Etanol Da Cana-de-açucar: Uma Reflexão A Cerca Da Questão Energética



18 de Abril de 2007.

Luciano Rodrigues Campos.

Bem, de início, a primeira vista parece ser o titulo deste artigo, um tanto quanto exótico; esta será a impressão de muitas pessoas, quando num primeiro momento realizarem a leitura deste título, que procura estabelecer uma breve simetria entre assuntos tão temporalmente diversos. Mas que, ao mesmo tempo, parecem estar contemporâneas entre si.

Talvez esteja aí, um dos grandes méritos da democracia, o da liberdade de expressão, podemos falar patavinas, e também, às escrever, que nem por isso, haverá uma condenação ou perseguição política por esta razão. E com esse culto, que se verifica hoje em dia em relação a pansofia, parece que todas as pessoas possuem autoridade para falar sobre tudo; bem, seja boa ou ruim, essa parece ser uma característica de nosso tempo. Um tempo de muito conteúdo, e também, de muita patavina.

Mas, retomando o objetivo deste texto, que é o de estar discutindo o oportuno debate em torno da questão do uso de fontes de energia menos agressiva ao meio ambiente, posto que, esta havendo inclusive um encontro na Venezuela a respeito desse assunto, onde os representantes de Governo principalmente Sul-americanos discutem entre outras fontes de energia, o "eldorado energético" advindo da cana-de-açúcar, levado ao encontro pelo nosso Presidente atual Luiz Inácio Lula da Silva.

A reflexão que proponho neste texto, é que devemos analisar melhor a proposta que estabelece como a salvação da lavoura, o uso em larga escala do etanol proveniente da cana-de-açúcar, como pressuposto para se combater com eficiência o problema da poluição atmosférica causada pelo uso dos combustíveis fosseis. Também, por em aberto, uma discussão a respeito da relação que o Presidente Norte-americano atual, George Walker Bush, possui com respeito a esse assunto, o do etanol e seu uso em larga escala. Daí a menção a Doutrina de Monroe, em caráter de analogia e reflexão.

Assim sendo, vamos a primeira análise, fazer alguns comentários a respeito da referida doutrina descrita aqui, suas origens e seu alcance, para posteriormente fazer uma reflexão sobre o que ocorre hoje em termos de fontes de energia. De acordo com CARVALHO, 1998, p.282, a Doutrina de Monroe, na opinião de Graham Stuart, parece ter para o cidadão americano a mesma importância que a Declaração da Independência e a Constituição; o que não impede, aliás, que a sua significação seja um tanto imprecisa.

Em poucas palavras, poder-se-ia dizer que a famosa doutrina significa que cabe aos Estados Unidos se interessar mais especialmente pelo Continente Americano e não ver com indiferença o interesse que outros países, da Europa especialmente, possam manifestar por aquele continente. O conceito é tão difícil de definir que, com mais de um século de existência, nunca foi analisado de modo idêntico por dois estadistas americanos. Embora todos eles se achem na obrigação de dar a sua interpretação CARVALHO, 1998, p.282.

A doutrina descrita aqui, vem a surgir com o Presidente dos Estados Unidos James Monroe, em mensagem de 2 de dezembro de 1823. E o seu nascimento, e por conseqüência um posicionamento do Governo Americano em relação as então nascestes Nações Latino-americanas, se deu em função exatamente porque por essa época, os Estados Unidos ainda procurava manter uma neutralidade em relação ao restante do Continente Americano.

Mas que, em razão dos países Latino-americanos naquele período estarem consumando sua independência política, e ao mesmo tempo havia uma tentativa das potências européias no sentido de recolonização; essa neutralidade estadunidense em relação aos países do Continente Americano foi deixada de lado pelo Presidente Monroe.

CARVALHO, 1998, p.283, diz que quanto à sua aceitação pelas Repúblicas da América Latina, encontram-se as mais variadas opiniões a seu respeito. Alguns Julgam que foi de grande auxílio aos nossos Estados em formação, ainda fracos para se defender contra tentativas européias de recolonização. Segundo Carvalho, o jurista chileno Alejandro Alvarez chegou a julgá-la mais útil do que o artigo X da Liga das Nações, pelo fato de poder contar com forças armadas para fazê-la respeitar.

Mas, os adversários da doutrina são talvez mais numerosos. Eduardo Prado, na sua Ilusão Americana, atribui à "ingenuidade Sul-americana" a crença de ser ela um compromisso formal, solene e definitivo de aliança, "tão sensata" diz ele, "como a do pote de ferro com o pote de barro". O argentino Moreno Quintana escrevia: "a doutrina é perigosa porque é imperialismo Norte-americano disfarçado em princípio de direito internacional". (citado por Graham Stuart).CARVALHO, 1998, p.283.

A Doutrina de Monroe nos dá a impressão de um instrumento de música cujas cordas desprendem árias diferentes, segundo a inspiração de quem as tange. Resta, a saber, se o que para uns foi uma salvação e, para outros, uma ameaça, tem sido apenas uma norma de defesa dos interesses Norte-americanos ou um princípio político ditado pela situação do momento. Efetivamente, as circunstâncias em que elabora a mensagem de 2 de dezembro de 1823, explicam a sua oportunidade.

A interpretação da Doutrina - dois princípios estavam, pois formulados em 1823: o da não-intervenção em questões européias e o do não-restabelecimento de colônias européias nas Américas. "Se a doutrina americana formulada pelo Presidente Monroe tivesse ficado restrita a estes dois conceitos fundamentais talvez hoje seria esta política unanimemente aceita por base da verdadeira política pan-americana".

Entretanto, a doutrina emitida por Monroe era apenas uma tentativa de enfrentar a situação por uma política cujo objetivo era a segurança dos Estados Unidos. Contradizia dois princípios de direito internacionais geralmente adotados na época: o direito de intervenção e o direito de tomar possessão de território não ocupado.(GRAHAM, H. STUART-Latin América and the united States, p.59). Citado por CARVALHO, 1998, p.287.

O que leva a crer que a Doutrina de Monroe foi uma declaração política de emergência, é que segundo novas situações se apresentavam e surgiam oportunidades diferentes, ela precisava de interpretações por parte de estadistas de responsabilidade no momento. Alguns como Henry Clay ficaram nos limites traçados por Monroe; ou como Polk associavam-na ao "destino manifesto" da nação americana.

Um deles, o Presidente Johnson, felizmente em vésperas de deixar o poder, abandonou-se a mais assustadora improvisação: "uma política nacional compreensiva, dizia ele em sua última mensagem (1868), parece sancionar a aquisição e a incorporação na nossa União Federal das diferentes comunidades continentais e insulares adjacentes, do Continente Americano, o mais rapidamente possível, pacificamente, legalmente, sem violação da justiça nacional, da fé e da honra... de nenhum pais americano".

Evoluíram com o passar do tempo, as interpretações da referida doutrina, subseqüentes desde o "Big Stick" grande porrete, do primeiro Roosevelt (Theodore Roosevelt), até a "Boa Vizinhança" do segundo, Franklin Delano Roosevelt, passando pela "Diplomacia do Dólar" de Taft, pelo "Paternalismo" de Wilson (Woodrow Wilson), e o "Irmão mais velho" de Coolidge. É por meio das circunstâncias em que se deram as intervenções sucessivas dos Estados Unidos na política americana (na política dos demais países Latino-americanas), que se concretiza melhor a evolução do conceito da famosa doutrina, CARVALHO, 1998, p.288.

Inicialmente, quis eu neste texto, que pretende abordar a atual questão do etanol proveniente da cana-de-açúcar; fazer uma retrospectiva por alto a respeito da Doutrina de Monroe, porque, penso que a recente visita do atual Presidente estadunidense ao Brasil, George Walker Bush, esta intimamente ligada com antigos conceitos dessa doutrina.

Conceitos esses, que a primeira vista, para o olhar do público leigo, soa a cooperação estreita dos Estados Unidos, para com os demais países do continente, mas que, para o conhecedor mínimo de política pan-americana, sabe que, as intenções Norte-americanas com relação à América Latina em especial, são de manutenção da região num quadro de dependência. Essa dependência, que historicamente se concretizou principalmente no setor econômico, por causa em parte da colonização criminosa que a América Espanhola e Portuguesa foram vítimas, pode nos dias atuais, se estender a outros setores.

Por outro lado à retirada crescente da mata nativa, principalmente nas áreas de Cerrado, pode levar, com o passar do tempo, ao esgotamento do solo disponível para o cultivo da cana-de-açúcar. Como também, ao esgotamento a longo prazo das áreas (territoriais), para esse cultivo. E no caso de essa hipótese se confirmar, o custo econômico para o resgate dessas áreas degradadas, tanto do solo, como do reflorestamento, com espécies nativas, é demasiado elevado, para a população como um todo. E também, é interessante apontar que os lucros advindos da atividade da cultura canavieira são em essência privados, e com alcance coletivo limitado aos impostos recolhidos pelas usinas.

Sem contar que, uma atividade no sentido da recuperação de áreas exauridas, exige emprego de conhecimento e tecnologia cientifica que também possui seu custo, e os retornos são em certa medida, incertos; exatamente porque em si tratando da questão ambiental, deve-se levar em conta, inúmeras variáveis. Que às vezes, foge a previsibilidade da ciência, pois, existe fator ambiental local e extralocais, a serem levados em consideração.

Por exemplo, em um trabalho de reflorestamento de áreas antes utilizadas como pastagens ou lavouras extensas, interfere diretamente no resultado, a atuação mais, ou menos intensa, de populações de insetos polinizadores, que geralmente encontram-se afastados dessas áreas, digo, os insetos que são integrados a dinâmica da floresta nativa. A microbiologia do solo, que por causa do uso prolongado de química corretiva nesses locais, encontra-se profundamente alterada. E também, pode ser fator que vem a dificultar o processo de desenvolvimento de algumas espécies nativas do Cerrado. Porque, geralmente o solo utilizado nas culturas comerciais, são preparados para plantas de ciclo curto e dessa forma, contém certa quantidade de nutrientes, a serem utilizados em curto prazo. Fato que não serve as espécies nativas do Cerrado em sua maioria, pois, são de desenvolvimento lento (ciclo longo), e nesse sentido, é de bom grado que se tenha um solo adaptado as suas condições.

Ta bom leitor, vamos novamente nos ater a proposta inicial do texto, que é a da discussão em torno do etanol da cana-de-açúcar, com respeito a este assunto, existe logicamente pontos positivos já que se compararmos com a principal fonte energética atual, o petróleo constitui o etanol da cana-de-açúcar, um combustível bem menos poluente.

Porém, as analises correntes atualmente, dizem que são necessárias cada vez mais, novas áreas para o cultivo da cana-de-açúcar, que para se obter uma produtividade razoável, tem de ser cultivada em áreas extensas; quando comparamos, por exemplo, com o uso de outras espécies para a produção de biodiesel. Há espécies como a do Pinhão Manso (nome popular), que é possível, se obter uma produtividade elevada de óleo vegetal apropriado ao biodiesel. E que não necessariamente, necessita de extensas áreas físicas para seu cultivo. Já foi demonstrado inclusive que essa espécie permite com o seu cultivo, uma produtividade mais elevada que a obtida com o uso do Girassol ou a Mamona para o mesmo fim.

E ao contrario da cana-de-açúcar, trata-se de uma espécie bem melhor adaptada às condições do Cerrado, por ser a cana-de-açúcar, uma espécie exótica ao Cerrado; sendo ela, introduzida pelos colonizadores portugueses.

A propósito da situação atual em torno do etanol proveniente da cana-de-açúcar, a mesma euforia, foi observada durante o período que o petróleo surgiu e começou a ser usado como combustível com fins diversos, em fins do século XIX e começo do século XX. Guardando-se as devidas proporções; com o passar do tempo, pode-se observar que se tratava de uma fonte de energia extremamente poluente. Essa preocupação, já manifestava o químico Sueco Svant August Arhenius no final do século XIX.

Lógico que o momento atual é outro, e que o álcool combustível, em termos ambientais é bem mais apropriado, mas talvez, o ponto ruim seja todo o custo ambiental envolvido na sua obtenção. Desde o plantio até a bomba de combustível. Se esse texto possui caráter reflexivo; proponho pensarmos, se no saldo final da cadeia produtiva do etanol como combustível, o fato de ser ele um combustível limpo é tão compensador assim! Haja vista, o custo ambiental envolvido na sua obtenção.

Existe o fato também, de a produção da cana-de-açúcar, estar praticamente sob o domínio de grandes Usinas, posto que, se existem pequenas e médias Usinas fazendo a transformação da cana, é minoria, isso colabora para que somente produtores que tenham um razoável pedaço de terras (propriedade relativamente extensa), venham a despertar o interesse dessas Usinas sucroalcooleiras; transitando por algumas partes do Estado (Goiás), o que vemos são extensas plantações de cana-de-açúcar, portanto, em uma média geral, o pequeno e médio produtores não se encontram bem integrados nesta cadeia produtiva da cana-de-açúcar.

Dessa forma, esta cadeia produtiva, ganha concretamente status de Plantations, grande monocultura da época do Brasil Colônia, ainda mais que, tanto o açúcar como o álcool, são comodites internacionais. Contribuindo sobre maneira, para que um processo ainda maior de concentração da terra. Haja vista que, o grande produtor capitalizado pelo mercado da cana, tende a adquirir e concentrar por meio da compra, as pequenas propriedades em seu redor. Também, com o passar do tempo, as Usinas de Álcool e Açúcar, tendem a adquirir essas terras dos grandes produtores rurais, já que o arrendamento, das mesmas representa despesas correntes, para elas.

Ao contrario, se pensarmos, por exemplo, no cultivo de espécies como a Mamona, O Pinhão Manso, o Girassol, e outras oleaginosas apropriadas, para a produção de biodiesel, a oportunidade da diversificação, poderá integrar um número maior de pequenos e médios produtores na cadeia produtiva desse novo combustível. Já que essas espécies possuem uma boa produtividade, sem necessitar de grandes extensões de terras.

A proposta em torno do biodiesel advindo das oleaginosas parece ser tanto mais sensata ambientalmente, já que é bem menos provável que essas culturas venham a se transformar em verdadeiras e grandes monoculturas já que o óleo vegetal pode ser obtido por meio de uma variedade maior de espécies. Pode-se também, haver a integração de um número maior de pequenos e médios produtores na cadeia produtiva relacionada a ele.

Mas como se sabe, os interesses envolvidos no setor energético são muitos e variados, e a passagem de uma matriz energética à outra, não é algo que se faz da noite para o dia, apesar de que se sabe, que sendo o petróleo fóssil, resultado da decomposição de meteria orgânica animal e vegetal, e que só se encontra nas regiões de terrenos sedimentares, especialmente os da Era Cenozóica (a mais recente das eras geológicas, tendo iniciado a cerca de 70 milhões de anos atrás), têm-se suas limitações, inclusive o seu esgotamento.

Entretanto, não se pode datar precisamente quando isso irá ocorrer, existe apenas estimativa. Mas o caminho está aí, diante de nós, o futuro certamente será percorrido com combustíveis mais adequados ambientalmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RAFFESTIN, C. Geopolitique et Geohistoire. Dyon: Histoire Payot, 1995.


Autor: Luciano Rodrigues Campos


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