Conceituações Sobre O Fim Da Vida



A definição clássica do instante da morte foi formulada por Hipócrates cerca de 500 anos antes do nascimento de Cristo. Achava-se no "De morbis, 2º livro, parte 5":

Testa enrugada e árida, olhos cavos, nariz saliente, cercado de coloração escura. Têmporas deprimidas, cavas e enrugadas, queixo franzido e endurecido, epiderme seca, lívida e plúmbea, pêlos das narinas e dos cílios cobertos por uma espécie de poeira, de um branco fosco, fisionomia nitidamente conturbada e irreconhecível.[1]

A determinação do fim da vida, opostamente ao que ocorre com o início, não padece de controvérsias, ou ao menos já apresenta um consenso que otimiza as questões concernentes ao término da vida. Possivelmente esse contexto foi concretizado devido à maior clareza e facilidade em indicar o momento em que o indivíduo é acometido pelo cessar da vida, situação que indubitavelmente torna-se mais dificultosa quando o intuito é indicar o momento responsável pelo inícioda existência humana. No entanto, controvérsias firmaram-se antes que o consenso sobre a morte fosse aceito pela comunidade científica mundial. Nas palavras de Thoinot:

a morte é a cessação dos atos vitais mas faz necessário saber que êsses (sic) atos tão diversos não cessam todos de uma vez. A morte não é um momento, mas um verdadeiro processo. Em que instante, pois, se coloca o que vulgarmente se chama de morte? Na prática, e com a lógica, admite-se que a vida cessa quando a respiração e a circulação definitivamente se extinguiram: a ação cardíaca sobrevive, em geral, à ação respiratória[...]. Por mais lógica que pareça, esta concepção não é exata: um indivíduo pode estar morto e o coração ainda em movimento.[2]

Como exemplo de indivíduos mortos que os corações ainda apresentaram atividade, Thoinot cita casos de pessoas decapitadascujos corações ainda continuaram a bater por tempo considerável.

Para Croce e Croce Júnior,

antes do advento da era da transplantação dos órgãos e tecidos aceitava-se a morte como o cessar total e permanente, num dado instante, das funções vitais. Supera hoje esse conceito o conhecimento de que a morte não é o cessamento puro e simples, num átimo, das funções vitais, mas, sim, toda uma gama de processos que se desencadeiam inexoravelmente durante certo período de tempo, afetando paulatinamente os diferentes órgãos[...].[3]

A partir deste contexto, os autores supracitados afirmam que foram criados dois conceitos distintos de morte: a cerebral, teoricamente indicada pela cessação da atividade elétrica do cérebro, tanto na cortiça quanto nas estruturas mais profundas, pela persistência de um traçado isoelétrico plano ou nulo,e a circulatória, por parada cardíaca irreversível à massagem do coração e às demais técnicas usualmente utilizadas nessa eventualidade. Concluem afirmando que "deve-se dar o indivíduo por morto quando se constata, induvidosamente, a ocorrência verdadeira da morte encefálica geral e não apenas da morte da cortiça cerebral."

Nas palavras de Barchifontaine e Pessini, os avanços da medicina tornaram obsoleta a tradicional definição clínica de morte, cessar total e permanente das funções vitais, pois medidas de ressucitação cardíaca, máquinas de circulação extracorpórea e respiradores artificiais revertem quadros que anteriormente eram considerados como irreversíveis. Enfatizam os autores: "O critério decisivo para dizer se alguém está morto é o cérebro, pois a cessação da respiração e da parada cardíaca nãomais podem ser utilizados como prova inconteste de morte dado seus aspectos reversíveis diante do avanço da Medicina."[4] Para os autores, a revisão do conceito de morte tornou-se imperiosa devido a diversos fatores, dos quais destacam-se:

1) a capacidade da medicina moderna de prolongar indefinidamente uma vida por meios artificiais torna imperativo que se defina a morte encefálica. Tal definição se justifica por motivos sociais, humanos e mesmo econômicos, pois os leitos de terapia intensiva são limitados e dispendiosos, onerando os familiares num caso irrecuperável. Muitas vezes, os esforços para atender sem necessidade à vida vegetativa de um paciente arruínam sua família e desacreditam os médicos; 2) os programas de transplantes exigem órgãos íntegros e hígidos para o sucessor, e ativos por ocasião da morte encefálica. Cabe ao médico em geral, e ao neurologista em particular, a difícil tarefa de decidir se determinado paciente, a despeito dos recursos disponíveis, apresenta ou não cessação irreversível da atividade encefálica.[5]

O Vaticano apresenta afirmações quanto à definição exata da morte e temseu posicionamento pautado nas discussões da Pontifícia Academia das Ciências:[6] uma pessoa está morta quando sofreu uma perda irreparável de toda a capacidade de integrar e de coordenar as funções físicas e mentais do corpo. Determinam a perda irreparável como o cessar definitivo das funções cardíacas e respiratórias, o que conduz o indivíduo rapidamente à morte cerebral, como também determinam a perda irreparável como a cessação irreversível de toda a função cerebral propriamente dita.[7]

Resta claro o posicionamento do Vaticano em considerar a morte cerebral como verdadeiro critério de morte. Determinam que a parada irreversível das funções cerebrais será certificada com o uso do eletroencefalograma ao menos duas vezes no espaço de seis horas para concluir-seque o cérebro não apresenta mais atividade elétrica. Advertem ainda que, nos casos de morte cerebral, a respiração artificial poderá prolongar a função cardíaca por tempo limitado e que esta sobrevivência induzida dos órgãos é indicada quando se prevê um prolongamento tendo em vista um transplante.

A Sociedade Alemã de Cirurgia preceitua com rigorismo clínico a realidade da morte:

A morte cerebral pode produzir-se antes que cessem os batimentos cardíacos (traumatismo cerebral). Considera-se que o cérebro está morto após doze horas de inconsciência com ausência de respiração espontânea, midríase bilateral e eletroencefalograma isoelétrico, ou quando o angiograma revela a parada da circulação intracraniana (durante trinta minutos). Pode ocorrer que o coração pare, mas o sistema nervoso central está intacto ou com possibilidade de recuperar-se. Convém, então, iniciar a ressucitação; se os batimentos cardíacos não reaparecem pode dar-se por morto o paciente, mas se reaparecem, sem que se restabeleçam a consciência ou a respiração, deve seguir-se aplicando as normas usuais de assistência intensiva até que possa ser demonstrada a morte cerebral.[8]

O Conselho Federal de Medicina (CFM) considera que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme estabelecido pela comunidade científica mundial, e estabeleceu, em sua Resolução nº. 1346/91, critérios para constatar a ocorrência da morte, adotando os seguintes princípios:

1) Os critérios para a caracterização da parada total e irreversível das funções encefálicas em pessoas com mais de dois anos são, em seu conjunto: a) clínicos: Coma aperceptivo com arreatividade inespecífico, dolorosa e vegetativa, de causa definida. Ausência de reflexos corneano, oculoencefálico, oculovestibular e do vômito. Positividade do teste de apnéia. Excluem-se dos critérios acima os casos de intoxicações metabólicas, intoxicações por drogas ou hipotermia. b) complementares: Ausência das atividades bioelétricas ou metabólicas cerebrais ou de perfusão encefálica: 2) O período de observação desse estado clínico deverá ser de, no mínimo, seis horas. 3) A parada total e irreversível das funções encefálicas será constatada pela observação desses critérios registrados em protocolo devidamente aprovado pela Comissão de Ética de Instituição Hospitalar.

Os critérios acima citados foram adotados pelo Conselho Federal de Medicina a partir de 17 de outubro de 1991, conforme publicação no Diário Oficial da União. Anteriormente a este período, não havia uma definição formalmente precisa quanto à ocorrência da morte. Ressalta-se que a referida Resolução foi de extremaimportância para a dinamização de transplante de órgãos, já que para a efetivaçãodestes é fundamental que os órgãos ainda estejam ativos quando retirados posteriormente à ocorrência da morte encefálica.

Entretanto, o Ministério da Saúde se opôs ao CFM por este considerar o anencéfalo um natimorto cerebral, o que acarretou a revogação da Resolução nº. 1346/91.

A matéria referente à definição da morte cerebral foi reformulada pelo CFM e disposta em nova Resolução de nº. 1480/97, e em 08 de setembro de 2004, com o intuito de findar as dúvidas concernentes ao explante de órgão de anencéfalo, o CFM publicou a Resolução nº.1752, a qual permitia o explante de órgão de anencéfalo logo após ao nascimento por considerá-lo um natimorto cerebral.

O Ministério da Saúde, também em desacordo com a Resolução nº. 1752/04, publicou por meio do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), a Portaria GM/MS nº.487 de 02 de março de 2004. Na Portaria ficou estabelecido que o critério de morte encefálica não seria aplicado para diagnosticar a morte de neonato anencefálico e somente proceder-se-ia ao explante de órgãoapós a constatação de parada cardíaca irreversível.

Juridicamente, morte é a ausência da vida, representada pela atividade cerebral da qual depende a realização de todas as funções do encéfalo e por conseguinte, de todo o corpo humano:

O sujeito é considerado morto quando sua passagem pelo protocolo não revela possibilidade de sobrevivência. Este conceito clínico é albergado juridicamente para permitir o transplante de órgãos. Quando os peritos atestam a respeito da cessação da atividade cerebral, apontam que, na prática, não exista mais vida, ao menos do ponto de vista jurídico, já que o paciente perde o direito sobre o seu próprio corpo,cedendo-o ao transplante de órgão.[9]

A polêmica quanto ao fato de não haver consenso entre as definições de início e fim da vida é grande. Tendo a comunidade científica mundial aceitado a morte cerebral como momento do fim da vida, é questionado por qual motivo nãoutiliza-se o mesmo conceito para a definição de início da vida, ou seja, aceitar a atividade cerebral como elemento comprobatório da existência de vida humana. Entretanto, este conceito de início da vida satisfaz apenas aos que aderiram à teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central como marco de início da vida, não sendo consenso entre os demais segmentos científicos

Bibliografia

Audiência pública no STF. Folha de S. Paulo. São Paulo, 21 mar. 2005. Disponível em: <htpp://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u100200.stml>. Acesso em: 13 ago. 2007

BARCHIFONTAINE, P.; PESSINI, L Problemas atuais de bioética. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Loyola, 2000.

BUSATO, P.C. Tipicidade material, aborto e anencefalia. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas. 01 abr. 2004. Disponível em: <http://www.pgi.ma.gov.br/ampem/ampem1.asp>. Acesso em 12 jun.2007.

CROCE, D.; CROCE JÚNIOR, D. Manual de medicina legal. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998.

FÁVERO, F. Medicina legal: introdução ao estudo da medicina legal, identidade, traumatologia. 12.ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991.

Notas




Autor: Suelen Chirieleison Terruel


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