O EPITÁFIO DE BOCAGE



 

            Manuel Maria Barbosa du Bocage, ou simplesmente Bocage, foi considerado, depois de Camões, a maior expressão da poesia portuguesa.

Era o mestre dos sonetos.  Embora tenha escrito odes e outros poemas.

            Membro de uma academia literária chamada Nova Arcádia, de tal modo se indispôs com seus confrades que acabou sendo expulso e perseguido por alguns deles, que o denunciaram ao tribunal da inquisição.  Acusado de ateu, herege e blasfemo, foi preso e torturado, e posteriormente encarcerado numa prisão-asilo para loucos. Vejam, no entanto, o que escreveu na prisão este blasfemo:

 

            Ó TU QUE TENS NO SEIO A ETERNIDADE

            E EM CUJO RESPLENDOR  O SOL SE ACENDE

            GRANDE IMUTÁVEL SER DE QUEM DEPENDE

A HARMONIA DA ETÉREA IMENSIDADE.

 

AMIGO E BENFEITOR DA HUMANIDADE

DA MESMA QUE TE NEGA E QUE TE OFENDE

MANDA AO MEU CORAÇÃO QUE  À DOR SE RENDE

MANDA O REFORÇO DE EFICAZ PIEDADE.

 

OPRESSA, CONSTERNADA A NATUREZA

EM MIM COM VOZES LÂNGUIDAS TE IMPLORA,

ÓRGÃOS DO SENTIMENTO E DA TRISTEZA.

 

A TUA INTELIGÊNCIA NADA IGNORA

SABES QUE DE ALTA FÉ MINHA ALMA ACESA

ATÉ NAS ANGÚSTIAS O TEU BRAÇO ADORA.

 

            Graças ao gesto de um nobre amigo, Bocage conseguiu ser libertado. Mas já enfermo e alquebrado, acabou morrendo nos braços de sua irmã, também poetisa, Maria Francisca.

             Ele e seu irmão Gil gostavam da mesma mulher, de nome Gertrúria, a quem Bocage dedicou lindos versos de amor. Porém tendo Bocage se alistado numa armada, depois de passar vários meses ausente, ao regressar encontrou Gertrúria casada com Gil. Desnorteado, entregou-se ao vício da bebida. E é dessa fase de sua vida que se conhecem os versos obscenos a ele atribuídos, embora um pouco exagerados por seus inimigos e detratores.           

            Bocage durante algum tempo foi um grande boêmio e aventureiro e praticamente viveu sem dinheiro, mas desfrutando, sempre que possível, das boas coisas da vida.

Tanto que, já moribundo, teria escrito este epitáfio (parte de um soneto) para seu túmulo: LAVRA ESTE EPITÁFIO, MINHA MÃO / AQUI JÁZ BOCAGE O PUTANHEIRO / PASSOU PELA VIDA UM FOLGAZÃO / COMEU, BEBEU, VIVEU ... SEM TER DINHEIRO.

 

                                                                                                         (Luciano Machado)


Autor: Luciano Machado


Artigos Relacionados


Nossa Literatura

Ainda Sou

Arcadismo PortuguÊse Brasileiro

Um Monge Endiabrado

Modos De Ser E De Escrever

Poemas Dedicados A Jô Soares

Meu Poema