VIVENDO POR VIVER



VIVENDO POR VIVER

 

Ali estava ele totalmente largado no chão do parque, como se fosse um objeto qualquer,  uma garrafa vazia, um papel sujo que o vento rola, enfim um lixo. Aquele homem mal vestido, com o rosto suado, usava um roto paletó e tinha no pé direito um sapato desgastado; o outro encontrava-se  mais adiante na grama do jardim, virado para baixo.

Não parecia estar embriagado nem drogado, mas o seu rosto apresentava sinais de grande cansaço. Percebia-se claramente que estava exausto, e com certeza estava faminto também. As rugas de expressão e em todo o seu rosto, mostravam o desgaste da sua vida e o desgosto que certamente o dominava. Seus olhos estavam molhados, como se tivesse chorado muito.

Aparentava ter bem mais de setenta anos e não era feio. Os cabelos eram grisalhos e tinha bigode totalmente branco, estranhamente em estilo aristocrático e bem acertado, deixando evidente que ainda conservava resquícios de um antigo bom gosto. Devia ser tamanho o seu auto-desprezo que, para si tudo valia mais do que ele mesmo, deixando-se cair ali de qualquer jeito, com a cabeça pendida sobre o pedregulho cheio de sujeira e de formigas, entorpecido por um sono que nenhum barulho conseguia desperta-lo. Quem sabe, era essa a sua vontade, não despertar mais para não continuar sua triste jornada sobre a terra?

Ao seu redor havia apenas uma sacola transparente com duas garrafas de plástico, ambas com um pouco dágua cada uma, algumas poucas bolachas e uma nota de apenas um real... O que o teria levado a tamanho abandono e desprezo por si próprio?

Seu nome, de onde vinha e para onde iria depois, por que estava caído daquele jeito, isso a ninguém interessaria, e seriam perguntas sem resposta. Até mesmo porque, dos que por ali passavam, poucos se deram conta da sua nula presença naquele lugar. Naquela tarde ensolarada de verão, jovens saudáveis e cheios de alegria de viver caminhavam, crianças felizes brincavam e todos passavam de largo, indiferentes à sua desdita. Afinal ele era apenas mais um, entre a multidão invisível daqueles que nada são e nada representam nesta vida, a vida que sarcasticamente os transforma em fantoches, que não têm rumo, que não são amados, não têm casa, não terão túmulos e vivem por viver, enquanto não chega o fim.

Inúmeras são as razões que destroem um ser humano, transformando-o num farrapo a perambular pelas ruas, sem  nenhum sentido para as suas vidas, sem esperança alguma e ironicamente, muitos deles é que traçaram o seu próprio destino.

Voltei para casa com o coração pesado, naquela tarde. A fisionomia sofrida e os olhos ainda molhados daquele ancião me comoveram profundamente. Não posso imaginar o motivo pelo qual ele se encontrava ali, mas eu nada poderia fazer por ele a não ser o que fiz à noite, elevando uma oração a Deus, pedindo-Lhe que enxugasse as suas lágrimas, aliviasse o seu coração, o encaminhasse a algum lugar seguro e perdoasse os seus pecados, para que ele viesse a conhecer uma verdadeira vida, na eternidade.

 

 

Júnia - 2010


Autor: Junia Pires Falcao


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