CONHECENDO A DISGRAFIA



*por Licilange Gomes Alves

Márcio Vasconcelos Diogo

Maria Meiriane Freire Aguiar

Palavras-chave: Disgrafia. Escrita. Problemas. Dificuldades. Nosso objetivo é discutir sobre disgrafia e as dificuldades enfrentadas pelas crianças para adquirir habilidades relacionadas à escrita. Muitas vezes, nas escolas, os alunos apresentam um baixo rendimento nas produções escritas e atribuímos a causa à vários outros fatores sem imaginarmos que o problema possui uma natureza bem mais complexa, a qual desconhecemos. Objetivamos não apenas falar da disgrafia mas contextualizá-la na área em que ela se manifesta, tentando ao mesmo tempo, descrever todos os elementos ou fatores que a constituem. As disgrafias são caracterizadas por falhas na organização da mensagem, sendo que a pessoa disgráfica sente dificuldade em planejar ideias para construir seus escritos. E a outra característica é a apresentação de problemas relativos à construção da estrutura sintática que ocorre quando a pessoa elabora frases sem nexo, incoerentes. É necessário que o professor identifique o problema para buscar uma solução, já que a comunicação escrita é uma ferramenta de grande importância atualmente. Com base nisso é necessário que os profissionais da educação, mais precisamente os professores da área de Língua Portuguesa, busquem tomar conhecimento a respeito de dificuldades gráficas para que possam detectá-las em seus alunos e encontrar estratégias adequadas para solucionar tais problemas.

INTRODUÇÃO

A escrita vem acompanhando o homem em seu processo de evolução desde quando este percebeu pela primeira vez que poderia gravar, transformar em figuras tudo que encontrava. O homem passou a desenhar nas paredes seus hábitos, objetos, animais...Enfim, percebeu que suas idéias poderiam ser transformadas em símbolos. Cada figura que ali estava não era um simples conjunto de traços criados pelos seus dedos; aquilo, na verdade, carregava em si significados variados que para ele era de inquestionável importância. " Esses desenhos, as pinturas rupestres, são relativamente complexos; as informações são numerosas e muitas vezes não unívocas; sua decodificação precisa contar com uma referência à cultura do escritor". (HOUT & ESTIENE, 2001, p. 28). Depois de um longo processo de evolução, a escrita chega ao que conhecemos hoje, onde ela cumpre a função de representar graficamente o que é produzido fonologicamente. Nessa etapa, a escrita assume um papel de grande importância, onde o homem vai encontrar nela caminhos de acesso e transmissão de sua cultura e de outros povos. Será ela o veículo condutor de conhecimento e todos que a conhecem se utilizarão de seus serviços tanto como emissor, como receptor de muitos conteúdos, mas a discussão que será tratada nas páginas posteriores deste trabalho não irá preocupar-se com esse aspecto evolutivo e utilitário da escrita. Este breve comentário seria, para nós, uma forma bem interessante de situar em que campo tão extenso e rico nosso estudo será desenvolvido. O que foi exposto no parágrafo anterior tenta na verdade , resumir a dimensão do universo variado e complexo de onde nossa discussão captura algo agregado a ele e tenta debater um pouco a seu respeito, pois somente fazendo esses prévios comentários é que evidenciaremos o valor do tema que abordará nossa discussão.

É esperado por nós que certamente o leitor, talvez até já irritado, já perguntou: "E o que seria?" Esta seria a pergunta que queríamos implantar na cabeça do leitor, queríamos, de certa forma, gerar uma espécie de incômodo no pensamento do indivíduo para, enfim, anunciar do que queremos tratar e, assim, dizer numa simples palavra: disgrafia. "Disgrafia?!" Poderia alguém dizer. E nós responderíamos: "Isso mesmo, não conhece? Na verdade é provável que muitos desconheçam do que se trata; até mesmo pessoas que obrigatoriamente deveriam ter noções sobre o assunto não têm a menor idéia do que seria isto! Mas, por enquanto, limitemo-nos à conceitualização da disgrafia. Mais adiante falaremos um pouco sobre essa falta de informação à respeito da mesma.

A disgrafia é um problema que dificulta o processo de aprendizado da escrita; a pessoa que a apresenta sente dificuldades enormes para realizar qualquer tarefa que exija de si habilidades básicas de escrita. Porém esta afirmação não explica claramente o problema e poderia levar a uma possível confusão na tentativa de identificar o problema. Ora, todos sabemos que nossas escolas estão abarrotadas de crianças portadoras de dificuldades na escrita; a escrita, para muitos, ainda é uma tarefa de difícil domínio. É comum observarmos em alunos de séries iniciais uma imensa variedade de incorreções na escrita; escrever é, muitas vezes, um de seus melhores pontos fracos. E, com isso, perguntamos: Todos eles apresentam disgrafia? Bem...se seguíssemos a definição proposta anteriormente, certamente todos seriam chamados de disgráficos. Mas acontece que a disgrafia, em sua essência possui características próprias que a diferencia de qualquer outra dificuldade na escrita. Na verdade as principais características que diferenciam a disgrafia de uma simples dificuldade de escrita são os fatores que ocasionam cada uma.

Segundo Garcia (1998), a disgrafia é uma dificuldade no desenvolvimento da escrita, mas só se classifica como tal quando, por exemplo, a qualidade da produção escrita mostra-se muito inferior ao nível intelectual de quem a produz. Quanto às outras dificuldades a escrita ruim vem associada a um baixo nível intelectual. Além disso, o mesmo autor também afirma que a disgrafia geralmente apresenta-se com outras alterações superpostas como os transtornos do desenvolvimento na leitura, transtornos no desenvolvimento da linguagem, transtornos do desenvolvimento matemático, transtornos de habilidades motoras e transtornos de conduta de tipo desorganizado.

No entanto, sejamos francos, mesmo contendo elementos que a diferencia de outras dificuldades, a disgrafia não é algo que se perceba com facilidade dentro do ambiente escolar. Uma pessoa que não esteja previamente preparada e qualificada dificilmente será capaz de perceber a disgrafia. Aí voltamos a alguns parágrafos para retomarmos àquela discussão: há pessoas hoje atuando na área educacional que desconhecem ou sabem pouco sobre disgrafia. Mesmo trabalhando vários anos no ensino infantil, vários de nossos atuais educadores nem sequer ouviram falar dessa denominação. O que vemos é que há uma maior atenção em relação à disgrafia em cursos universitários de formação de educadores. Mesmo assim, esses estudos, quando são tratados, se baseiam apenas no conhecimento teórico e não há um grande incentivo para que haja uma extensão desses estudos nas nossas escolas. Estas realidades sobre disgrafia foram observadas pelos alunos do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA-, que ao realizarem entrevistas com professores de algumas cidades da região na qual a universidade está localizada, perceberam que muitos desconheciam do que se tratava. Havia casos inclusive de diretores que não tinham o mínimo conhecimento a respeito do problema. Ou seja, é provável que muitos alunos estejam condenados a sofrer as consequências da disgrafia, por não estarem recebendo acompanhamento específico e necessário para o problema.

Entretanto, devemos nos atentar para o seguinte fato: por uma criança apresentar dificuldades em desenvolver habilidades escritas, não implica dizer que ela, de fato, tem disgrafia, pois para realizar tal diagnóstico, é preciso antes nos atentarmos para a escolarização insuficiente, algum tipo de alteração neurológica, enfim, precisa-se observar vários fatores que podem se confundir com disgrafia.

Segundo Garcia (1998:198) "uma dificuldade típica observada nas disgrafias ou dificuldades de aprendizagem gráfica é a escrita em espelho". Aqui o autor explica que devido os disgráficos não possuírem uma representação dos traços que compõem os grafemas, eles fazem uma confusão entre as letras p, q, d, e b; a pessoa sabe que existe um traço em forma de linha vertical e outro em forma de semicírculo, porém, ela não sabe qual é a posição correta dos traços, o que vem antes ou o que vem depois. Ao mesmo tempo as afirmações do referido autor entram em contraposição às ideias de Shaywitz (2006: 87), o qual afirma que " Um dos maiores duradouros equívocos é o de que a criança disléxica vê as letras e as palavras de trás para frente e que escrever de maneira invertida é um sinal disso. (&) Outro equívoco parecido é escrever como se estivessem diante de espelho, o que acompanha a dislexia". Aqui o autor afirma que escrever de trás para frente, é um procedimento comum nas primeiras etapas do processo de desenvolvimento da escrita entre crianças disléxicas e não disléxicas.

O atraso na escrita pode se manifestar na construção sintática que ocorre quando a criança utiliza uma linguagem pobre de elementos gramaticais ou com gírias, ou mesmo com dialetos (variedade regional de uma língua).

Segundo Condemarin e Medina (2005:67), " as excessivas correções ortográficas acabam levando o aluno a empobrecer seus escritos para evitar correr o risco de cometer muitos erros que serão sancionados pelo professor".

Frisamos aqui um fato comum em avaliações de textos, pois por tradição, a escola sempre considerou a ortografia como algo primordial para o qual devem ser voltadas todas as atenções na hora de avaliar os textos escritos por alunos. Porém, devemos saber que quando damos relativa importância especialmente para os erros ortográficos, acaba-se gerando um constrangimento entre o aluno e sua produção escrita. Essas correções excessivas fazem com que o aluno empobreça seus textos, limitando sua capacidade de escrever por medo de cometer muitos erros ortográficos.

Uma criança pode ler bem e não apresentar a mesma capacidade na escrita tendo dificuldade de organizar ideias para montar um texto, ou mesmo para cometer muitos erros ortográficos, como também pode ocorrer o contrário: ela escreve bem, mas ao expressar-se oralmente se sente insegura deixando escapar as ideias de seu pensamento. Trata-se, muitas vezes, de habilidades, pois uns são áptos a escrever, e outros, a ler ou expressar-se espontaneamente. É preciso criar mecanismos que ampliem essas habilidades procurando, ao mesmo tempo, desenvolver as outras que ainda precisam ser trabalhadas. Normalmente, as disgrafias estão associadas às dislexias, uma vez que na maioria dos casos, as pessoas que têm dificuldade em ler, sentem igual dificuldade para escrever.

Para Garcia (1998) um ponto que evidencia a disgrafia é o intercâmbio de letras que consiste na inversão feita entre as letras no contexto da palavra. Um exemplo dado pelo autor é a palavra sol que é escrita por um disgráfico da seguinte forma: los. Ou seja, a pessoa sabe que a palavra é composta pelas letras l, s, o, porém, ela não sabe qual é a ordem exata das letras.

As dificuldades nos processos motores podem se dá em três tipos: nos alógrafos, que ocorre quando a criança coloca letras maiúsculas entre as minúsculas e/ou vice-versa, acrescenta letras onde não existe ou não as coloca onde deveriam existir; nos padrões motores gráficos ( características das agrafias periféricas), quando coloca grafemas excessivamente grandes ou pequenos causando uma desproporção entre as letras; e por último, vem a organização geral que ocorre quando a criança faz um amontoado de letras e/ou palavras e, ao mesmo tempo, deixa distâncias entre as mesmas e desrespeitas as margens.

Serão consideradas aqui três etapas postuladas por Frith (1985, apud Hout e Estienne 2001,p. 37) que caracterizam a aquisição da linguagem: as estratégias logográficas, alfabéticas e ortográficas:

Estratégia logográfica: é o reconhecimento rápido das palavras. A criança associa novas palavras às que já fazem parte de seu vocabulário.

Estratégia alfabética: aqui a criança passa a amadurecer sua consciência e percebe que as palavras são sequências que devem ser decoradas. Ela aprende a reconhecer as palavras pelo contexto, fazendo uma análise semântica, ou seja, atribuindo-lhes significado.

Para Shaywitz (2006:87)"Estudos recentes demonstraram que a dislexia não só está presente em muitas famílias, como também é algo genético". A dislexia pode, muitas vezes, ser um problema genético; comumente, certas famílias apresentam um parente disléxico e por isso, uma criança que faz parte dessa família deve ser monitorada para que sejam percebidos sinais de dificuldade em sua linguagem. A escrita possibilita o ato de nos comunicarmos com o mundo. O ato escrito é fundamental, mas nem sempre esse ato se dá de uma forma correta, sem dificuldade por parte da pessoa que vai comunicar algo através de um texto, por exemplo, pois ela envolve muitos processos de desenvolvimento que algumas vezes certas pessoas não têm a capacidade de possuí-los com perfeito funcionamento.

Para Garcia (1998) "Antes de escrever algo se faz necessário saber o que se vai escrever , esses processos são os que consomem mais tempo nas tarefas de escrita(...)". Envolvem, portanto, as ideias que vão se fazer presentes no texto, uma busca de informações contidas na memória, compreendendo os acontecimentos da vida e as informações armazenadas.

Com relação ao diagnóstico das dificuldades de aprendizagem da escrita não se deve pensar que uma das causas dessa dificuldade seja uma inteligência baixa, sendo que o mais importante é o tipo e a quantidade de erros. É interessante que se faça a realização de testes de leitura (precisão, fluência e compreensão), ortografia e linguagem, o que representa o grupo principal para o diagnóstico da dislexia na criança.

Ao pensar em escrever um texto deve-se planejar o que se quer escrever, o conteúdo da escrita, quais as informações que irão ser transmitidas. Esse planejamento irá envolver a memória da pessoa, a organização do texto de maneira que se entenda a mensagem que se quer passar e a revisão que tem o intuito de fazer o indivíduo reconhecer seus próprios erros podendo realizar as devidas correções. Com relação ao planejamento deve-se considerar ainda o tipo de texto a ser desenvolvido, a forma de defesa dos argumentos e o destinatário do texto.

Com base nas considerações expostas, concluímos que convém ao educador capacitar-se para conseguir diagnosticar problemas de disgrafia e consequentemente desenvolver métodos que auxiliem o aluno portador de disgrafia a superar tal dificuldade. É preciso haver constantes intervenções, avaliações, para que se possa identificar o problema e formular um tratamento adequado.

BIBLIOGRAFIA

GARCIA, Jesus Nicácio. Manual de dificuldades de aprendizagem: linguagem, leitura,escrita e matemática. Tradução de Jussara Houbert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

HOUT, Anne Van. ESTIENNE, Françoise. Dislexias: descrição, avaliação, explicação,tratamento. Tradução de Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SHAYWTZ, Sally. Entendendo a dislexia: um novo e complexo programa para todos osníveis de problema de leitura. Porto Alegre: Artmed, 2006.

CONDERIM, Mabel.MEDINA, Alejandra. Avaliação Autêntica: um meio para melhorar ascompetências em linguagem e comunicação. Porto Alegre, Artmed,2005.


Autor: Licilange Alves


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