Imitação E Representação: Uma Ponte Para O Prazer De Conhecer Em Poética De Aristóteles



Imitação e representação: uma ponte para o prazer de conhecer.

Arte e vida não são as mesmas coisas, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade de minha responsabilidade.
(MIKHAIL BAKHTIN)

Procura-se frequentemente, nas obras do macedônio Aristóteles (384 – 322 a.C.) os indícios de sua contribuição para o âmbito literário. Seus estudos sempre estiveram vinculados às ciências naturais e a filosofia.

Por ser de família ligada à medicina, Aristóteles ao entrar na academia de Platão em Atenas, leva para essa sua formação em ciências naturais, contrapondo-se à ciência dominante que até então prevalecia na academia: a matemática.

Dessa forma, Aristóteles, ao trazer dos estudos das ciências naturais o método da observação, da análise e da classificação, oferece aos estudos literários, novas perspectivas de leitura e análise à medida que abre um diálogo para as idéias de imitação e representação de Platão, no sentido de completar e criar umareflexão esclarecedora do assunto.

É precisamente isso que ele mostra em sua obra Poética. De forma didática, o livro publicado pela editora Nova Cultural, em 2004, para a série "Os Pensadores", com tradução de Baby Abrão, figura a síntese de toda a reflexão de Aristóteles, dispondo uma essencial leitura de base para o assunto.

Nesse estudo, o filósofo discorda e critica a teoria das idéias de Platão, principalmente a divisão entre um mundo sensível e um mundo inteligível, no qual a imitação mantém o homem distanciado do conhecimento e da verdade.

Em seu estudo, Aristóteles refere-se à imitação como forma de conhecimento, pois, segundo ele, não é possível ao homem conhecer o mundose não for pela percepção e representação das coisas.

A maneira com que o filósofo desenvolve o assunto nos traz um grande esclarecimento, principalmente ao afirmar que o "imitar énatural ao homem desde a infância" (2004, p .40). Logo, observa-se que o método usado por Aristóteles é de reflexão, ele parte da observação (indutivo), para depois generalizar o conceito. Já Platão parte do método dedutivo, ao buscar exemplos para discutir o conceito de imitação como cópia da realidade, pois o mundo sensível está distante da idéia original.

Dessa maneira, para Aristóteles a imitação tem por finalidade o conhecimento, porque é pela capacidade imitativa que o homem se distingue do animal. Nesse sentido, apesar da imitação ser congênita ao homem, ele precisa apresentar idéias (ter conhecimento), para que a mesma se desenvolva. Logo, o imitar remete a um processo de educação, no qual o indivíduo vivencia a aprendizagem de forma prazerosa.

Diretamente vinculado ao prazer está a emoção, ou seja, o sentimento de temor e piedade despertado no indivíduo como forma educativa. Esta emoção que o indivíduo se identifica é uma forma de conhecimento e de equilíbrio, pois ao se colocar no lugar do herói de uma epopéia ou tragédia sente por este temor ou piedade. Sendo assim, o indivíduo libera tensões e purifica os sentimentos de qualquer desequilíbrio que possa ter. Logo, a arte de forma "terapêutica" (catarse), proporciona ao indivíduo o conhecimento de si próprio e cria um cidadão mais adequado e harmônico para a sociedade.

Vale dizer, que para Aristóteles o prazer deriva da imitação e não da contemplação direta da realidade. Em outras palavras, a imitação está ligada ao campo das artes: epopéia, tragédia, comédia e a pintura. Sendo a epopéia e a tragédia a forma de imitar homens melhores, a pintura (pintores) de imitar homens iguais e a comédia de imitar homens piores.

Tais relações promovem uma importante compreensão sobre os gêneros e a verossimilhança, pois não é possível se colocar na tragédia uma personagem cômica, porque ela obstrui a unidade e a boa continuação da obra. A tragédia para Aristóteles (2004, p.43) "é a representação de uma ação elevada, de alguma extensão e completa, em linguagem adornada". Desta feita, a tragédia exige um tipo de finalidade e emoção para gerar a unidade de piedade e temor, e não o riso. Isto é respeitar a necessidade intrínseca de um gênero, para que este seja verossímil com o real.

Nuança importante de ressaltar é que a verossimilhança não é a verdade do mundo real ou a verdade absoluta, mas se parece com o verdadeiro, ou seja, a verossimilhança é a verdade possível que é construída dentro de uma imitação, por uma necessidade interna da representação.

Aspecto de relevância na obra de Aristóteles se refere à questão da equivalência, elemento de reconhecimento que emerge da imitação ou representação. Na equivalência "este é fulano" a imitação cria uma forma de reconhecer a realidade, à medida que o mundo real disperso e sem unidade, passa a ter unidade e coerência para o conhecedor. Esse elemento busca organizar o mundo que está fragmentado em um todo, numa unidade "lógica" de começo, meio e fim, portanto a imitação faz perceber a unidade.

Por ser construída na imitação, a unidade implica em processo de seleção ou arranjo por ordenação, no qual o começo, meio e fim determinam a construção da representação.

No entanto, para que a imitação seja bem realizada deve haver o reconhecimento da equivalência "este é fulano", para que a representação proporcione o prazer de conhecer. Aliás, Aristóteles (2004, p.49) diz que "reconhecer é passar do desconhecer ao conhecer". Desta feita, imitar é representar, raciocinar, construir uma mediação de objetos diferentes através de meios e modos diferentes.

Tendo o universo do real possibilidades infinitas, cabe ao homem criar essas unidades interpretativas para atingir o conhecimento, por isso consideramos a artetão importante, pois ela não busca a singularidade, mas sim a generalidade, ou seja, pela unidade ela busca chegar a um "elemento geral", como representação da qualidade ou síntese do caráter universal.

A representação tem por intenção ser o belo, pois este consiste na ordem e na grandeza da obra como fator de equilíbrio, à medida que a unidade e o arranjo devem decorrer da verossimilhança, da necessidade interna da imitação e da relação entre suas partes. Não à toa, a desproporção e o monstruoso (feio), geram um desequilíbrio da obra e não permite o reconhecimento de sua equivalência com o original.

Na verdade, para o filósofo na unidade o que é fator primordial é a finalidade, pois ela é responsável em transmitir ao homem o conhecimento através da arte, como meta de educação, portanto em a Poéticaa questão da ética sobressai a estética.

Percebe-se na obra que a educação apresentadois fatores distintos: o engenho natural e a arte. Cabe ao homem aprender os meios e os modos para representar.

Fato interessante a ser observado é que, Aristóteles considera dois tipos de imitações: a histórica e a poética. A primeira se vinculada aos fatos que realmente aconteceram, por isso permanece num âmbito particular. Já a segunda tem por base os fatos que poderiam acontecer, nesse sentido a poética apresenta um aspecto geral, por ser uma possibilidade, um ideal, não necessariamente um fato já ocorrido, logo pertence ao âmbito filosófico.

A imitação poética está vinculada ao impossível (o que ainda não aconteceu), mas a verossimilhança deve apresentar condições para que esse impossível torne-se possível por meio da experiência com a realidade.

Além disso, a unidade cria um sistema, no qual o mito (fábula) é a imitação das ações unas e completas, elemento estudado por Aristóteles nos gêneros da epopéia e da tragédia. As ações da tragédia não imitam homens reais em ação, mas sim um mito.

Por esse contexto, o filósofo diz que a epopéia é um mito (fábula) que contém a trama das ações, mas na construção dessa trama não está toda a história do herói, pois existe a necessidade de uma seleção, organização e montagem dos fatos, para que aimitação/ representação seja bem desenvolvida.

O mito é visto em Poética não como um conceito de narrativa de origem, mas sim como conceito de categoria poética da narrativa.

Com efeito, no mito Aristóteles (2004, p.49,50) indica três partes que ocorrem na epopéia: a peripécia que é a "alteração das ações, em sentido contrário", o reconhecimento que é a "passagem do desconhecimento ao conhecimento" e a catástrofe como "uma ação que resulta em danos e sofrimento".

No que concerne a tragédia, Aristóteles mostra que é exatamente nesses pontos de tensão: peripécia, reconhecimento e catástrofe que o indivíduo pode identificar o efeito estético de temor e piedade no paradoxo das ações realizadas pelas personagens. É por essa via que o processo de educação se efetiva. Uma vez observada e analisada a ação, o indivíduo resgata no mundo sensível a possibilidadedo prazer de conhecer, pois a percepção é a entrada do conhecimento.

Em suma, imitação/ representação é uma ponte para o prazer de conhecer, pois os diversos elementosque a compõem desde a observação, análise e classificação, até a finalidade, a equivalência e o prazer, seja na tragédia ou na epopéia tem por objetivo maior o educar.

Aristóteles mostra nessa obra não somente como é a trajetória dos estudos de uma tragédia ou epopéia na literatura, mas também nos oferece suporte teórico para a compreensão das narrativas como forma educativa. O filósofo, com sua reflexão esclarecedora nos estudos da imitação, apresenta-nos uma obra instigante, que traz com justeza informações relevantes sobre os elementos da representação de uma narrativa literária e, ao mesmo tempo, deixa índices para novas pesquisas e descobertas no âmbito dos estudos da imitação.


Autor: Lilian Silva Salles


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