A Função Social dos Contratos
CURSO DE DIREITO
LEONARDO DE ARAÚJO LANDIM NOGUEIRA ALVES
O CONTRATO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
FORTALEZA
2009
LEONARDO DE ARAÚJO LANDIM NOGUEIRA ALVES
O CONTRATO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
Monografia apresentada ao curso de direito com habilitação em Graduação da Faculdade Integrada do Ceará como requisito para a obtenção do grau de bacharel.
Orientador: Prof. Esp. Karol Wojtyla.
FORTALEZA
2009
Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente, reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas do governo
Miguel Reale
RESUMO
Não há dúvida que o contrato é um dos principais institutos do direito privado. Sabe-se que sua utilização remonta aos períodos arcaicos.No império romano, foi sistematizado e organizado, instituindo as bases para a doutrina moderna; porém somente com o código de Napoleão este adquiriu os contornos atuais. Possui a importante missão de harmonizar interesses antagônicos, regulando e assegurando as relações individuais, ademais sua importância ultrapassa a individual, pois é fonte de circulação de riquezas e desenvolvimento econômico e social. Até bem pouco tempo o contrato era instrumento inatingível pelo poder publico. O estipulado pelos indivíduos era lei que muitas vezes perpetuava a desigualdade e esbarrava com os ditames da constituição federal. de sorte que com o novo código civil em seu art. 421 ficou estabelecido que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato." a partir daí, houve a flexibilização do princípio da força obrigatória dos contratos ("pacta sunt servanda") e o ente público passou a intervir nas relações particulares limitando, impondo condições e interferindo sempre que necessário. Portanto, conclui-se que o contrato, é hoje, um instituto em transformação e que sua função social é premissa norteadora da atividade contratual, contribuindo para igualdade material e promovendo uma sociedade mais digna e justa.
Palavras-chave: função social dos contratos, contrato no código civil de 2002, nova concepção dos contratos. Art. 421 do novo código civil, contratos no Brasil.
ABSTRACT
No doubt that the contract is a principal of institutes of private law, the use re the archaic period. Throughout the roman empire was systematized and organized, established the basis for contractual doctrine, but only with the code of the outlines current purchased napoleon. i have the important task of harmonizing conflicting interests, regulation and ensure personal relationships, beyond the adem its importance of individuals because of movement and sources of riches and economic and social development. Too good to time the contract instrument era unreachable by public authorities. the individual was set by law that often perpetuate the inequality and runs up against the dictates of the federal constitution. Luck with that of the new civil code in your art. 421 has been established that "the freedom of contract will be exercised in reason and the limits of social function of the contract." from there, there was a relaxation of the principle of binding contracts ( "pacta sunt servanda") and the public under passos to intervene relations in private limited, imposing conditions and interfere where the need arises. it was concluded that the contract, and today, one in the processing and its relation to social activity and assumptions about the contractual contributing to substantive equality and to promote a society more dignified and just.
Key words: social function of contracts, contract in civil code of 2002, new design contracts . art. 421 the new civil code, contract in Brazil
1 INTRODUÇÃO........................................................................... 06
2 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS CONTRATOS................... 17
3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO.......................... 12
3.1 Características......................................................................... 13
3.2 Requisitos................................................................................ 14
3.3 Classificação........................................................................... 14
3.4 Efeitos...................................................................................... 16
3.5 Princípios................................................................................. 16
4 A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO E SUA
CONTRIBUIÇÃO........................................................................... 18
5 A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS............................... 19
6 A TEORIA DA IMPREVISÃO E DA ONEROSIDADE
EXCESSIVA................................................................................... 27
7 A LESÃO NO CÓDIGO CIVIL.................................................. 33
8 ATÉCNIAS CONTIDAS NO ART. 421 DO CÓDIGO CIVIL.. 34
9 O PROBLEMA DOS CONTRATOS DE ADESÃO................ 35
10 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS.................. 37
11 O CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS.................. 39
12 CONCLUSÃO.......................................................................... 43
REFERÊNCIAS ............................................................................ 44
ANEXO........................................................................................... 46
1 INTRODUÇÃO
Esta monografia dissertará sobre a história dos contratos na humanidade; abordará de maneira sucinta, breves delineamentos sobre a doutrina contratual brasileira; e posteriormente, concentrar-se-á na no exame minucioso do art. 421 do novo diploma civil que trata da função social dos contratos.
Buscaremos com este trabalho demonstrar as várias situações que permitem a intervenção judicial nas estipulações contratuais, as diversas formas de controle das clausulas abusiva e as conseqüências destas mudanças na criação e execução dos contratos.
Através deste estudo, o leitor será capaz de identificar as diversas mudanças ocorridas nos princípios do direito contratual as suas repercussões no universo jurídico.
O legislador muito nos ajudou com a criação do novo Código Civil pautado nos princípios da eticidade, da operabilidade e da sociabilidade. Sua interpretação está fundamentada nos valores éticos, morais e sociais consagrados pela Constituição Federal. Jamais poderemos esquecer que foi através desta nova função que o contrato passou a controlar o enriquecimento ilícito (art. 884 a 886 do CC) e o exercício abusivo de direitos (art. 187 do CC).
Por fim entendemos que o contrato é instrumento não apenas gerador e assegurador de relações jurídicas particulares, mas também desempenha o importante papel na promoção de uma sociedade mais justa e digna quando limita a autonomia da vontade em face de interesses preferenciais que coincidem com os interesses sociais.
2 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS CONTRATOS
Dissertar a respeito do surgimento dos contratos não é uma tarefa fácil, pois a própria noção de contrato pode ter diferentes significações na história. Nesse sentido Wald (2000, p. 43) assevera:
Poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escala de valores tão distintas quanto às que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista.
Se observarmos o passado, podemos identificar a utilização dos contratos desde que o homem percebeu a necessidade de conviver em sociedade. Muitas vezes precisando realizar trocas (escambo) para sobreviver.
Na Antiga Mesopotâmia, nos deparamos com os primeiros enunciados acerca dos contratos escritos. As Leis de Eshnunna, promulgadas provavelmente entre os anos de 1825 e 1787 a.C., já dispunham sobre a compra e venda, arrendamento e empréstimo a juros.
Figura 1 - Tábua de argila cozida, que contém a famosa codificação de Eshnunna, desde o início do 2º Milênio A.C. , encontradas antes mesmo do código de Hamurabi, em Tell Harmal.
(Fonte: http://www.theartnewspaper.com)
O Código de Hamurabi, elaborado em 1758 a.C., no Império Babilônico, também possuía diversos dispositivos sobre os contratos. Inclusive, já havia regulamentações sobre certos tipos de contratos, incluindo sua execução e controle de juros.
Reza o §268 do Código de Hamurabi que: "Se um homem alugou um boi para semear o grão, seu aluguel será de dois sutu[1] de cevada".
No entanto, foi no Império Romano que o instituto contratual foi sistematizado, organizado e consolidou as bases para a doutrina contratual moderna.
Não podemos esquecer, contudo, que o Império romano sofreu intensas mudanças no tempo, devido a conquistas de novos povos e mudanças políticas[2].carretando deste modo, inúmeras variações no instituto contratual.
No período clássico, por volta do século XVIII, eram utilizadas três expressões para designar os contratos: convenção, contrato e pacto; cada uma destas denominações possui especificidades próprias.
Convenção era o gênero que englobava duas espécies: contrato e pacto.
Os contratos eram as convenções[3] normatizadas, protegidas pela via da actio. Estes possuíam três modalidades: a literis que exigia a inscrição do devedor no livro do credor (denominado codex), a ré que se fazia pela tradição da coisa, e a verbis - que se efetivava pela troca de expressões verbais, semelhante a um ritual religioso. Estas categorias de contratos possuíam proteção prevista pelo código ius civile, onde era prevista a execução dos mesmos.
Como bem proclama Venosa (2003, p. 365): "Cada uma dessas convenções, sob certas formalidades, constituía um contractus", o que significa que não havia uma teoria geral aplicada aos contratos, mas apenas alguns tipos de contratos.
Já o pacto, espécie do gênero dos contratos, não possuía forma especial, não era previsto pela lei e não possuía proteção pela actio. Nada obstante, tenha recebido, no período clássico, certa proteção em razão da sua freqüente utilização.
Há evidências que no período clássico e no pós-clássico do direito romano, a estrutura do contrato era concebida de maneira extremamente rigorosa, como acordo de vontades, somado ao pressuposto objetivo, resultando no surgimento da "obligatio", contudo, com o passar do tempo, começa surgir nos contratos alguma alteração no sentido de abrandamento do rigor. Foi nesse período histórico, em que o jurisconsulto Gaio realizou a classificação das denominadas fontes das obrigações, é que se verifica, de forma mais visível a concepção jurídica do contrato, traçando uma comparação com o conceito no direito moderno.
Na Idade Média, por influência do direito germânico, o inadimplemento contratual ensejava penas corporais, escravidão ou prisão. O direito aplicado dentro dos feudos, que era promulgado e aplicado pelo próprio senhor feudal, exigia do vassalo aceitação, caracterizando-se, portanto um contrato pelo qual eram assumidas obrigações recíprocas. O vassalo recebia sua porção de terra e em troca deveria jurar fidelidade ao senhor feudal, fornecendo-lhe sempre que necessário auxílio de ordem material e militar.
Deste modo, o contrato feudo-vassálico consistia em um ato simbólico e formal. (Podemos dizer que este era um contrato solene, já que a tradição da coisa ou de algo que a representasse, era essencial para que o contrato se efetivasse.)
Posteriormente, em função da evolução do direito canônico, a vontade foi elevada, e passou a fazer "lei entre as partes." O contrato deixou de ser apenas instrumento jurídico, tornando-se também instrumento religioso. Resgatou-se a tradição contratual do direito romano clássico, atribuída pelo Corpus Iuris Civilis que exigia formalidades na constituição do contrato
Com o advento do direito natural, a força obrigatória dos contratos foi reforçada como princípio racional, devendo prevalecer sobre as demais normas; Para os adeptos desta corrente o homem era visto como senhor dos seus atos, indivíduo livre e independente, e por isso não devia se submeter a nenhuma imposição externa. Estas idéias serviram de alicerce para o iluminismo.
Revoredo (2007, p. 19) disserta sobre as conseqüências do Iluminismo ao contrato:
Somente se reconhece, no contrato, o aspecto pertinente a sua força normativa, a partir do iluminismo, movimento que marcou época na França, por não aceitar a autoridade real enquanto poder absoluto fundamentado no poder divino, que fazia oposição à Igreja e as condições inalteráveis de hierarquia social e cuja ideologia influenciou boa parte do mundo ocidental.
Essa força normativa demasiadamente valorizada e resultante do auge do individualismo, no qual o homem, pelo fato de firmar a sua vontade racional, equipara-se a um deus, é levada ao extremo na seara contratual
Apesar de muitos atribuírem ao Império Romano o surgimento de contratos, entendemos que o contrato "nos moldes atuais", surgiu no século XIX, com o "Code de Napoleon [4]", que representou o primeiro grande trunfo da codificação jurídica no mundo.
O Código Civil Frances Fundamentava-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto, e na responsabilidade civil fundada na culpa provada.
Sabe-se que este código inspirou o nosso código civil e o de diversos países pelo mundo. (antigo Código Civil Italiano, o Espanhol, o Português, o Belga, o Holandês, o Romeno, o antigo Código Civil Egípcio, entre outros)
3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO
O vocábulo contrato deriva da palavra romana "contractus" que significa contrair.
No direito romano utilizavam-se também outras expressões para designar os contratos: convenctio (de convenção), e pacto ( de pacis si, estar de acordo.)
Podemos definir contrato como negócio jurídico resultante de um acordo de vontades que produz efeitos obrigacionais.
Ulpiano (Digesto) dizia acertadamente que os contratos representavam o mútuo consenso das partes sobre o mesmo objeto - "duorum pluriumve in idem placitum consensus".
Figura 4 - O Digesto, conhecido igualmente pelo nome grego Pandectas, é uma compilação de fragmentos de jurisconsultos romanos clássicos
(Fonte: pt.wikipedia.org)
Analisando topograficamente o diploma civil, encontramos a matéria contratual disciplinada nos artigos 421 à 853. E é interessante observar que a lei pátria não conceitua o contrato, como faz, por exemplo, o Código Francês em seu artigo 1101[5] e o Argentino, em seu artigo 1137[6].
Para que possamos entender perfeitamente o conceito de contratos é fundamental o entendimento do que vem a ser um negócio jurídico e o que significa a produção de efeitos obrigacionais.
Negócio jurídico é toda ação ou omissão humana cujos efeitos jurídicos acarretam a criação, modificação, conservação ou extinção de direitos.
Efeito obrigacional é o liame jurídico entre os contratantes, pelo qual uma das partes pode exigir da outra a prestação correspondente.
Analisada esta questão conceitual introdutória, gostaria de exibir as características, requisitos, classificação, efeitos e princípios aplicáveis aos contratos por entender que tais preceitos são de fundamental importância para o entendimento da doutrina contratual.
3.1 Características
·Transitoriedade: Os contratos, via de regra, são transitórios. Geralmente têm vida curta, porém podem ser duradouros, mas nunca permanentes.
·Valor econômico: o contrato em geral é apreciável financeiramente (possui valor econômico), pois é através desta estimativa que se viabiliza a responsabilização da parte inadimplente judicialmente, caso este não seja adimplido.
·Capacidade dos contraentes: art. 3º a 5º, 104, 166, 167, 171 CC/2002).
·Mútuo consenso;
·Legitimidade
·Prestação
·Objeto lícito, possível, determinado ou determinável.
·Forma prescrita ou não defesa em lei. (forma pode ser verbal ou escrita).
3.3 Classificação
·Contratos unilaterais ou bilaterais: unilaterais são aqueles em que apenas uma das partes se obriga em relação à outra, um dos contratantes é exclusivamente credor, enquanto o outro é exclusivamente devedor; bilaterais são os que geram obrigações para ambas as partes e essas obrigações são recíprocas; cada uma das partes fica adstrita a uma prestação.
·Contratos principais ou acessórios: principais são os contratos que podem existir independentemente de qualquer outro; já os acessórios, têm por objeto assegurar a execução de outro contrato, de que dependam.
·Contratos a título gratuito ou a título oneroso: os contratos gratuitos só beneficiam uma das partes envolvidas, geralmente todo contrato unilateral é gratuito. Já os onerosos beneficiam ambas as partes, causando proveito a estas.
·Contratos comutativos ou aleatórios: Comutativo é o contrato em que cada uma das partes, além de receber da outra prestação equivalente à sua, pode apreciar de imediato essa equivalência. Os contratos comutativos apresentam grandes semelhanças com os contratos bilaterais; Os contratos aleatórios têm a característica de prestações incertas, quanto à quantidade ou extensão, pois estas estão na dependência de um fato futuro e imprevisível.
·Contratos típicos ou atípicos: os primeiros são conhecidos como nominados e são aqueles que têm nomen júris, estando previstos e regulados em lei; Os segundos são aqueles em que o legislador não fez previsão de modo expresso, mas que gradativamente foram surgindo na vida quotidiana, criados pela imaginação ou pelas necessidades das pessoas.
·Contratos solenes ou informais: solenes(ou formais) são os contratos que não possuem forma livre, dependendo de forma especial para se efetivar; Contatos informais são os que independem de forma especial para se formarem, bastando o consentimento das partes.
·Contratos pessoais ou impessoais: os contratos pessoais ("intuitu personae") levam em conta a personalidade da pessoa, o serviço só poderá ser executado por ela. Há contratos que por sua natureza são pessoais; impessoais são aqueles onde qualquer pessoa com capacidade para executar o objeto do contrato, poderá fazê-lo. As partes não especificam, a pessoa que irá cumprir o contrato é irrelevante.
·Contratos instantâneos ou contratos de duração: Os contratos instantâneos são aqueles cujas prestações podem ser realizadas em um só instante; os Contratos de duração têm como característica essencial a distribuição da execução no tempo. As partes estão adstritas ao cumprimento de prestações contínuas ou repetidas em intervalos estipulados, por tempo determinado ou indeterminado. Estes subdividem-se em contratos de execução periódica e contratos de execução continuada. Os de execução periódica seriam os contratos de trato sucessivo, que se executam mediante prestações periodicamente repetidas. Os de execução continuada, aqueles em que a prestação é única, mas ininterrupta. Cada prestação corresponde à obrigação total, não uma parcela. São interdependentes
·Contratos civis ou mercantis: contrato civil é aquele praticado por qualquer pessoa que seja capaz, conforme dispõe o Estatuto Civil. Contrato mercantil é aquele praticado por comerciante no exercício de sua profissão, cujo objeto é um ato de comércio
·Contratos negociáveis ou de adesão: Contratos negociáveis ocorrem quando as cláusulas contratuais forem frutos de discussões e debates entre ambas as partes, ou quando, este debate, for no mínimo possível. Contratos de adesão são aqueles nos quais um dos contraentes se limita a aceitar o texto que o outro contraente estipula. A parte aderente só pode aderir ao modelo oferecido, não lhes cabendo a possibilidade de discutir/estipular as cláusulas contratuais.
3.4 Efeitos
·Obrigatoriedade: o contrato faz lei entre as partes.
·Irretratabilidade: nenhuma das partes pode, arbitrariamente, desfazer o contrato.
·Intangibilidade: inalterabilidade, não admitindo, de ordinário, modificações sem o consentimento da parte contrária.
·Efeito pessoal: em relação ao objeto, o contrato cria obrigações de natureza pessoal. O credor exige do devedor o cumprimento da prestação sob pena de perdas e danos
·Princípio da autonomia da vontade: Por este princípio entende-se que aos indivíduos é conferida a prerrogativa de criarem negócios na órbita jurídica, desde que estes negócios se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral. Desse modo qualquer pessoa capaz pode pela manifestação de sua vontade, sendo o objeto lícito, criar relações contratuais a que a lei empresta validade. A liberdade contratual caracteriza-se então por ser: "A faculdade reconhecida às pessoas de criarem entre si, guiadas pela sua própria razão, acordos destinados a regular os seus interesses recíprocos" (VARELA).
·Princípio do consensualismo: Segundo este princípio o contrato é concluído quando existe o encontro de vontades, bastando o consenso para que o contrato tenha existência.
·Princípio da força obrigatória dos contratos ("pacta sunt servanda"): Este princípio estabelece que os contratos cumpram, com força obrigatória, isto é, como se lei fossem. Caso não seja cumprido, a parte prejudicada poderá valer-se da execução patrimonial contra o inadimplente. Ressalte-se (como veremos mais adiante) que este princípio não é absoluto, mas relativo.
·Princípio da relatividade dos efeitos do negócio jurídico contratual: desde princípio informa que os contratos não podem aproveitar, nem prejudicar terceiras pessoas, vinculando apenas as partes estipulantes.
·Princípio da boa fé: segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes.
4 A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO E SUA CONTRIBUIÇÃO
A teoria tridimensional do direito, de autoria do eminente jurista Miguel Reale (1968), indubitavelmente forneceu subsídio para os importantes avanços traçados pelo novo código civil (função social da propriedade, princípio de a boa-fé objetiva, resolução contratual por onerosidade excessiva, acolhimento do juízo de equidade, e, em especial a função social dos contratos).
Acolhida internacionalmente, esta teoria procura demonstrar a superação do normativismo, através da revelação de que o fenômeno jurídico decorre de um fato social, ao qual é atribuído carga de valores e somente posteriormente gera-se uma norma.
Para a teoria tridimensional, o direito se compõeentão de três dimensões: dimensão normativa, pela qual se entende o direito como ordenamento jurídico. Dimensão fática, que interpreta o direito com foco na sua efetividade social e histórica e, por fim, dimensão axiológica que entende a ciencia jurídica como ciencia valorativa, cuja finalidade é a busca da Justiça.
Compondo-se o fenômeno jurídico então, necessariamente, de um fato subjacente (fato geográfico, econômico, demográfico, etc.); de um valor, que é atribuído a determinado acontecimento, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, de uma norma, que representa a relação ou medida que integra os demais elementos.
5 A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
Apesar de este tema ter ganhado repercussão com o código civil de 2002, sabe-se que esta matéria já era abordada deste o século XIX.
Enrico Cimbali publicou, em 1884, na Itália, o artigo intitulado "A função social dos contratos e a causa jurídica da respectiva força obrigatória"; já em 1929, Karl Renner, publicou, na Alemanha, a obra denominada "Os institutos de direito privado e a sua função social".
Podemos definir a função social[7] dos contratos como atributo elevado a princípio constitucional, que tem por intento, proteger as pessoas, envolvidas diretamente ou indiretamente na relação contratual.
Pereira (2004, p. 13-14), tratando em sua obra sobre a nova funçãodos contratos aduz que:
A função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos.
Já nas palavras do Excelentíssimo ex-ministro Delgado, do STF (2004, p. 7):
O contrato, em razão dessa nova realidade legal, apresenta-se conseqüentemente, na atualidade, com um desenho composto pelas complexidades que envolvem as relações jurídicas no alvorecer deste Século XXI.
[...]
O Código Civil de 2002 reflete, na mensagem do art. 421, um padrão moderno referente à função do contrato, imprimindo-lhe um efeito que rompe com a predominância da livre manifestação da vontade como pressuposto para a sua validade e eficácia.
Essa nova teoria ganhou alcance após a crise contratual, quando a teoria clássica dos contratos deixou de mostrar-se satisfatória à sociedade. Que aspirava ansiosamente por meios de eliminar ou diminuir a condição execrável que era imposta pelo contrato em sua concepção liberal.
A importância dos princípios contratuais de proteção, neste contexto, se elevou. O contrato deixou de ser visto como instrumento de segurança jurídica e passou a ser visto como fator contributivo para o desenvolvimento humano.
Bruno T. Oliveira (2006) esclarece:
Sem sombra de dúvida, a função econômica dos contratos em nossa sociedade de consumo é enorme. A ponto de afirmarmos que sem o contrato, nossa sociedade capitalista não existiria. O contrato é instrumento de circulação de riqueza, ajudando a distribuir a renda e a gerar empregos.
Em uma perspectiva contemporânea, contrato é um conceito funcional e, como tal, desempenha importante papel social.
A função social do contrato, erigida modernamente a princípio, coloca em foco a dimensão coletiva, não se limitando à satisfação de necessidades individuais dos contratantes. (...)
O princípio da função social do contrato evidencia a funcionalização do contrato; devolvê-lo à sua tarefa original, às vezes esquecida nos caminhos do individualismo. O contrato, além da realização de interesses privados, deve contribuir para edificação do ser humano digno.
O Conselho de Justiça Federal (CJF) aprovou na I Jornada de Direito civil enunciado[8] que trata de esclarecer e orientar o entendimento sobre a função social dos contratos no Código civil:
Enunciado 22: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.
Entendemos então que o artigo 421 do CC instituiu então uma nova condição de validade dos acordos, subordinando estes à observância de determinados modelos de probidade, lealdade e sociabilidade, o que indica que não podemos pensar no contrato de maneira isolada, mas sim no contexto geral do ordenamento jurídico em que está inserto, através do qual deve ser assegurado, principalmente, o princípio da igualdade material.
César Fiúza (2003) dissertando sobre a função social dos contratos traçou a seguinte definição:
Contratos são instrumentos de movimentação da cadeia econômica, de geração e de circulação de riquezas. É por seu intermédio que a economia se movimenta. Eles geram empregos, criam oportunidades para a promoção do ser humano. Nisto reside sua função social. É com base no princípio da função social dos contratos que muitos problemas contratuais serão solucionados.
Esse princípio pode ser encarado sob dois aspectos: individual, relativo às partes contratantes, que devem valer-se do contrato para satisfazer seus interesses individuais, e outro o aspecto público, que diz respeito à sociedade. Nesse exame a função social só irá se concretizar quando a sua finalidade de distribuição de riquezas for alcançada de maneira justa, quando o contrato equilibrar a sociedade.
O contrato é instrumento gerador de riqueza e gerador de patrimônio, por ter a característica patrimonial só é admitido em regimes que permitem a propriedade individual.
Emilio Betti afirma:
Naturalmente, la necessidad de negocios entre individuo e individuo sólo se aprecia en aquelles ordenamientos económicosociales que reconecen a los indivíduos uma esfera de bienes de su pertenencia, o sea: em ordenamientos fundados em el reconocimento de la propriedad individual
A Respeito dos ordenamentos pioneiros nesse desígnio socializador, a Constituição mexicana, de 1917, e a alemã de 1919 foram as primeiras a tratar da função social da propriedade, limitando o direito de propriedade em face de interesses valorados como preferenciais, que no caso se identificavam com os interesses da coletividade. Após a difusão desses ideais muitos foram os Estados que seguiram este modelo.
A Constituição Brasileira, seguindo o modelo das constituições sociais, passou a prever também a limitação do exercício do direito à propriedade, onde se colocou o bem estar social acima do bem estar individual:
CF/88 Art. 5º - XXIII - a propriedade atenderá a sua função social"
[...]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
III função social da propriedade
[...]
VI redução das desigualdades regionais e sociais
Nossa Norma Maior além de ter dedicado alguns artigos sobre a função social da propriedade, definiu como um de seus fundamentos o valor social da livre iniciativa e determinou (como objetivo fundamental) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
A legislação infraconstitucional pátria também acompanhou o espírito social derivado de nossa Carta Magna.A lei de introdução ao código civil que regula a vigência, a validade, a eficácia, a aplicação, a interpretação e a revogação de normas no direito brasileiro, estabelece em seu artigo 5º, que, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Ao invés de aferrar-se à letra fria do texto legal, o aplicador da lei deve fixar-se claramente no objetivo da lei e da justiça: manter a paz social.
Compreende-se que os "fins sociais" a que alude o texto da LICC estão estreitamente atrelados à busca de maior igualdade material entre os cidadãos e à modificação do caráter do direito de propriedade e conseqüentemente do direito contratual, que deixa de ser absoluto e incontestável para tornar-se um instrumento de descentralização econômica e de bem-estar e igualdade social.
No diploma civil a função social dos contratos está positivada no art. 421 e no art. 2035, Parágrafo único:
Art. 421. A Liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
[...]
Art. 2.035. [...]
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
A Promoção e efetivação da já discutida função social dos contratos dar-se-á então, pela Intervenção do Estado na órbita dos indivíduos (na relação contratual, que antes vigorava livre), pelo intermédio do Juiz, que recebe a incumbência de realizar a integração do contrato, visando sua máxima adequação à ordem constitucional.
Sobre este assunto, cita a doutrina de Theodoro Júnior (2008, p. 6.)que:
É inegável, nos tempos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de direito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob "efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos.
Gomes (1972) elenca em sua obra os principais fatores propulsores das mudanças ocorridas na teoria geral dos contratos:
·Insatisfação de grandes estratos da população pelo desequilíbrio, entre as partes, atribuído ao princípio da igualdade formal;
·A modificação na técnica de vinculação por meio de uma relação jurídica;
·A intromissão do Estado na vida econômica.
Essas mudanças só foram possíveis após a vitória liberal e a imperiosa crítica ao estado absolutista; onde a idéia de intervenção do Estado na econômica tornou-se totalmente inaceitável. Contudo, devido aos excessos cometidos pelas estruturas liberais (exploração de mão de obra do proletariado, excessiva concentração de renda, etc.), o princípio da liberdade contratual enfraqueceu, cedendo espaço para a intervenção nas disposições privadas, passando, então, o Ente Estatal a ter a incumbência de intervir na ordem econômica e na ordem jurídica, sob o argumento de preservar o bem estar comum e a proteção integral dos cidadãos, assumindo o aspecto de intervencionista não pela finalidade única de regular uma política econômica, mas sim pela necessidade de estimular a proteção aos menos favorecidos (hipossuficientes) e evitar maiores desastres sociais. Nesse sentido esclarece Hironaka (2003).
O contrato, tal como houvera sido, antes, concebido no Código Francês de 1804, conferia poder absoluto à vontade individual e à liberdade contratual. Tal poder podia fazer surgir todos os direitos atribuíveis ao sujeito emissor da vontade, independentemente da preocupação social gerada a indagar se estaria, ou não, ferindo o interesse jurídico dos demais. Os tempos eram os da busca compulsiva da certeza científica, o que deu azo à torrente positivista esvaziada de conteúdo axiológico e da idéia mais geral e abstrata de justiça.
Não havia como prosperar indefinidamente, uma visão assim fanática e tão apertada em seus próprios limites. Por isso, opôs-se o tempo de revisão do velho espírito revolucionário, dentro dos melhores limites da democracia e da justiça, dos rumores de superação dos ideais napoleônicos, para enfrentar a substituição de normas simplesmente supletórias por normas superiormente imperativas, na regulação dos contratos, de modo a se restringir a liberdade contratual (não a liberdade de contratar), pela adição de normas de ordem pública. Limitando-se a liberdade contratual, buscou-se impedir a opressão do fraco pelo forte, do tolo pelo esperto, do pobre pelo rico.
Nesse sentido manifesta Miguel Reale (1999, p. 7), ao aduzir que "se não houve vitória do socialismo, houve o triunfo da 'socialidade', fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais (...)"
Essas práticas de intervenção chamam-se dedirigismo estatal, e se traduzem em duas práticas básicas: a primeira a imposição de cláusulas favoráveis a uma das partes; a segunda, a possibilidade de efetuar a revisão dos contratos pelo poder judiciário. Podendo este suprir a vontade das partes nos casos de lesão, imprevisão ou onerosidade excessiva. Sendo, portanto, a finalidade de práticas dirigistas equilibrar as partes, promovendo a distribuição da justiça, e a isonomia.
A partir de então o princípio da obrigatoriedade e intangibilidade, que estabelecia que o contato não sofria alterações após sua conclusão, é alvo de reinterpretação. Passando este a sofrer alterações quando certas situações prejudiciais forem evidenciadas por uma das partes.
Outra conseqüência dessa nova perspectiva é a relativização do princípio da autonomia da vontade.
Conforme salienta Gomes (1967, p. 36.): O princípio da autonomia da vontade é o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, os efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.
Tal princípio parte da premissa de que os sujeitos, em sua essência abstrata são livres e iguais, nada os podendo vincular, salvo o seu consentimento. Logo, a fonte única das normas jurídicas é o acordo de vontades.
A visão tradicionalista oferecia ao indivíduo legitimidade de estipular o conteúdo e firmar o pacto com absoluta liberdade. Contudo esta liberdade não pode mais ser concebida como era antes, pois os contratos não mais refletem a vontade dos indivíduos. Nas palavras de Cláudia Lima Marques (1999, p. 37.):
A concepção de contrato, a idéia de relação contratual, sofreu, porém, nos últimos tempos uma evolução sensível, em face da criação de um novo tipo de sociedade, sociedade industrializada, de consumo, massificada, sociedade de informação, e em face, também, da evolução natural do pensamento teórico-jurídico.
Deste modo, o papel da vontade se esvai como elemento central.Pois não é a simples autonomia da vontade que direciona a execução dos contratos. A vontade não mais vigora de maneira ampla e irrestrita.
Não obstante a mitigação da autonomia da vontade, o Estado Social não excluiu inteiramente o princípio da autonomia volitiva, em verdade, o que se fez foi reduzir a importância deste que era considerado um verdadeiro dogma na teoria clássica dos contratos.
Observe os apontamentos de Hironaka (2003)sobre a matéria:
Esta nova organização principiológica da Lei de 2002 não exclui os princípios clássicos do direito contratual, quer dizer, o princípio da liberdade de contratar, o princípio segundo o qual o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda) e o princípio da relatividade dos efeitos contratuais (res inter alios acta allis nec nocet prodest nec). Ao contrário, a nova tábua de princípios convive, completa e remoça a tábua tradicional, sem sufocá-la ou excluí-la. Apenas convivem. O novo agrupamento principiológico revela, enfim, a feição contemporânea do contrato e seu traço de adaptação e coerência com a pessoa mais ética desta pós-modernidade, centro de todo o interesse epistemológico do direito atual.
Pois a segurança jurídica é imprescindível, motivando o crescimento econômico e conseqüentemente impulsionando a sociedade para o seu desenvolvimento, neste sentido foi editado o enunciado 23 da CFJ:
Enunciado 23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Entendemos então que apesar do contrato ser dotado desta utilidade, não pode este ser transformado em instrumento para a prática de atividades abusivas, causando lesão à parte contrária ou a terceiros, como se estabelece no art. 187 do CC:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Segundo Santos (2002, apud DELGADO, 2004, p. 9): não se justifica, com a função social dos contratos, que o instituto contratual venha a ser distorcido, proteja a má-fé e venha a gerar contratos desprovidos de vontade. Apesar de estarmos diante de uma nova concepção não se pode admitir o desaparecimento total da autonomia da vontade.
Por fim é importante ressaltar que o descumprimento dos mandamentos contidos no art. 421 na lei civil podem acarretar a parte negligente obrigação de reparar danos por desatendimento a tal preceito.
6 A TEORIA DA IMPREVISÃO E DA ONEROSIDADE EXCESSIVA
Procedendo segundo a tendência da relativação do "pacta sunt servanda" (princípio da força obrigatória dos contratos) o CC/02 adotou em seu texto a cláusula "rebus sic standibus" (teoria da imprevisão) aos contratos de execução diferida ou continuada. Essa teoria determina que quando as circunstâncias que envolveram a formação contratual não forem as mesmas no momento da execução da obrigação, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra, há a necessidade de um ajuste no contrato.
O Conselho da Justiça Federal, no decorrer de suas Jornadas de Direito Civil, elaborou alguns enunciados que versam sobre o assunto e procuram esclarecer alguns conceitos e padronizar a interpretação destes. É o que se extrai da leitura dos enunciados nº 17 e 175:
Enunciado nº 17: A interpretação da expressão "motivos imprevisíveis", constante do art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis.
Enunciado nº 175 - A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às conseqüências que ele produz.
Sobre a teoria da imprevisão Buzaid (p. 382) afirma:
O antagonismo entre a regra pacta sunt servanda e a cláusula rebus sic stantibus traduz, em última análise, duas tendências: a primeira é uma expressão marcante do liberalismo econômico e do otimismo burguês, confiante na santidade do contrato; a segunda, a procura de um critério de justiça contratual, quando um evento posterior à formação do negócio jurídico alterou imprevistamente o estado de fato sobre o qual ele se constituiu.
A teoria da imprevisão permite que uma das partes, obedecidas certas circunstâncias, possa revisar o contrato, quando uma situação nova e extraordinária surja na vigência do contrato, colocando esse referido contratante em extrema dificuldade de realizar sua obrigação.
Entrando um pouca na história deste Instituto, remeto a um interessante artigo de Donoso (2004):
Suas origens (tratando da teoria da imprevisão) remontam ao Código de Hammurabi, em que se admitia a imprevisão nas colheitas. O Direito Romano apenas a aplicou. Dormente por séculos, o princípio ressurge com a 1ª Guerra (1914-1918) que gerou diversas instabilidades econômicas, tendo surgido inclusive leis como a Failliot(França, 1918) que autorizou a resolução dos contratos concluídos antes da guerra porque sua execução acabou se tornando muito onerosa. No Brasil, a teoria da imprevisão foi aplicada pela primeira vez apenas nos anos 30, pelo Ministro NELSON HUNGRIA.
A teoria tem larga aplicação em ordenamentos alienígenas, como se verifica pelo art. 1.467 do CC italiano; art. 269 do Código das Obrigações polonês; art. 1.198 do CC argentino, introduzida de forma minuciosa naquela lei por proposta de ITURRASPE, já que representa novidade; art. 437 do CC de Portugal, entre outros. No direito inglês, a teoria leva o nome de frustration, o que revela o espírito do instituto também na commom law.
Para que a parte prejudicada possa suscitar ao Poder Judiciário revisão do contrato, aplicando esta teoria, devem ser obedecidos alguns requisitos:
·Contrato deve ser sinalagmático, oneroso, comutativo e de execução continuada ou diferida;
·Deve ter ocorrido algum acontecimento extraordinário, geral e superveniente.
·O Acontecimento não poderia ter sido previsto na época da celebração do contrato.
·O acontecimento deve ter gerado uma desproporção entre as prestações, de forma a causar um grande prejuízo a uma parte e grande benefício (financeiro) a outra.
Assim, de acordo com grande parte da doutrina e caminhando pari passo com a jurisprudência o Novo Código Civil previu expressamente a teoria da imprevisão, como se verifica da leitura dos artigos 478 e 317:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Entendimento semelhante está expresso no art. 317 do CC:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação.
Além disso, não é apenas no artigo supracitado que se disciplina a matéria em nosso ordenamento. Nas relações de consumo também é possível a aplicação da Teoria da Imprevisão, com a consequente mudança de ajustes contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou, sua revisão em motivo de acontecimentos supervenientes que as tornem demasiadamente dispendiosas, conforme preceitua o inciso V do artigo 6º da Lei 8.070/90:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Sobre a função social dos contratos no CDC, Lobo (2002), anota:
No Código de Defesa do Consumidor os princípios estão referidos no art. 4º, não especificamente dos contratos, mas do sistema das relações de consumo. Existe certa imprecisão entre o que se denomina princípios e as diretrizes gerais contidas no mencionado artigo. As expressões empregadas no referido artigo podem ser agrupadas segundo a classificação dos princípios sociais:
·Compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica": esse trecho do inciso III do art. 4º, implicitamente, conduz ao princípio da função social;
·transparência, "boa-fé", "informação": princípio da boa-fé;
·vulnerabilidade, "harmonização dos interesses", "equilíbrio nas relações: princípio da equivalência material.
O Código de Defesa do Consumidor, no capítulo específico da proteção contratual, especialmente no art. 51, menciona o princípio da boa-fé e expressões enquadráveis no princípio da equivalência material, como "equidade", "equilíbrio contratual", "justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes"."
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
Constata-se, claramente, o cunho social da Lei 8.078/90 no momento em que o consumidor brasileiro é "agasalhado" pelo Estado de ocasionais abusividades. Procura-se, desse modo, restabelecer a igualdade substancial. Aliás, o Estado tem o dever de proteger o consumidor e isto decorre de imperativo constitucional
Vale salientar que por muito tempo, alegou-se que em relações de consumo não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente individualista e muito distante da proteção do "mais fraco" constante na Lei consumerista.
Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um "diálogo das fontes" entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por meio desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se anulam, mas se integram. Essa tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques ( 2002, p. 15-54), utilizando dos ensinamentos do jurista alemão Erik Jayme. Isso se dá diante da aproximação principiológica dos dois sistemas legislativos, principalmente no que tange aos contratos. Por derradeiro, conclui-se que a partir da análise dos diplomas, evidencia-se que o CDC é mais flexível (no que tangue a aceitabilidade da teoria da imprevisão), principalmente por prever a maior vulnerabilidade de um dos pólos (consumidor) em relação ao outro (fornecedor). Portanto, apesar de ressalvar proteção a imprevisão no Código Civil. No código consumeirista, o legislador facilitou um pouco mais desta teoria para o consumidor, abrindo a possibilidade de modificação de cláusulas contratuais (ou sua revisão), sem a obrigatoriedade, por exemplo, da demonstração da extraordinária vantagem para a outra parte, no caso, o prestador ou fornecedor de serviços.
As principais ferramentas utilizadas para justificar pedidos de revisão contratual fazem referência à teoria da imprevisão (já abordada nessa obra) e a teoria da onerosidade excessiva, que iremos abordar nos parágrafos seguintes. A carga de subjetividade na interpretação das situações motiva infindáveis discussões.
Não é necessário a demonstração de impossibilidade de cumprimento dasprestações a partir de fatos supervenientes, se imprevisíveis basta comprovar-se a inviabilidade fática de adimplemento. Qualquer meio de prova hábil poderá atestar a necessidade de não se manter a obrigação.
Não há critérios exatos para medir quando uma relação tornou-se inviável, há a necessidade de se fazer uma criteriosa análise dos elementos concretos. Para tal toma-se o equilíbrio original e choca-se com a desproporção posterior.
Ressalta-se que para ocorrer a revisão não é obrigado existir vantagem excessiva para a outra parte, apenas corroborando tal proveito para a revisão. Caso apenas uma parte seja afetada, ter-se-á a possibilidade de pleitear a resolução do liame. Logo, o que se procura é a comprovação do flagrante desequilíbrio entre a situação inicial e a situação posterior. A respeito deste tema examine o enunciado do CJF:
Enunciado nº 365 - "A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena".
Saliento, que nem toda alteração enseja uma modificação nas cláusulas contratuais. Alguns acordos podem sofrer alterações no decorrer de sua execução (naturalmente pela sua essência), sem que isso importe em onerosidade excessiva, tampouco imprevisibilidade. Além disso, se ao credor for mais benéfico continuar com o vínculo, rateando o ônus, a legislação confere o direito de revisão visando equilibrá-lo. É o que se extrai da leitura do artigo 479:
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Qualquer vantagem eventualmente percebida por uma das partes, embora não pretendida originalmente, não confere direito à revisão pela outra parte. É que tais circunstâncias são de difícil constatação e não afetam a condição das prestações devidas pelo outro contraente. Porém, em alguns casos, algumas hipóteses de ocorrência incidental são previamente discutidas e regulamentadas no contrato, de acordo com a natureza do negócio. Contudo, tais possibilidades de ganho não geram onerosidade excessiva a nenhuma das partes, sendo apenas uma vantagem indireta ao beneficiado.
Para a determinação de estado que enseje aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva não há objetivamente um critério que determine o lapso temporal necessário para sua configuração. Na realidade a preocupação maior se destina a conservar o equilíbrio econômico-financeiro das partes, através da comparação da situação atual com a situação pretérita.
O novo Código Civil reintroduziu no ordenamento o instituto da lesão como modalidade de vício dos negócios jurídicos. Embora este instituto não estivesse presente no antigo Código Civil (CC) já havia previsão da lesão no Código de Defesa do Consumidor e na lei de crimes contra a economia popular (lei 1.521/51).
Este defeito representa também uma flagrante alteração nas normatizações das relações privadas, prevalecendo o "bem comum" em detrimento do individualismo.
Topograficamente a lesão encontra-se no art. 157 CC/02:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Este instituto é justificado para proteger o contratante que se encontra em relação de inferioridade no negócio contratual. Mesmo nos contratos paritários (aqueles em que os contratantes discutem livremente suas cláusulas) pode acontecer de um dos contratantes perder a noção do justo e do real e ser levado a cometer atos que constituem verdadeiros absurdos do ponto de vista econômico.
Sabe-se que este instituto deriva do direito romano, através da obras de Diocleciano e Maximiliano[9], e posteriormente alcançou o direito francês.
8 ATÉCNIAS CONTIDAS NO ART. 421 DO CÓDIGO CIVIL
O primeiro desacerto encontrado no referido artigo é o fato de falar em "liberdade de contratar", quando o correto seria expressar o termo "liberdade contratual", pois liberdade de contratar refere-se a liberdade que as partes têm para celebrar o contrato, ao passo, que liberdade contratual é aquela relacionada ao conteúdo do negócio.
O segundo equívoco apontado pelos doutrinadores é o fato da função social não ser a razão do contrato, mas sim seu limite.
Vale ressaltar que outro artigo de não menor importância para o esclarecimento da função social contratual é o art. 2035, parágrafo únicodo CC/02:
Art. 2.035 Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Veja a seguir as interpretações que são extraídas da leitura desse artigo:
·Prevê que a função social do contrato é preceito de ordem pública, cabendo, portanto proteção "ex-ofício"pela autoridade judiciária.
·Compara e equipara a função social do contrato a função social da propriedade que é princípio expresso constitucionalmente.
·Traz o princípio da retroatividade motivada ou justificada, pelo qual preceito de ordem pública pode retroagir.
9 O PROBLEMA DOS CONTRATOS DE ADESÃO
Reiteramos que na atualidade se tem noção diversa do fenômeno contratual do que ocorria no século XIX. O mito da igualdade formal, defendido pela ideologia burguesa, que anunciava a possibilidade de garantir a manutenção do equilíbrio entre as partes contratantes pela simples aceitação da paridade formal entre os indivíduos (igualdade legal), já se mostra desacreditada na realidade fática.
O elemento central dos contratos é a vontade, o contrato só se aperfeiçoa quando os indivíduos chegam a um consenso.
O problema dos contratos de adesão surge quando este elemento central sofre limitação em virtude da evolução do capitalismo, quando as negociações precisam ser cada vez mais céleres e quando os meios jurídicos então existentes mostraram-se insuficientes para acompanhar o dinamismo comercial introduzido pelo consumismo.
Martins (1958, p. 99), falando sobre os contratos de adesão assevera que estes:
Cedo se desenvolveram em larga escala e hoje são grandemente usados nos negócios comerciais. Significam uma restrição ao princípio da autonomia da vontade, consagrado pelo Código Civil Francês, já que a vontade de uma das partes não pode se manifestar-se livremente na estruturação do contrato
Nos contratos de adesão apenas uma das partes (preponente) determina de modo amplo e geral o conteúdo estabelecido nas condições contratuais. Suprimindo-se a fase das negociações preliminares e gerando a impossibilidade de qualquer transigência quanto ao conteúdo das estipulações. Do outro lado está o aderente. Este apenas adere ao estabelecido pelo estipulante, e não possui voz e nem possuía vez. Com o CDC (lei 8078/90) o contrato de adesão foi definido como "aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar seu conteúdo" (Art. 54) esta realidade, porém,está mudando, possibilitando-se a revisão destes contratos.
O Código Civil dispõe sobre os contratos de adesão no art. 424:
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Esta relação anômala pode ser encarada sob dois ângulos:
·Quanto configura apenas a formação das cláusulas por uma só das partes, é chamada de condições gerais dos contratos.
·Quando há efetiva adesão ao contrato, formando-se a relação jurídica bilateral, temos o contrato de adesão, propriamente dito, passando assim, a observar eficácia no mundo jurídico.
Em resumo, são estes os dois aspectos do mesmo fenômeno em momentos diversos. No entanto as condições gerais dos contratos, enquanto não ingressem no comércio jurídico, "não passam de simples Musterformulare[10]", como se refere Orlando Gomes(1990, p. 119) , usando expressão alemã. Ou seja, não tem interesse jurídico, são meras formulações. Por seu turno o comportamento do indivíduo que cria uma relação concreta só tem relevância jurídica quando implica adesão às condições gerais do contrato preestabelecidas pela outra parte.
Através deste mecanismo, permite-se a atuação judicial revisando os termos do ajuste, para compatibilizá-lo à realidade econômica ou a sua resolução, com o retorno das partes ao estado anterior à contratação com a satisfação de todos os efeitos patrimoniais compreendidos.
10 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS
O Direito dos contratos é alvo, como já foi dito, de inúmeras transformações. O Código Civil de 2002 inspirado no CDC, previu mecanismos de atualização e adequação da norma ao caso concreto.
No artigo 113 do Novo Código Civil vimos que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração".Nesse dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador da norma quanto à interpretação dos negócios obrigacionais, particularmente dos contratos.
A boa fé também está presente no art. 4, III, do CDC. Este artigo trata da política nacional das relações de consumo:
[...]harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
A expressão boa-fé, deriva da expressão latina bona fides. Fides significa hábito de firmeza, compromisso daquele que honra com suas obrigações; significa ter fidelidade, não apenas honrando o compromisso expresso mas permanecendo reticente quanto aos compromissos de cooperação na relação contratual (compromissos implícitos)
O contrato passa a ter uma visão de cooperação entre os contratantes, onde ambos devem harmonizar seus objetivos em torno do objeto do negócio. Sendo o cumprimento da obrigação um dever de satisfação do crédito do outro. Sendo, pois, o contrato um instrumento dotado de valor ético.
Sob um aspecto amplo, a boa-fé pode ser considerada como algo que deve estar presente em todas as relações jurídicas e sociais existentes. Este princípio deve estar presente em vários aspectos da vida social. Boa fé significa então franqueza, honestidade, conformidade entre o que se pensa, o que se diz, o que se faz.
A boa-fé possui dois sentidos:
·Sentido objetivo: O princípio da boa-fé objetiva versa sobre um conjunto de deveres exigidos nos negócios jurídicos, mais explicitamente, nos contratos, destinado a pautar a conduta dos contratantes, num silogismo de honradez, honestidade, probidade e boa-fé.
·Sentido subjetivo: considera-se a intenção do sujeito. Trata-se de um estado de espírito, estado de consciência, como o conhecimento ou desconhecimento de uma situação, fundamentalmente psicológica.
·E é exatamente a intenção do sujeito da relação jurídica que o intérprete terá que levar em consideração.
11 O CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
A proteção do consumidor é tema bastante debatido e cresce a importância, na sociedade capitalista que vivemos de meios de dirimir os constantes abusos cometidos contra os consumidores.
Inicialmente devemos entender o que significa ser uma cláusula abusiva.
Cláusulas abusivas são todas aquelas estipulações que demonstram notável desfavorecimento ao consumidor, prejudicando assim o equilíbrio almejado nas relações jurídicas. Presente em um contrato de fornecimento de produtos ou de serviços, essa cláusula será considerada nula, conforme preceitua o "caput" do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, estando ainda esta, expressamente exposta no inciso IV do supra citado artigo.
O artigo 51 do Código do consumidor elenca o rol de clausulas abusivas (grifo nosso):
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
No entanto, vale salientar que a nulidade da cláusula não abrangerá o contrato em sua totalidade e será considerada nula tão somente a cláusula abusiva, cabendo aqui a exceção nos casos da ausência desta acarretar danos mais gravosos a uma das partes. Elas podem ser encontradas tantos nos contratos paritários quanto nos de adesão, sendo mais comum neste último.
Após estas explanações iniciais vamos adentrar nas formas de controle das clausulas abusivas. Existem varias formas de controle: preventivo, concreto,interno, posterior, legislativo, administrativo, judicial e etc.
O controle preventivo visa impedir o cometimento do dano ao consumidor, evitando a concretização da abusividade. Neste caso evidencia-se o controle abstrato (ou antecipado).
Desta forma quando se constatar a existência de uma cláusula abusiva, embora o contrato ainda nem tenha sido utilizado, poderá o Ministério Público ajuizar a devida ação para que seja declarada a nulidade desta disposição. Conforme a seguinte disposição do diploma consumeirista (grifo nosso):
Art. 51[...]
§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Destarte é um poder-dever do Parquet ajuizar ação visando inibir estas clausulas descomedidas.
Observe também a redação dos seguintes artigos do supracitado código (grifonosso):
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
Percebemos da leitura dos artigos que nesse caso, o poder-dever de controle das cláusulas abusivas é atribuído ao Ministério Público, conforme os artigos citados anteriormente, o que implica dizer que a defesa dos interesses dos consumidores, nessa situação, será coletiva.
Ressalte-se que esse poder-dever, atribuído ao Ministério Público, deve ser interpretado à luz do artigo 127 da Constituição Federal. Observe:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Portanto, isso nos permite alegar que os legitimados, no artigo 51, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, não podem exercer o controle das cláusulas abusivas em sua forma abstrata.
Nesse mesmo sentido, fica impossibilitado o MP de agir na existência de lesão a consumidor individualizado, pois desse modo estaria fugindo de sua função precípua que é a de zelar pelos interesses metaindividuais[11].
O controle posterior ou repressivo ocorre após a adesão do consumidor ao contrato e em tais casos o controle será efetivado pelas vias administrativas ou judiciais. Sendo passível a aplicação das punições elencadas no art. 56 do CDC:
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo
O controle interno é aquele realizado pelo próprio consumidor, como dispõe o art. 46 do Código do Consumidor. Já o controle externo é aquele realizado por intermédio de entes estatais e de entes particulares autorizados a atuar na defesa de interesses alheios.
Legislativo éo controle cuja iniciativa pertence ao Poder Legislativo, que estabelecerá o conteúdo do contrato.
Por fim vale ressaltar, a importância dos órgãos administrativos de proteção ao consumo, das associações de consumidores, do CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica - e dos PROCONS, que bastante contribuem com a sociedade, não apenas através do controle das cláusulas abusivas, atuando como fiscalizadores, mas também através, da educação e orientação aos consumidores.
Concluo que através das diversas mudanças ocorridas ao longo tempo, o contrato sofreu inúmeros reflexos, todos visando o respeito e a dignidade da pessoa humana que é alvo de uma sociedade exploradora e massificada, repleta de abusos cometidos pelos fortes contra os fracos que são prejudicados constantemente pela ausência de condições favoravoreis, em virtude de sua precariedade financeira.
Em decorrência da limitação imposta pelo Estado, os contratantes devem obedecer às normas de ordem pública, que fixam os interesses da coletividade e as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica e moral da sociedade e os bons costumes relativos a moralidade social, deixando para trás o individualismo.
Cabe então ao magistrado intervir tomando medidas no sentido de equilibrar as partes, podendo proclamar a inexistência ou nulidade do contrato, convalidar contrato anulável, reduzir a prestação de uma das partes quando entender ser esta exacerbada ou determinar a resolução do contrato.
Por derradeiro, encerro, citando a frase do ilustre Mestre Miguel Reale (1986, p. 9):
O contrato nasce de uma ambivalência, de uma correlação essencial entre o valor do indivíduo e o valor da coletividade. O contrato é um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida.
COUTO e Silva, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: Editora Bushatsky, 1976, p.18
DELGADO, José Augusto. O Contrato no código civil e a sua função social. Revista Jurídica, São Paulo, ano 52, n. 322, p. 7-28, ago. 2004.
GOMES, Orlando. Contrato de Adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1972.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: . Acesso em: document.write(capturado()); 23 jun. 2009
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2009.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2008
MARQUES, C. L. (1995). Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais.
MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais, 8º edição, Rio de Janeiro, Forense, 1958, p. 99.
MELO, Lucinete Cardoso de. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2009.
PASSOS, Anderson Santos dos. Problema e teoria dos contratos de adesão. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2009.
SILVA, Vitor Borges da. A função social dos contratos e a intervenção do
Estado nas relações jurídicas privadas. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 7, mar.
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TALAVERA, G. M. (2002). A Função Social do Contrato no novo código civil. Revista CEJ , 94-96.
TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1049, 16 maio 2006. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2008 .
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
WALD, Arnold. O contrato: Passado, Presente e Futuro. Revista Cidadania e Justiça: 1º semestre de 2000. RJ.
REALE, Miguel - Teoria Tridimensional do Direito. 5.ªed., São Paulo, 1994
REVOREDO, Alda Regina. A Função Social do Contrato e as cláusulas abusivas. Mestrado FADISP, São Paulo, 2007
Reale, Miguel - Teoria Tridimensional do Direito, 5.ªed., São Paulo, 1994
REALE, Miguel. Novo Código Civil: Exposição de Motivos. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002, p. 26.
ANEXO
ANEXO A JURISPRUDÊNCIA SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
·RECURSO ESPECIAL Nº 691.738 - SC (2004/0133627-7)
·RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
·RECORRENTE: ADMINISTRAÇÃO, CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÕES DE
·IMÓVEIS LTDA - SANT'ANA
·ADVOGADO: EVERALDO LUÍS RESTANHO E OUTRO
·RECORRIDO: BESC S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO
·ADVOGADO: IVO MULLER
EMENTA
RECURSO ESPECIAL.. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPUGNAÇÃO
EXCLUSIVAMENTE AOS DISPOSITIVOS DE DIREITO MATERIAL.
POSSIBILIDADE. FRACIONAMENTO DE HIPOTECA. ART. 1488 DO
CC/02. APLICABILIDADE AOS CONTRATOS EM CURSO.
INTELIGÊNCIA DO ART. 2035 DO CC/02. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO
DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS.
Se não há ofensa direta à legislação processual na decisão do Tribunal que revoga tutela antecipadamente concedida pelo Juízo de Primeiro Grau, é possível a interposição de Recurso Especial mencionando exclusivamente a violação dos dispositivos de direito material que deram fundamento à decisão.. - O art. 1488 do CC/02, que regula a possibilidade de fracionamento de hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2035 do CC/02. - Não cabe aplicar a multa do art. 538, § único, do CPC, nas hipóteses em que há omissão no acórdão recorrido, ainda que tal omissão não implique a nulidade do aresto.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Sustentou oralmente o Dr. Túlio Kavalazi Filho, pelo recorrente.
Brasília (DF), 12 de maio de 2005(data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Presidente e Relatora
Documento: 1838396 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 26/09/2005 Página 1 de 1
·RECURSO ESPECIAL Nº 803.481 - GO (2005/0205857-0)
·RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
·RECORRENTE: CARGILL AGRÍCOLA S/A
·ADVOGADO: ADILIO EVANGELISTA CARNEIRO E OUTRO
·RECORRIDO: LUIZ FERREIRA LIMA
·ADVOGADO: RENATO MENDONÇA SANTOS
EMENTA
DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA APREÇO CERTO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO. CIRCUNSTÂNCIA PREVISÍVEL. ONEROSIDADE EXCESSIVA.
INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DOCONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E PROBIDADE. INEXISTÊNCIA.
- A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato
que alterou o valor do produto agrícola não era imprevisível. - Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive porque a alta do dólar em virtude das eleições presidenciais e da iminência de guerra no Oriente Médio motivos alegados pelo recorrido para sustentar a ocorrência de acontecimento extraordinário porque são circunstâncias previsíveis, que podem ser levadas em consideração quando se contrata a venda para entrega futura com preço certo.- O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. - A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura. - A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Documento: 3139936 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 01/08/2007
Brasília (DF), 28 de junho de 2007 (data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATORA
·RECURSO ESPECIAL Nº 783.404 - GO (2005/0158134-4)
·RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
·RECORRENTE: CARGILL AGRÍCOLA S/A
·ADVOGADO: ADILIO EVANGELISTA CARNEIRO E OUTRO(S)
·RECORRIDO: RICARDO ALVES RESENDE
·ADVOGADO: HENRIQUE ALVES DE ARAÚJO E OUTRO
EMENTA
DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA A
PREÇO CERTO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO.
CIRCUNSTÂNCIA PREVISÍVEL. ONEROSIDADE EXCESSIVA.
INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO
CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E PROBIDADE. INEXISTÊNCIA.
CLÁUSULAS ACESSÓRIAS ABUSIVAS. IRRELEVÂNCIA.
A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato que alterou o valor do produto agrícola não era imprevisível. - Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive porque chuvas e pragas motivos alegados pelo recorrido para sustentar a ocorrência de acontecimento extraordinário são circunstâncias previsíveis na agricultura, que o produtor deve levar em consideração quando contrata avenda para entrega futura com preço certo.- O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. - A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura. - A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva. - Nos termos do art. 184, segunda parte, do CC/02, "a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal". Portanto, eventual abusividade de determinadas cláusulas acessórias do contrato não tem relevância para o deslinde desta ação. Ainda que, em tese, transgridam os princípios da boa-fé objetiva, da probidade e da função social do contrato ou imponham ônus excessivo ao recorrido, tais abusos não teriam o condão de contaminar de maneira irremediável o contrato, de sorte a resolvê-lo.
Recurso especial conhecido e provido.
Documento: 3139396 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 13/08/2007 Página 1 de 2
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 28 de junho de 2007 (data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
·EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 951.553 - RJ (2007/0090881-0)
·RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
·EMBARGANTE: EDENEA WAGNER AGUIEIRAS
·ADVOGADO: DENIELLE CORRÊA MARIANO DE CAMPOS
·EMBARGADO: GEORGINA VIEIRA NICOLAU
·ADVOGADO: JOSÉ WANDER GOMES E OUTRO
EMENTA
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS
DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO,
OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. LOCAÇÃO.
PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. VALIDADE.
CLÁUSULA PREVENDO A RESPONSABILIDADE DO FIADOR
ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES DO IMÓVEL.
EXISTÊNCIA. EMBARGOS REJEITADOS.
O princípio do pacta sunt servanda , embora temperado pela necessidade de observância da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, em seu prisma objetivo, ainda continua plenamente válido em nosso ordenamento jurídico. Assim, têm os contratantes plena liberdade de pactuar normas a gerarem efeitos entre si, desde que estas não venham a ofender interesses sociais previstos na Constituição.
O fato de o contrato de locação ter sido celebrado sob a vigência da Lei 6.649/79, por si só, não afasta a responsabilidade da fiadora pelos débitos locatícios posteriores ao vencimento do contrato de locação, tendo em vista a existência de cláusula expressa em que concordou em garantir a locação até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado. Precedente da Terceira Seção.
Embargos de declaração rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar os embargos. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 26 de agosto de 2008(data do julgamento)
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator
·RECURSO ESPECIAL Nº 1.034.702 - ES (2008/0043541-5)
·RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
·RECORRENTE: GRANLIMA INDUSTRIA E COMERCIO DE GRANITOS LTDA ME MICROEMPRESA
·ADVOGADO: MILTRO JOSÉ DALCAMIN E OUTRO(S)
·RECORRIDO: AGEO LTDA.
·ADVOGADO: JOSÉ FRANCISCO CUNHA FERRAZ FILHO E OUTRO(S)
·RECURSO ESPECIAL Nº 1 . 0 3 4 . 7 0 2 - ES ( 2 0 0 8 / 0 0 4 3 5 4 1 - 5 )
EMENTA
CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ONEROSIDADE
EXCESSIVA. CLÁUSULAS ABUSIVAS. ILEGALIDADE DA CLÁUSULA PENAL. SÚMULAS NS. 5 E 7 DO STJ. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS.
INDENIZAÇÃO E MULTA DA CLÁUSULA PENAL. SÚMULA N. 211 DO STJ.
VIOLAÇÃO DO ART. 410 DO CC NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA N. 284
DO STF. REDUÇÃO DO QUANTUM DA MULTA COMPENSATÓRIA.
SÚMULA N. 7 DO STJ. ART. 460 DO CC. SÚMULA N. 211 DO STJ.
1. Os requisitos para caracterização da onerosidade excessiva são: o contrato de execução continuada ou diferida, vantagem extrema de outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível, cabendo ao juiz, nas instâncias ordinárias, e diante do caso concreto, a averiguação da existência de prejuízo que exceda a álea normal do contrato, com a conseqüente resolução do contrato diante do reconhecimento de cláusulas abusivas e excessivamente onerosas para a prestação do devedor. O reexame dessa matéria na instância especial enseja a aplicação das Súmulas ns. 5 e 7 do STJ.
2. Inviabiliza-se o conhecimento de recurso especial fundado na aferição da legalidade de cláusula penal, quando o reconhecimento da quebra da exclusividade pela Corte a quo, que gerou a multa contratual considerada ilegal pelo recorrente, foi firmado com base no conjunto fático-probatório dos autos. Incidência das Súmulas ns. 5 e 7 do STJ.
3. A ausência de prequestionamento de tese acerca da cumulação de pedidos de indenização e multa relativa à cláusula penal impede o conhecimento do apelo especial, a teor da Súmula n. 211 do STJ.
4. Em sede de recurso especial, é inadmissível a revisão do quantum fixado a título de multa compensatória, tendo em vista o disposto na Súmula n. 7 do STJ, na medida em que cabe ao magistrado das instâncias ordinárias, atento às circunstâncias do caso em apreço e à realidade dos fatos, a redução proporcional ao valor do pagamento já realizado, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do devedor.
5. Recurso especial não-conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentou oralmente Dr. JOSÉ FRANCISCO CUNHA FERRAZ FILHO, pela parte
·RECORRIDA: AGEO LTDA.
·Documento: 3905111 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 19/05/2008 Página 1 de 2
·Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
·Brasília, 15 de abril de 2008 (data do julgamento).
·MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
·Relator
TJ/MS
·Processo nº 2006.013731-2/0001.00
·Julgamento: 24/07/07
·Órgão: 4º Turma CIVIL
·Classe: Agr. Regimental em Apelação Civil
·Rito: Ordinário
·Quarta Turma Cível
Relator - Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.
Agravante - Unimed - Campo Grande/MS - Cooperativa de Trabalho Médico Ltda.
Advogados - Paula Coelho Barbosa Tenuta e outro.
Agravada - Romilda Aparecida Miotto Fernandes.
Def. Públ. 1ª Inst. - Guilherme Cambraia de Oliveira.
E M E N T A AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL DECISÃO MONOCRÁTICA DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PLANO DE SAÚDE CLÁUSULA ABUSIVA RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA ART. 51, CDC APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNCAO SOCIAL DOS CONTRATOS RECURSO IMPROVIDO.
Mantém-se a decisão denegatória de seguimento a recurso de apelação, quando esta encontra-se estritamente fundamentada em entendimento pacífico e dominante do respectivo Tribunal e da Corte Superior.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, bem como dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, o princípio do pacta sunt servanda deve ser relativizado para declarar nulas as cláusulas abusivas previstas nos contratos de adesão.
É vedada a interpretação extensiva de cláusula contratual limitativa de direitos, prevista em contratos de adesão de plano de saúde.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, negar provimento ao agravo regimental. Unânime.
Campo Grande, 24 de julho de 2007.
Des. Paschoal Carmello Leandro Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro
Unimed Campo Grande Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. , inconformada com a decisão (f. 155-158) que negou seguimento ao recurso de apelação cível por ela interposto em face de Romilda Aparecida Miotto Fernandes, agrava regimentalmente a este Tribunal.
Em suas razões recursais (f. 160-163), a agravante alega, em apertada síntese, que discorda da decisão, uma vez que a demanda em questão não versa unicamente a respeito da necessidade de atendimento médico hospitalar ao qual a recorrida foi submetida, mas, sobretudo, à existência de dever jurídico oponível contra a recorrente, para que se procedesse ao custeio daquele stent farmacológico não previsto contratualmente, por ser importado, o qual foi pago pela própria recorrida por mera liberalidade.
Afirma que o próprio CDC, em seu art. 22, preserva a continuidade da prestação dos serviços, mediante o pagamento do preço justo, previamente ajustado no contrato.
Sustenta, ainda, que no caso em exame é impossível o atendimento pleiteado pela recorrida porque não há previsão contratual para o custeio de materiais importados, conforme cláusula expressa no contrato celebrado entre as partes litigantes.
Ao final, requer provimento ao regimental, pugnando pela reconsideração ou remessa para o Colegiado.
Campo Grande, 30 de maio de 2006.
Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan
Trata-se de apelação cível interposta por Lauro Veloso Malaquias, Marisa Silveira Malaquias, Daltro Fiúza e Rosi Mari dos Santos Fiuza, contra a parte dispositiva da sentença que julgou procedente os pedidos na ação ordinária ex empto, intentada pelos dois primeiros recorrentes, condenando os réus ao pagamento da diferença constatada na área adquirida, concernente a 60,2327 ha nos termos do contrato de compra e venda do imóvel rural e julgou parcialmente procedente a reconvenção para o fim de declarar rescindida a letra 'e' da cláusula 2ª do aludido contrato de compra e venda de imóvel rural.
Os apelantes, Lauro Veloso Malaquias e Marisa Silveira Malaquias, alegam:
1- que o magistrado procedeu com desnecessário e ilegal açodamento ao julgar antecipadamente a lide principal, ferindo os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa;
2- que os apelados carecem de interesse de agir na reconvenção, já que os próprios apelantes, desde a inicial da ação principal admitem dever aos apelados os valores do apartamento do edifício Mont Serrat, de 75 vacas e de suas rendas, sendo inclusive, objeto do pedido na letra 'd' do pedido inicial;
3- que a área faltante é muito superior à definida na sentença e que o limite é a base da serra;
4- que o perito judicial nunca foi ao local da perícia judicial e que a referida área é inapta para a exploração de pecuária ou agricultura e pertence a terceiros ou é devoluta.
Postulam, ao final, em pedidos alternativos:
1- seja decretada a nulidade da sentença, retornando o processo a origem para que se conclua a produção das provas requeridas fundamentadamente e que seja proferida uma nova sentença;
2- ou, que seja indeferida a petição inicial da reconvenção, por carecerem os apelados de interesse processual;
3- ou ainda, que seja reformada parcialmente a sentença para que sejam respeitados os limites do título original, conforme os levantamentos procedidos pelo Idaterra.
Em contra-razões, os apelados postulam pela manutenção da sentença.
Os recorrentes Dautro Fiúza e Rosi Mari dos Santos Fiuza, réus no feito principal, interpuseram recurso de apelação alegando:
1- que a sentença merece ser reformada na parte em que deixa de anular a cláusula contratual de número 3.1., haja vista que referida disposição viola a função social do contrato, gerando o enriquecimento sem causa dos apelados;
2- que o magistrado não considerou o mandamento contido no artigo 1.136 do Código Civil de 1916, já que determinou a indenização pela área faltante conforme previsto no contrato e não como a lei determina, e, ainda, condenou os apelantes a indenizar os apelados em valor muito superior que o previsto para o abatimento proporcional no preço do negócio.
Pedem alternativamente:
I- seja dado provimento ao recurso para reformar parte da sentença, anulando-se a cláusula 3.1 do contrato,
II- ou, que seja aplicada cláusula 3.1 para a apuração do valor devido aos apelantes, levando-se em consideração a área de 203.53 hectares da qual não houve adimplemento, acrescida de juros anuais de 25% (vinte e cinco) por cento.
Os apelados em contra-razões batem-se pelo improvimento do recurso.
(...)
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES E NO MÉRITO, POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DOS APELANTES LAURO VELOSO MALAQUIAS E SUA MULHER, VENCIDO O VOGAL. EM DECISÃO UNÂNIME, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO POR DALTRO FIÚZA E ROSI MARI DOS S. FIUZA.
Presidência da Exma. Sra. Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Horácio Vanderlei Nascimento Pithan, Tânia Garcia de Freitas Borges e Luiz Carlos Santini.
Campo Grande, 30 de maio de 2006.
TJ/CE
2008.0006.4412-5/1APELAÇÃO CÍVEL
Relator: DES. LINCOLN TAVARES DANTAS
Orgão Julgador : 4ª CÂMARA CÍVEL
APELANTE : BANCO ITAU S/A
EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. RECONVENÇÃO. REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Sendo o crédito fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do "Pacta Sunt Servanda" e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão). Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO DA NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS. O art. 168, parágrafo único, do novo Código Civil (mera repetição do art. 145, parágrafo único da codificação revogada), permite ao Juiz declarar de ofício a nulidade de negócio jurídico que lhe tenha sido submetido a exame. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. No caso concreto trata-se de contrato de financiamento firmado já na vigência do Novo Código Civil. Assim, havendo autorização expressa em lei, a incidência da capitalização dos juros remuneratórios contratados não vai afastada, sendo, entretanto, permitida apenas em periodicidade anual. TERMO INICIAL DA MORA. Estando "sub judice" a liquidez e, em via de conseqüência, a própria exigibilidade do crédito oriundo do contrato revisando, é de ser afastada com efeitos "ex tunc" a mora decorrente do inadimplemento de obrigações declaradas abusivas até que se apure o valor real do eventual débito ainda existente. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Obrigação acessória que vai afastada, na esteira de jurisprudência consolidada. A correção monetária é suficiente, e mais confiável, para servir como fator de recomposição da perda do valor real da moeda, corroída pela inflação. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. Mantido o IGP-M/FGV como índice de correção monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda inflacionária. JUROS MORATÓRIOS. Mantidos em 1% (um por cento) ao mês. MULTA MORATÓRIA. Mantida em 2% (dois por cento), porém, sobre o valor da parcela em atraso, nos termos do art. 52, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90. Disposição de ofício. COBRANÇA DE TARIFA E/OU TAXA NA CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO. ABUSIVIDADE. Encargo contratual abusivo, porque evidencia vantagem exagerada da instituição financeira, visando acobertar as despesas de financiamento inerentes à operação de outorga de crédito. Inteligência do art. 51, IV do CDC. Disposição de ofício. IOF. ABUSIVIDADE QUANTO À FORMA DE COBRANÇA. A cobrança do tributo diluído nas prestações do financiamento se afigura como condição iníqua e desvantajosa ao consumidor (CDC, art. 51, IV). Disposição de ofício. DIREITO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS E À REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Sendo apurado a
RELATÓRIO
Cuidam-se de Apelações Cíveis em Ação Revisional de Cláusulas Contratuais, esta aforada por ANTONIETA SILVA CAMPOS contra o BANCO ITAÚ S/A; e em ação de Busca e Apreensão interposta pelo mesmo BANCO ITAÚ S/A, contra ANTONIETA SILVA CAMPOS.
O douto juízo de origem julgou pela procedência parcial da revisional, determinando o recálculo do débito, a contar da data da celebração do contrato firmado entre as partes, de modo a aplicar o CDC, possibilitando a revisão do mesmo, vedando a capitalização de juros em qualquer periodicidade, manter a comissão de permanência conforme taxa de mercado, proibindo sua cumulação com juros moratórios, aplicar a taxa de juros pactuada, mas de forma simples, limitar os juros de mora a 1% ao ano, afastar a exigibilidade dos encargos moratórios, em razão da descaracterização da mora debendi, estabelecer que a multa pactuada de 2% só pode incidir sobre as parcelas em atraso, possibilitando a compensação dos valores, de forma simples.
Em relação à busca e apreensão, o julgador monocrático decretou sua extinção, com base no art. 267, VI, CPC, por considerar que a existência de cláusulas abusivas descaracterizam a mora.
Nas razões recursais concernentes à revisional, defende o banco recorrente, em síntese, a legalidade dos termos livremente pactuados, devendo prevalecer o princípio da pacta sunt servanda, defendendo incabível a sua revisão.
A título de prequestionamento, defende que o julgador de origem contrariou o princípio da pacta sunt servada; contrariou o disposto no art. 46 e 6º, inciso V, do CDC, pois admitiu a alteração das cláusulas contratuais que eram de conhecimento prévio do apelado, redigidos de forma clara e precisa; contrariou, também, o art. 126, CPC, ao não aplicar o art. 5º, da Medida Provisória nº 2.170-36, a Lei nº 4.595/97 e demais normas pertinentes; contrariou o disposto na Medida Provisória nº 1.963-17, que autoriza definir a taxa de juros mediante capitalização mensal, pugnando pela apreciação desses pontos pelo colegiado.
Contra-razões às fls. 99/102, reiterando a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado, contrárias às normas de regência, passíveis de revisão, nos termos do art. 421, CCB, defendendo a manutenção da peça de desate.
Em relação ao apelo interposto na busca e apreensão, o banco recorrente prequestiona a aplicação do art. 267, VI, CPC, em confronto com o Decreto-Lei 911/69, defendendo que o julgador dera entendimento diverso ao dispositivo legal deixando de aplicar a lei no caso, tanto que a sentença foi baseada no dispositivo citado, sem, contudo, aplicar a íntegra do dispositivo.
Defendendo presente os pressupostos legais concernentes, pede pelo provimento do apelo, com a reforma sentença extintiva.
Não havendo contraditório, foi determinada a imediata subida dos autos à instância superior.
Esses os relatos.
Sigam à análise do douto Revisor.
[1] Cada sutu correspondia a vinte litros de cevada
[2] Com a queda do domínio romano houve um retrocesso, e passou a predominar o direito germânico que por ser menos evoluído que o direito romano necessitava, para a formalização das obrigações, a observância de rituais.
[3] Notamos então que, no Direito Romano, o contrato já estava estruturado a partir do acordo de vontades, que gerava obrigação (ressaltando o caráter personalíssimo da obligatio).
[4] Art. 1143 do código de Napoleão: Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites. Elles ne peuvent être révoquées que de leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être exécutées de bonne foi.
Tradução : As convenções feitas nos contratos formam para as partes uma regra a qual devem se submeter como a própria lei.
[5] Le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s'obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.
[6] Art.1137.- Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre una declaración de voluntad común, destinada a reglar sus derechos.
[7] De acordo com o dicionário Michaellis, a palavra "função" significa: "sf (lat functione) 1 Ação natural e própria de qualquer coisa. 2 Atividade especial, serviço, encargo, cargo, emprego, missão". E o vocábulo "social significa": adj m+f (lat sociale) 1 Pertencente ou relativo à sociedade. 2 Que diz respeito a uma sociedade.
[8] As Jornadas de Direito Civil, que o Conselho da Justiça Federal promove há alguns anos, constituem hoje um dos mais importantes acontecimentos culturais que se realiza no país na área do direito privado"
[9] Nestas foi criada a rescisão da venda de imóveis em favor do vendedor, através de Instituto conhecido como laesio enormis (ou laesio ultra dimidiam). Bastava a desproporção das prestações e que esta fosse superior a metade do preço justo.
[10] Significa amostra de formulário
[11] Nigro Mazzilli em sua obra A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, e outros interesses difusos e coletivos.Pág. 93. defende que "O Ministério Público só pode promover a defesa de interesses individuais homogêneos quando isso convenha à coletividade como um todo". elencando duas situações permicivas para atuação do parque além das previstas na lei consumeirista: primeiro, quando, embora individuais, se trate de interesses indisponíveis ou quando haja tal abrangência de lesados que se torne francamente proveitosa para a sociedade a substituição processual dos interessados pela Instituição.
Autor: Leonardo Nogueira
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