O Território Do Acre Em Evidência



05 de Abril de 2007.

Luciano Rodrigues Campos.

A ocupação humana no local que compreende hoje, o atual espaço do Estado do Acre, pode ser analisada pegando-se como parâmetro três (3) fases distintas, que doravante, podem ser observadas quando tentamos formular um entendimento mais distanciado do senso comum, a respeito da questão de limites, envolvendo o então território acreano, e a Bolívia, como também o Peru.Comumente a atuação meio esquecida por parte do grande público, do Barão do Rio Branco, na questão.

A oportunidade do assunto é dada pela minissérie apresentada recentemente (Janeiro a Abril do ano de 2007) pela Rede Globo de Televisão, denominada AMAZÔNIA, que infelizmente fez uma referência pífia à atuação de Rio Branco nesta contenda de limites territorial.

Primeiramente, temos de acordo com CARVALHO, 1998, p.218, "a ocupação da região que hoje se chama de Acre, compreende três fases" – a primeira é a dos conquistadores portugueses e paulistas que para aí convergiram na marcha para o oeste, essa fase, é a da penetração histórica... (séculos XVII e XVIII).

Ainda conforme assinala este autor, "A segunda fase é a dos exploradores da região dos regatões e das expedições de reconhecimento do Alto Purus e Alto Juruá; (meados do século XIX). A terceira fase, e a dos povoadores cearenses que, em grandes e rumorosas levas, se apossam definitivamente do território (fins do século XIX)".

E neste sentido, vai se ter em cada um desses momentos um marco regulatório disciplinando a ocupação do território na região acreana. Na primeira fase, de ocupação do território do Acre, corresponderá a época da entrada em vigor do Tratado de Madrid em 1750. Acordado por parte do Brasil colônia, por Alexandre de Gusmão.

Posteriormente, vamos ter em seqüência e regulando as duas fases seguintes de ocupação humana e também de determinações de soberania na região, o Tratado de 27 de março de 1867, dito Tratado de La Paz de Ayacucho, correspondendo ao período da segunda fase de ocupação. E o mais conhecido desses três tratados, que vem a ser o Tratado de Petrópolis de 17 de novembro de 1903, que se refere à terceira fase de ocupação no Acre.

A recente minissérie da Globo, tratou essencialmente, de retratar esse terceiro período de ocupação no Acre, referente a época do Tratado de Petrópolis; esta fase compreende basicamente, o recorte temporal compreendido entre 1880 e 1920. E também, a época de Chico Mendes, líder sindical dos seringueiros no Acre. Já nas décadas de 1970 e 1980. Este último tratado, o de Petrópolis, foi negociado junto aos representantes diplomáticos bolivianos Fernando Guachala, na época Ministro e embaixador da Bolívia no Rio de Janeiro, então capital federal, e Cláudio Pinilla. Cujos representantes brasileiros foram o Barão do Rio Branco – José Maria da Silva Paranhos Júnior, Joaquim Francisco de Assis Brasil e Rui Barbosa.

E Rui Barbosa, discordando da posição de Rio Branco que era favorável a negociação direta, em relação à questão acreana, despedi-se da comissão negociadora do referido Tratado de Petrópolis. Era ele favorável ao arbitramento.

CARVALHO, 1998, p.226, diz que foi singular a atitude de Rui Barbosa nesta negociação em que cedo se declarou "plenipotenciário vencido", a sua admiração pelo Barão do Rio Branco em nada arrefeceu, mas como senador e cultor da opinião pública, teve escrúpulos em acompanhar a orientação que Rio Branco, vencedor de Missões e Amapá, julgava poder seguir na troca de territórios.

Prevista esta troca, pelo tratado de Ayacucho de 1867. Receava Rui Barbosa a oposição parlamentar no Brasil a qualquer cessão territorial no Acre, preferindo oferecer maior compensação pecuniária. Esta solução, entretanto, tentada por Rio Branco, não foi aceita pelos bolivianos; Rui despediu-se então da comissão.

Com respeito à atuação de Rio Branco na questão do Acre, é importante assinalar que ela começa efetivamente a partir do momento que é sabido que o governo de La Paz estava organizando uma expedição militar para reduzir os acreanos, por essa época, já havia chegado da Alemanha o Barão do Rio Branco para ocupar o Itamarati.

Em uma nota de três de fevereiro, de 1902, informava ele, que não desejava que o Brasil rompesse as suas relações com a Bolívia, mas que "fazia adiantar forças para o sul", para policiar até o Rio Iaco o território contestado, sendo removida de Porto Acre a alfândega boliviana.

Mas a origem das disputas pelo território do Acre, pode ser encontrada no Tratado de Madrid de 1750, e ela não surgirá de uma descontinuidade da posse brasileira; mas sim, de um erro de interpretação dada ao Tratado de 1867(Ayacucho) e de vários erros de demarcação. Surgirá também, dos atritos a que tais erros deram causa, e que serão corrigidos em 1903. (CASSIANO RICARDO - O Tratado de Petrópolis, I, p.62).

Segundo Cassiano Ricardo, o próprio signatário espanhol do Tratado de Madrid, D. Joseph de Carvajal y Lancaster tinha declarado que o objetivo do referido tratado era o de reconhecer á Coroa Portuguesa "las vertientes que desaguarem en el rio de las Amazonas".

Porém, o principio fundamental estabelecido por Alexandre de Gusmão, negociador do Tratado de Madrid por parte do Brasil Colônia, era o do Uti Possidets (utilidade da posse), que passou a ser a norma mais observada por nossa diplomacia emtodos os nossos tratados de limites.

Dessa forma, Rio Branco se utilizou desse princípio para orientar o posicionamento da Chancelaria Brasileira durante as negociações sobre a questão de limites do Acre. Mas, o ponto do território cujo governo da Bolívia reclamava na oportunidade soberania, com mais ênfase, e também o governo do Peru, era aquele localizado abaixo do paralelo de 10º 20' de latitude sul, cujo povoamento apesar de ser em sua maioria constituído por brasileiros, havia também, bolivianos e peruanos a habitar esta localidade. Fato que provocou maior disputa por essa parte do território acreano. E que também, futuramente se localizaria neste paralelo, a cidade de Rio Branco, capital do atual Estado do Acre.

Sobre a questão do Acre, poderíamos aqui escrever infindáveis folhas com texto sobre o assunto, mas, o objetivo aqui, é resgatar a participação e atuação do Barão do Rio Branco na resolução da contenda acreana.

O que a minissérie Amazônia da Rede Globo de Televisão, não mostrou, é que, de acordo com a doutrina do Direito associada ao cumprimento de contratos, de Tratados diplomáticos, já anteriormente assinados e acordados, entre duas nações e que de acordo com o Direito internacional Público, ganha esses mesmos tratados, força de lei internacional; o Brasil em verdade não teria muitos direitos sobre o território contestado no Acre.

Foi por essa razão que Rio Branco preferiu a negociação direta, na questão do Acre, pois, ele sabia que em um possível arbitramento (o Brasil perderia a disputa), o arbitramento, vem a se tratar de uma modalidade, em que a negociação diplomática de comum acordo entre as partes, que estão em disputa por algum território, escolhem um árbitro neutro na disputa, para que esse árbitro possa exercer o arbitramento e dar uma sentença definitiva a respeito do território litigioso. Esse árbitro, geralmente é um chefe de Estado ou de governo, neutro em relação à disputa territorial a qual vai arbitrar.

O que Rio Branco dizia, é que no caso de a questão do Acre, ir naquela oportunidade a uma decisão arbitral, os argumentos brasileiros seriam muito frágeis para que pudéssemos conseguir uma decisão favorável do árbitro.

Fato que o Brasil, já havia conseguido por atuação de Rio Branco, no caso de limites envolvendo o chamado Território das Missões, localizado entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Argentina, cujo arbitramento nessa disputa foi exercido pelo Presidente Norte-americano Grover Cleveland em 1895. E também, no caso envolvendo o então território do Amapá, disputado pela França, e cujo arbitramento coube ao governo Federal da Suíça, que no ano de 1900, a 1º de dezembro, entregava seu laudo arbitral aos representantes de Brasil e França, a respeito da disputa no Território do Amapá, que foi favorável ao Brasil.

Entretanto, com relação ao Acre, de acordo com o Tratado de La Paz de Ayacucho de 1867, e também, um mapa de 1860, ambos os documentos do período do Império, concediam a Bolívia, soberania sobre uma boa parte do território acreano; esse tratado, foi concedido pelo Império à Bolívia, em razão desta, estar naquela oportunidade exercendo pressões territoriais sobre o Governo Brasileiro. Motivadas pelo conflito da Guerra do Paraguai. De acordo com esse tratado, o Brasil reconhecia em parte aquelas terras (as do Acre), como sendo bolivianas. E o referido mapa de 1860, o chamado mapa verde, confeccionado por Duarte da Ponte Ribeiro - Barão da ponte Ribeiro, confirmava essa soberania boliviana. Por isso, é que numa decisão por arbitramento, as chances de uma vitória na disputa acreana, seriam mínimas para o Brasil.

Na época que Rio Branco negociava sobre a questão do Acre, esse importante mapa de 1860, estava desaparecido, e só veio a público novamente, depois que o Tratado de Petrópolis em 1903 já estava assinado por Brasil e Bolívia.

As criticas, feitas a Rio Branco por causa dos termos desse tratado de 1903, foram muitas e partiram de todos os lados; dizia-se que o Brasil havia comprado o Acre à Bolívia e feitas ainda muitas concessões de outras formas, como territoriais, por exemplo. Mas, quando esse mapa de 1860 veio a público, veio também a confirmação de que o Brasil havia conseguido a obtenção de um considerável território, sobre o qual não possuía muitos direitos, o então território do Acre. Ou se possuía, esses direitos, esses repousavam sobre uma parcela menor do que aquela obtida por meio do Tratado de Petrópolis.Esse fato, provocou uma aclamação em torno do nome de Rio Branco, e as críticas severas iniciais, se mostraram totalmente injustas e sem lugar.

Durante as negociações, Rio Branco utilizou uma estratégia que buscou isolar diplomaticamente o governo boliviano, pois, na questão do Acre, havia além da própria Bolívia, envolvida na disputa, também o Bolivian Syndicate, entidade constituída por poderosas casas bancárias Norte-americanas e uma empresa de Nova Yorque, a Cary Whitridge, que constituiu sindicatos com firmas de Londres. O governo boliviano, por meio de um contrato, havia arrendado as terras do Acre ao Bolivian Syndicate. E também, o governo peruano tinha pretensões territoriais na disputa.

Ao Bolivian Syndicate, Rio Branco prometeu indenização de 110.000.000 mil libras esterlinas, ao governo do Peru, asseguraram-no o respeito de seus direitos sobre o território do Acre, em disputa, aos brasileiros acreanos, a liberdade de se no caso o Brasil vencesse a disputa, o território pudesse a vir se integrar à federação brasileira.

Em linhas gerais, essas foram às condições do ambiente em que foram levadas adiante, as negociações que culminaram na assinatura do Tratado de Petrópolis em 1903. Cujos termos, ainda estão em vigor atualmente. Mas esse documento, só pôs fim à disputa com a Bolívia. Pois, com o governo do Peru, a questão só iria se encerrar seis anos depois, com o Tratado de 1909.

O porquê, de a questão do Acre, ainda permanecer pendente com o Peru, após Petrópolis 1903, se explica pelo fato de o governo brasileiro ter garantido ao governo peruano, respeito e garantias territoriais com relação a disputa no Acre, para que esse governo pudesse estar ao lado do Brasil, quando das negociações com a Bolívia, que culminaram com a assinatura do referido tratado acima descrito.

Quando esse tratado foi assinado, o governo peruano quis então reivindicar seus direitos, já que o Brasil, por meio de seus negociadores diplomáticos (neste caso o Barão do Rio Branco), havia dado garantias neste sentido.

De acordo com CARVALHO, 1998, p.228, Cassiano Ricardo, descreve a situação que se apresentava a nossa diplomacia ao ser concluído o Tratado de Petrópolis, com a Bolívia: o Peru se julgava com direito ao Acre e a uma área Amazônica; seu governo havia tentado tomar parte nas negociações com a Bolívia para uma solução tríplice da questão acreana.

E ainda diz Cassiano Ricardo: o que o Barão do Rio Branco não permitiu; existia uma questão boliviano-peruana submetida ao arbitramento da Argentina e relativa ao território acreano.

O Peru se havia unido ao Brasil para fazer causa comum no caso do sindicato de Aramayo; por fim, o governo brasileiro, em virtude do artigo VIII do tratado com a Bolívia (Tratado de Petrópolis), tinha chamado a si toda responsabilidade de qualquer modificação territorial. Os peruanos sentiam-se feridos com o tratado de 1903. "Tínhamos comprado uma briga, na opinião do derrotismo", concluiu Cassiano Ricardo.

Com relação à resolução definitiva da questão do Acre com o governo peruano, se dá a partir da assinatura de um acordo em modus vivendi em julho de 1904, a partir desse momento, foram feitos trabalhos destinados a esclarecer as partes (Brasil e Peru), a respeito das realidades geográficas da região acreana.

E a 8 de setembro de 1909 era assinado no Rio de Janeiro entre o Barão do Rio Branco e Hernán Velarde, o tratado que completou a destinação das fronteiras (artigo I ); estabeleceu os princípios gerais sobre comércio e navegação na bacia amazônica (artigos II, III, IV e VIII ) se referiam à comissão mista incumbida das demarcações. Na linha limítrofe foram fixados ulteriormente 86 marcos nos 1.565 quilômetros de fronteira que existem entre o Brasil e o Peru.

Vemos que, a atuação de Rio Branco é muito relevante para a nossa configuração territorial verificada atualmente, posto que, sempre é oportuno fazer referência a sua pessoa. E tanto mais, ao seu trabalho relacionado às nossas fronteiras. Que são geográficas, mas que possuem uma repercussão histórica sobre a ocupação social do espaço. Repercussão essa, sentida e vivenciada pela geração presente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CARVALHO, D. C. de. História Diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira: edição Fac-Similar. Senado Federal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998.


Autor: Luciano Rodrigues Campos


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