Pedofilia: fator histórico



Buscando o conhecimento acerca do assunto pedofilia no que tange sua evolução, sua introdução no mundo virtual, o desenvolvimento da sociedade e do direito, necessário se fez estudar sua origem histórica, onde se constatou nos relatos históricos que em diversas culturas os atos pederastas eram aceitos e até cultuados, sendo uma honra para um jovem ser iniciado sexualmente por um homem mais velho, geralmente seu pai ou mestre.

O assunto voltou à tona no final do século XX, quando o cantor norte americano Michael Jackson, disse "gostar muito de crianças, e até dormir com elas" deduziram os jornalistas, pela fama do astro do rock e sensacionalismo em potencial, que tal envolvimento era pouco ético, trazendo à tona tudo o que a sociedade por anos tentava esconder e manter oculto à grande parte da população.

Com o desenvolvimento da tecnologia, com os avanços da sociedade surgiu a Internet, que se tornou o principal meio de aliciamento, divulgação e propagação dos atos de pedofilia, não havendo ainda leis para combatê-la no mundo virtual com a mesma velocidade em que se propagam os atos pedófilos na grande rede.

Para melhor entender esta evolução, basta notar que, os crimes virtuais de pedofilia já estão na sua terceira geração, e a legislação brasileira atual só consegue punir dos crimes tidos como de primeira geração, cabendo ainda aos legisladores suprir esta lacuna da lei.

Encontrou-se em diversos relatos históricos de diversas culturas antigas as quais apresentam como normal o relacionamento sexual com infantes, e entre pessoas do mesmo sexo, inclusive com tolerância a esta prática.

Na Grécia Antiga, estas relações eram interligadas a cerimônias de iniciação sexual, magia, crença e medicina, onde a prática sexual entre uma pessoa mais velha e um jovem, era encarada de forma natural pela sociedade, sendo que a maioria dos casos ocorria entre pessoas do mesmo sexo, cuja incidência predominava entre os homens.

Funcionava como uma troca de favores pessoais, uma iniciação do jovem à fase adulta. Também foi entre os gregos que o vocabulário EFEBO teve origem, servindo para designar o jovem de sexo masculino que era iniciado sexualmente por um homem mais velho.

Na Idade Média iniciou-se, um intenso combate à sodomia1 que, entre suas variações, incluía a prática sexual com crianças e foi veementemente reprimida em toda Europa, as práticas não eram novas, porém a visão que a sociedade tinha delas havia mudado.

Desde então, esta prática silenciou-se ao mundo, fazendo que o assunto ficasse às escuras até o inicio do século XX.

Ao abusar sexualmente ou estuprar uma criança, menor de 14 anos, a pessoa mesmo pedófila não comete o "crime de pedofilia", uma vez que este crime não existe em nosso ordenamento jurídico, mas pratica os crimes de atentado violento ao pudor e estupro. No primeiro caso há, por exemplo, o contato do pênis com a mão da criança, da vagina, dos seios e do ânus, ou o contato erótico destes órgãos com as mãos do adulto; no estupro, ocorre a introdução do pênis na vagina da criança, mediante violência ou grave ameaça.

Registre-se que há cometimentos desses crimes por pessoas que não são clinicamente pedófilas. Praticam essa barbaridade por outros motivos, valendo-se da fraqueza física da criança, agem por pura maldade. E não é sem razão que pesquisas têm mostrado que são crimes que mais provocam comoção da população, por sua natureza hedionda, e praticada por pessoas próximas da vítima, inclusive, seus parentes.

O Código Penal, nos artigos 213, 217, 218, 227, 228, 233 e 234, bem como o (Estatuto da Criança e do Adolescente), ECA, nos artigos 232, 241, 242 e 243, falam de crimes de que podem ser vítimas as crianças, mas em momento algum trazem os eventuais autores como pedófilos.

O direito penal passou por mudanças significativas vendo-se incumbido de acompanhar as mudanças da sociedade, desde os primórdios até os tempos contemporâneos, criando abolindo leis e inovando nos seus institutos.

Hoje a sociedade vive na era digital, acabando com óbices antes intransponíveis, como tempo e lugar.

Sobre este tema disserta Eduardo Valadares de Brito:

A Internet apresenta-se como a maior ferramenta de comunicação e revolução tecnológica desse milênio. O homem nunca fora tão longe em tão pouco tempo. A comunicação entre pessoas se dá instantaneamente, onde quer que esteja qualquer uma delas. Não importa se ela está no Japão ou Canadá. Conectado na Internet, o indivíduo não terá dificuldade na comunicação com qualquer outra pessoa no globo, que também esteja conectado na rede. (Valadares,2009).

A internet permitiu e permite ilimitados avanços nas relações de todos os gêneros, como já observado por Liliana Minardi Paesani:

A Internet foi programada para funcionar e distribuir informações de forma ilimitada. Em contrapartida, as autoridades judiciárias estão presas às normas e instituições do estado, portanto, a uma nação e a um território limitado[...].No entanto, a rede é dotada de características absolutamente próprias e conflitantes: ao mesmo tempo que se tornou um espaço livre, sem controle, sem limites geográficos e políticos, e, portanto, insubordinado a qualquer poder[...]. (MINARDI,2009, p.36).

É público e notório que a internet, diante do seu caráter prático, seja, para comunicar negócios ou qualquer outro fim, tornou-se ferramenta indispensável ao ser humano, que recorre ao mundo virtual, tanto para mandar simples mensagens, quanto para comprar carros, casa, fechar negócios.

Portanto, é nítido que a internet e o Direito Penal, e não só este, estão intimamente ligados, sendo fundamental que o Direito Penal não se omita fronte a esta realidade.

Os novos atos lesivos cometidos pelo mundo virtual devem ser efetivamente punidos, e evitados.

A legislação dos países modernos é bem rígida quando se trata de punir a produção e distribuição de fotografias indecentes, que envolvam cenas de sexo com crianças. Então, essa "legislação de primeira geração", digamos assim, está apta a oferecer resposta punitiva a uma primeira categoria de pornografia infantil: a que se realiza com a produção ou distribuição de material proveniente de abuso sexual a crianças reais.

É o caso da legislação brasileira, pois o art. 241 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), na redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.764/03, pune quem "apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente", quem fotografar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, está sujeito às penalidades da legislação criminal brasileira. (Filho,2007).

Em novembro de 2003, a abrangência da lei aumentou para incluir também a divulgação de links para endereços contendo pornografia infantil como crime de igual gravidade. O Ministério Público do país mantém parceria com a ONG SaferNet que recebe denuncias de crimes contra os Direitos Humanos na Internet e mantém o sítio SaferNet, que visa a denúncia anônima de casos suspeitos de pedofilia virtual.

Como se constata não existe um crime intitulado "pedofilia" na legislação brasileira. As consequências do comportamento de um pedófilo é que podem ser consideradas crime. Constata-se que os crimes mais cometidos por pedófilos são:

Atentado violento ao pudor, Prática de atos libidinosos cometidos mediante violência ou grave ameaça. São considerados atos libidinosos aqueles que impliquem em contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios, com o ânus, ou a manipulação erótica destes órgãos com a mão ou dedo. Também atos que impliquem na introdução do pênis no ânus, no contato do pênis com o seio ou na masturbação mútua. Estupro Constranger criança ou adolescente à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça. Pornografia Infantil Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias, imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças e pré-adolescentes. Atenção: Só existe pedofilia quando esses crimes forem praticados contra menores de 14 anos.

Em 1989, adotada pela ONU2, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 19, expressamente obriga aos estados a adoção de medidas que protejam a infância e a adolescência do abuso, da ameaça ou da lesão à sua integridade sexual.

A legislação brasileira não estabelece tipificação específica atinente ao termo "pedofilia". Todavia, o contato sexual entre adultos e crianças pré-púberes ou não se enquadra juridicamente em tipos penais tais como o estupro3 e o atentado violento ao pudor4.

Há, ainda, o tipo previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente5, que traz texto misto ou de conteúdo variado, ao estabelecer como crime a conduta de quem apresenta, produz, vende, fornece, divulga ou publica, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores (internet), fotografias ou imagens com pornografia6 ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes.

Em verdade, a preocupação para com a proteção das pessoas menores de idade já veio consagrada na Constituição Federal brasileira em seu art. 227, onde consta que é dever não só do Estado, mas também da família e da sociedade, garantir meios ao desenvolvimento salutar da criança e do adolescente7. No seu parágrafo 4º, ainda, aquele dispositivo constitucional concede mais do que simples gênese ou escoro, mas imperativo inevitável à repressão de abusos envolvendo a temática em epígrafe por meio do estabelecimento de normas repressoras8. Se bem procurarmos, decerto, outros tipos relacionados ao tópico do assunto especial tratado neste redigido insurgirão, como bem ocorre com as previsões contidas nos arts. 240 e 244, A, do ECA9. Não obstante, o que se pretendeu neste ponto foi a exposição de que a legislação brasileira, sem gris algum, estabelece múltiplas hipóteses de enquadramento legal daquelas pessoas que incidem em atos desvaliosos consistentes no abuso sexual de menores, a despeito de não conter qualquer tipo específico relativo ao termo "pedofilia".

Nesse sentido, como antes se viu, é de fato errônea a utilização deste termo clínico de forma generalizada para com os autores de crimes sexuais praticados em desfavor de seres humanos de pouca idade, porquanto o pedófilo nem sempre é criminoso, pois pode nutrir fantasias sexuais envolvendo menores sem efetivá-las, bem como o sujeito ativo dos tipos exemplificados neste capítulo pode nunca haver tido atração "primária" por infantes, mas pode haver consumado crimes sexuais contra meninos ou contra meninas por motivos outros tais como estresse, problemas no casamento, ou, o que é mais comum, pela carência de um parceiro adulto.

Por fim, em torno do tema ainda há interessantíssimas questões processuais pontuais que abrilhantariam ainda mais a temática, como a discussão atinente à necessidade, ou não, de condição de procedibilidade naquelas hipóteses de violência presumida onde o ato teve o consentimento do sujeito passivo10. Não obstante, frise-se, o que se propôs nesta exposição foi apenas nortear o leitor a obter uma visão panorâmica acerca do real significado do termo pedofilia, as principais previsões legais referentes ao tema envolvendo a exploração sexual de menores e, como se verá adiante, as indesejadas dificuldades probatórias concernentes às atividades da Polícia Judiciária na busca pela comprovação da autoria e da materialidade destes ilícitos.

Mesmo com todas as alterações realizadas nos códigos brasileiros, ainda não é possível se punir os crimes de segunda e terceira geração de pedofilia no Brasil, pois os mesmos não se enquadram nos termos previstos nos códigos atuais.

1 S.f. Pederastia, cópula anal (ANGHER, Anne Joyce (org.).Dicionário Eletrônico Rideel. 4 ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007).

2 A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente a 24 de Outubro de 1945 em São Francisco,Califórnia por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira Assembléia Geral celebrou-se a 10 de Janeiro de 1946 (em Westminster Central Hall, localizada em Londres). A sua sede atual encontra-se na cidade de Nova Iorque.

3 Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Parágrafo único.(Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996) Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

4 12 Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal :

Parágrafo único. (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996

Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

Obs.: perceba-se que o termo "alguém" abrange tanto o homem como a mulher no polo passivo do crime e, logicamente, tanto meninos como meninas. Vide, também, Lei nº 8.072, de 25.7.90, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

5 13 Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

6 A definição exata de pornografia  e por extensão de pornografia infantil  é controversa, englobando geralmente filmes ou fotografias com cenas de sexo explícito e, ainda, dependendo do caso, algumas formas de nudez com conotação intencionalmente erótica

7 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

8 CF, art. 227, § 4º: A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

9 Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória: (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000)

Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.

10 Um exemplo dessa instigante palpitância é o fato de que o consentimento da vítima menor de quatorze anos e sua experiência sexual anterior não descaracterizariam a presunção de violência no crime de estupro (CP, art. 213 c/c art. 224, a), conforme entendimento firmado em Plenário no julgamento do HC 74.983-RS (DJU de 29.8.97, v. Informativo 77).

Habeas corpus que foi indeferido, vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a ordem, ao fundamento de que a presunção de violência é relativa. Precedentes citados: HC 74.700-PR (DJU de 9.5.97); RE 108.267-PR (RTJ 130/802); HC 74.286-SC (DJU de 4.4.97); HC 74.580-SP (DJU de 7.0.97); HC 69.084-RJ (RTJ 141/203) e HC 74.983-RS (DJU de 29.08.97). HC 76.246-MG, Min. Carlos Velloso, 13.02.98.


Autor: Marcelo Zaranski


Artigos Relacionados


Pedofilia: AÇÕes Contra Um Ato Silencioso.

Pedofilia: Crime E Castigo

Pedofilia E PedÓfilos

Do Estupro E A Revogação Do Artigo Sobre O Atentado Violento Ao Pudor

AnÁlise Da Pedofilia Na Internet Sob O Aspecto Da LegislaÇÃo Brasileira

Pedofilia E A Internet Uma Combinação Perigosa

Pedofilia X Pornografia Infantil: Noções Gerais