida de inviabilidade econômica daqueles que desejavam um lugar para morar.

Permeando este assunto, podemos abrir um parêntese para lembrarmos que o contexto da história política e habitacional brasileira, nos leva a crer que mais uma vez (como na maioria das vezes), este fato resultou de uma ânsia política e "marqueteira" para impressionar o povo e eleitores em potencial.

Esta tática já foi usada várias vezes desde décadas atrás e quase sempre tiveram finais infelizes.

É claro que não desaprovamos a construção de Brasília, não nos deteremos no mérito da nova capital, o que não concordamos e nos manifestamos contra, é a maneira que as coisas andaram e a irresponsabilidade que os nossos governantes tem em gestionar a coisa pública.

Neste momento vamos reproduzir mais um trecho do artigo para melhor compreensão do que tratamos:

"O crescimento da cidade é que ocorreu de forma anômala. Houve uma inversão que todos conhecem, porque o plano estabelecido era para que Brasília se mantivesse dentro dos limites para os quais foi planejada, de 500 a 700 mil habitantes. Ao aproximar-se desses limites, então, é que seriam planejadas as cidades-satélites , para que essas se expandissem ordenadamente, racionalmente projetadas, arquitetonicamente definidas. Esse era o plano proposto. Mas ocorreu a inversão, porque a população a que nos referimos (os candangos) aqui ficou, e surgiu o problema de onde localizá-la (…). Daí a criação de núcleos periféricos, para transferir as populações, dando terreno para que se instalassem de uma forma ou de outra. Como conseqüência, os núcleos transformaram-se em verdadeiras cidades , as chamadas cidades-satélites, que tomaram o lugar das cidades-satélites que deveriam ocorrer. Assim, as cidades-satélites anteciparam-se à cidade inconclusa, cidade ainda arquipélago, como estava - agora já mais adensada mas ainda não-concluída. A cidade ainda está oca. Entretanto, dois terços da população de Brasília mora nessa periferia, o que foi, naturalmente, desvirtuamento".

Não há como negar a responsabilidade dos encarregados pela administração pública no que tange a esta construção. Isentá-los de culpa abriria precedentes para outros e outros problemas como este. Acreditamos porém, que a impunidade e a falta de obrigatoriedade de esclarecer, bem como a não transparência daquilo que interessa ao povo, faz como que se perca o foco e fiquemos sempre procurando soluções para problemas que foram criados por negligência, imperícia e irresponsabilidade.

Devemos considerar que sempre quando falamos em prejuízo, temos que automaticamente pensar no direito, ou seja, onde há ofensa ao direito, seja ele de caráter individual ou coletivo, haverá tutela jurídica e é neste ponto que se desenvolve o teor do artigo sob comento.

Insta salientar, o que diz a Constituição no seu artigo 6°:

"São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Não pretendemos esgotar o tema aqui, pois nem mesmo a autora do brilhante artigo o pretendeu fazer, pois o tema é demasiadamente complexo, haja vista os ângulos sociológicos, políticos, históricos e jurídicos intrínsecos a habitação.

Ver Brasília pela televisão é muito mais confortável e bonito, pois quase sempre vemos o Palácio do Planalto a Explanada dos Ministérios e grandes construções com as características de Oscar Niemeyer. No entanto, ao passar pelas cidades satélites e observarmos as dificuldades que aqueles moradores tem em seu dia-dia é simplesmente frustrante. O lugar é seco por sua natureza, não possui asfalto na maioria das regiões, a poeira cobre o céu e as casas ficam todas avermelhadas ou amarronzadas, não tem ônibus por perto, não tem infra-estrutura, postos de saúde e hospitais são precários, não há policiamento, não há indústria, enfim, não há condições de se ter qualidade de vida digna.

Os voluntários em obras assistenciais ou até mesmo os profissionais que tem contato direto com os necessitados e excluídos socialmente, tem maior propriedade e confiabilidade para expressar claramente a calamidade e miserabilidade em que aqueles moradores vivem.

Devemos confessar que em outro estado encontra-se Taguatinga, Plano Piloto e outras localidades, pois onde há moradores de alto poder aquisitivo, há qualidade de vida diferenciada. Lá, estes não têm tantas dificuldades e estão alheios aos problemas da periferia. Pouco se fala sobre a violência em Brasília, mas é fácil ser assaltado enquanto se caminha por suas partes periféricas. Onde há pouco emprego, pouca qualificação profissional, pouca educação e nenhum lazer digno para entreter a juventude é inevitável termos um alto índice de violência.

Ao dissertar sobre o tema em análise; "direito de morar", deve-se salientar, que existe uma disputa de forças entre classes e interesses diferentes, a saber; pobres e ricos, políticos elitistas e defensores da classe baixa, uns preocupados com a paisagem de Brasília e outros preocupados com defender o direito à moradia e à memória daquele povo.

É oportuno fazer menção do trecho do Professor da UNB, Aldo Paviani, em seu artigo: Brasília: "conceito urbano espacializado?", quando diz:

"a cidade utópica cedeu espaço à apropriação desigual do território, com os ricos ocupando o Plano Piloto e adjacências e os pobres, as cidades satélites ou mesmo as muitas "invasões" que permeiam o tecido urbano".

Assim menciona o artigo, referindo ao Acampamento da Telebrasília:

"(…) às margens do lago Paranoá, destinada à preservação paisagística e ao lazer, uma das premissas básicas da concepção de Lúcio Costa para a cidade. Todavia, as autoridades não consideravam eu, quando do tombamento (14/03/90), o Acampamento existia a 34 anos e que tem ele o poder de preservar o que existe (…)"

Ainda continua: "(…) O direito de morar implicava a disputa sobre quais setores sociais o centro da cidade, sede dos governos distrital e federal, e seus anexos, Lago Sul, Lago Norte, Setor Octogonal, Setor Sudoeste têm a marca de espaços privilegiados por abrigar a classe dirigente, setores abastados do comércio, indústria e serviços e setores bem postos do funcionalismo de ambas as esferas governamentais. Trata-se de um território bem dotado de infra-estrutura e qualidade ambiental, que demanda policiamento ostensivo em razão do incremento da violência s seriam titulares daqueles direitos. Por um lado, no caso do direito de propriedade, a definição quantos aos seus detentores passa pelo vínculo econômico, de modo que tem tal direito quem pode assumi-lo em função se sua melhor posição sócio-econômica e até mesmo política. No outro, o direito de morar procura sua definição a partir de conceitos que transcendem os limites postos pela tradição jurídica positivista, de modo que seus detentores são prevalentemente aqueles "historicamente depreciados, situados no fim das hierarquias, como dito por Maria Célia Paoli".

Sempre temos dois pólos em uma demanda, esta não é diferente, mas o que devemos ressaltar aqui e ponderarmos, é qual a solução será dado, e quais fundamentos foram imprimidos para tal solução. Se olharmos para trás, teremos uma expectativa ruim, pois os interesses que vencem, quase nunca são os que atendem o bem comum, e sim, os dos mais poderosos. Estes têm maior acesso a justiça, mais conhecimento das leis, mais recursos para investir, mais influência, mais "amigos", enquanto os marginalizados, não tem amigos, não tem acesso a justiça, quase sempre não conhecem plenamente os seus direitos. E além de tudo, tem poucos por eles, neste ponto até a mídia se omite, pois quando tornam pública a injustiça social, contrariam os interesses de seus proprietários, ou seja, os grandes empresários.


Autor: Adriano Martins Pinheiro


Artigos Relacionados


Cidadela

Midas

O Medo De Amar

Palavra

Humildade

O Salmo 23 Explicitado

Natureza Morta