A Paisagem Vista De Dentro: Um Olhar Das Populações Locais Sobre O Cerrado Goiano



03/11/2007.

Desde há muito, já é sabido a respeito da existência longínqua do bioma cerrado, pois, é considerado um dos mais antigos ecossistemas sobre a superfície terrestre. Mas, que no Brasil, adquire status de segundo meio natural em importância, muitas vezes, em vários momentos quando o mesmo é comparado à Floresta Amazônica.

Entretanto, a paisagem do Cerrado, recentemente vislumbrada pelas análises e pesquisas mais atuais, relacionam-no a um quadro de grandes riquezas naturais, fato que cada vez mais, contribui para a atração de grandes projetos de desenvolvimento em sua área de domínio, na região central do Brasil, e também, nas regiões de Goiás.

Todos os que se iniciam nas Ciências da Natureza (aquelas intimamente ligadas ao estudo do meio ambiente), mais cedo ou mais tarde, por um caminho ou por outro, atingem a idéia de que a paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança dos processos fisiográficos e biológicos como também patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação das suas comunidades, conforme destaca AB' SABER, 2003.

Os recursos naturais, dispostos na paisagem do Cerrado em Goiás, foram a todo o momento e ao longo do tempo e da história, em quantidade limitada, dessa forma, ainda que a crescente pressão demográfica (antrópica) sobre as bases desses recursos seja importante, a presença da intensa ocupação humana na atualidade, não justifica por si só, o atual debate bastante corrente, a respeito da escassez desses recursos. Já que, mesmo antes do atual grau de ocupação demográfica, tinha-se o consenso sobre a limitação dos recursos naturais no Cerrado, especialmente no espaço goiano.

Sendo assim, desde uma análise político-histórica, de cunho cientifico, demonstra que Goiás apresentou nuanças especiais no seu processo de integração ao ritmo de desenvolvimento brasileiro. Bem como no seu processo de integração e desenvolvimento internos, em razão de particularidades de seu território, como, tamanho de sua área de abrangência[1] baixa acumulação de capitais resultantes da atividade mineradora, forte presença do indígena e precariedade de recursos públicos, tanto historicamente como nos dias atuais.

Portanto, o objetivo desse breve ensaio, é refletir a respeito do atual estágio de desenvolvimento e integração regional em Goiás, estabelecendo como ponto importante para essa reflexão, as populações locais compreendidas no espaço goiano.

Outrossim, para tanto recorrendo ao conceito de paisagem levantado por AB' SABER, 2003; bem como a questões de relevância política, histórica e social relacionadas ao processo de ocupação humana e de desenvolvimento regional em Goiás, suscitadas por TEIXEIRA NETO, 2002, o texto do presente ensaio, pretende discorrer sobre essas questões, considerando a presença das populações locais do Cerrado goiano, como elemento importante na compreensão do atual estágio de ocupação e desenvolvimento das regiões goianas.

Acima de tudo, hoje, as populações locais do Cerrado no domínio do espaço goiano, percebem a relevância das medidas e ações tanto governamentais como privadas, amadurecidas no seio das discussões locais.

Dessa forma, elas serão cada vez mais responsáveis pelos resultados práticos advindos dessas ações[2] que as afetam diretamente. Mesmo que apesar de as decisões tomadas diante de um cenário participativo, venham a apresentar resultados mais lentamente.

Neste sentido, o debate que se impõe atualmente, é principalmente aquele que advoga o conceito de participação social nas tomadas de decisões. Apesar de já ter havido em várias oportunidades, a exclusão da sociedade brasileira e goiana em abordagens e discussões de projetos de desenvolvimento que ao longo do tempo foram implantados nos respectivos territórios, em razão de períodos autoritários.

Alude-se, por exemplo, ao fato de a Região Centro-Oeste, ser considerada uma região criada artificialmente para servir a um interesse de Estado; por meio do planejamento estratégico estatal, para posterior ocupação de seu território. Como também, a divisão em 1977, do território de Mato Grosso, pode ser entendido como um momento de exclusão da população local da região central do Brasil, nos processos de tomada de decisão.

Neste momento, as oportunidades de participação popular encontravam-se ainda mais restritas que atualmente. Mas, nos dias de hoje, começo de século XXI, os níveis de politização e consciência participativa das populações que habitam o Cerrado goiano, estão claramente melhor desenvolvidos, em razão de maior nível educacional.

Considerando o quadro social, político e ambiental verificados atualmente, retomemos o conceito inicial de paisagem, colocado como um dos pontos de abordagem do texto esta entendida aqui, não somente como resultado das transformações geofísicas e também, da evolução do quadro natural do bioma; essas noções, geralmente, muito ligadas ao sensu comum, relacionado à paisagem.

Pretende-se abordar paisagem aqui, como sendo resultado da produção social de um determinado grupo humano, coabitando em uma localidade. De acordo com MAIA, 2001, p. 87, esse entendimento a respeito de paisagem, encontra fundamento em Carl Sauer, que considera a Geografia um estudo da diferenciação de áreas ou corologia. Para esse autor, área, região e paisagem são palavras equivalentes.

Optando por esta última por entender que esse termo não é ambíguo como área, nem possui fortes conotações com o determinismo ambiental como região, muito associada à idéia de região natural. Ainda salienta MAIA, p. 88, que há, portanto, em Sauer, a preocupação com o conhecimento sobre a diversidade da ação humana.

Onde Sauer, fundamenta suas considerações sobre paisagem, entre outros, na noção de cultura de Kroeber, que a considera um fenômeno que se origina, difunde-se e evolui no tempo e no espaço, sendo compreensível no tempo, porém traçada no espaço onde se localiza.

Abarcando, na análise das regiões goianas, os conceitos e aspectos a dispeito de paisagem já descritos, impõem-se como evidente, a forte influência que aquela (paisagem), exerce sobre as populações locais nela inserida, e também, o papel fundamental, que estas desempenham nas transformações e alterações, in lócus, das regiões.

Neste sentido, o que se observa hoje nas regiões de Goiás, pode ser compreendido, como resultado de um processo desordenado de ocupação humana (o planejamento para ocupação territorial do Brasil Colônia, não previa a ocupação homogênea e ordenada do território mais ao interior do Brasil). É importante ressaltar também, que essa ocupação humana no caso de Goiás, foi possibilitada por uma dada estrutura social, via de regra, bastante desigual, e também por uma infra-estrutura colocada à disposição da população[3]. Enfim, uma relação de determinantes entre situações, que a primeira vista, alvitres distantes entre si, mas que possuem uma relação de interdependência.

Ainda se referindo aos pontos fundamentais, que contribuíram decisivamente para o povoamento e estruturação das regiões do território goiano, Antônio Teixeira Neto, 2002, menciona que: "a economia da mineração; as fazendas de criação de gado, via de regra, a grande propriedade, e as estradas; sucessivamente alicerçou o modo como está disposta espacialmente a atual estrutura demográfica no espaço compreendido pelo Estado de Goiás". Consequentemente, essa distribuição, possui repercussões sobre o processo de desenvolvimento local goiano.

Esses três pontos (mineração, fazendas de criação de gado e as estradas), inseridos em um contexto que se liga e se inter-relaciona com o cenário brasileiro.

Essa menção e reflexão histórica são importantes para uma tentativa de compreensão da situação atual em Goiás, a partir do momento que se considera que as iniciativas do passado, possa se cristalizar em resultados no presente. Entretanto, é notório que os meios de participação das populações locais do Cerrado, no seu espaço goiano, se elevaram de forma concreta somente em tempos bastante recentes.

Mas, historicamente o Cerrado tem sido ocupado, em razão de ciclos econômicos momentâneos, recordemos bem o que se verificou durante o período chamado economia da mineração[4], muito bem descrita também por Celso Furtado, 1999, grande conhecedor dos períodos ou "surtos desenvolvimento no Brasil". Em pleno século XVIII, quando se intensificou a ocupação populacional das regiões mais ao centro do Brasil, já se notava claramente o caráter pouco planejado das políticas de desenvolvimento encaminhadas à região central do Brasil, como nas demais localidades do território da então colônia portuguesa.

É oportuno analisar também que do ponto de vista da essência dos objetivos, das políticas econômicas aplicadas no desenvolvimento regional do Centro-Oeste brasileiro, esse caráter que cria ilhas de prosperidade e periferias acentuadas, não se modificou muito apesar do tempo perpassado até os dias atuais. Portanto, não se pode pensar mais em um desenvolvimento regional que proporciona o surgimento de uma sociedade extremamente desigual quando observamos a apropriação dos frutos desse desenvolvimento que até então foi gerado.

Partindo desse olhar inicial, vemos que só recentemente as comunidades mais interioranas, em Goiás, passam a ter uma voz mais ativa em torno das decisões das políticas governamentais locais implementadas pelo Estado. Apesar de que ainda seja possível de identificar, nessas mesmas populações locais, certo desinteresse em participar das decisões de políticas públicas direcionadas a elas.

Haja vista que ficaram por longos períodos sob a tutela de um estado paternalista e autoritário. Fato que gerou a despolitização e a desmotivação na participação e deliberação em assuntos coletivos.

No entanto, Nota-se cada vez mais nos municípios goianos, um maior esclarecimento, das comunidades que, com certeza já é fruto de uma participação política e consciência de que, tudo o que se relaciona com as questões ambientais e urbanas, como também o desenvolvimento afeta de forma clara e incisiva a sociedade, positiva ou negativamente.

E sendo assim, não é razoável fazermos uma breve leitura como aqui à pretendida, a respeito da paisagem natural e a sua interação com a urbana, no processo de desenvolvimento nas regiões do Estado de Goiás, sem procedermos a uma reflexão em torno da nossa formação histórica, política e social para possibilitar a síntese do que temos e somos atualmente.

Pois, o passado recente ou distante, possui exatamente ramificações e conseqüências sobre o quadro atual, e dessa forma, uma maneira de as populações locais do Cerrado, especialmente em Goiás, necessitam estarem cada vez mais voltadas a participar das deliberações estatais que as afetam diretamente.

Mesmo com uma atuação relevante das Organizações não-governamentais, nos nossos dias, que no final representam na prática localmente o chamado terceiro setor, não se deve eximir da responsabilidade um dos principais atores da cena da integração regional em Goiás, que e o Estado. Que apesar de toda uma sociedade organizada, permanece como agente que faz transitar na prática a maior parte das questões implementadas na sociedade. Enfim, ele representa o resultado de uma convenção social, que o mantém e também suas estruturas.

Em Goiás, nesse momento, pode-se verificar uma forte tendência no sentido do regionalismo local, cada região assim estabelecida, reivindica para si, um modelo desenvolvimento[5] o mais possível sintonizado com as vocações e as realidades das comunidades locais. A idéia de um Sudoeste rico e prospero e ao mesmo tempo de um Norte goiano com grandes carências, não serve mais para impor políticas de desenvolvimento em que se destacam essas concepções já historicamente enraizadas nessas regiões.

Dessa forma, o modelo de desenvolvimento sobre o qual, as comunidades locais do Cerrado, sobretudo, considerando o espaço de abrangência de Goiás e seu interior, devam buscar no momento presente é aquele que procura atender de pronto as particularidades locais, nos municípios mais ao interior do território. Para tanto, é necessário que se deva incentivar não somente àquelas vocações regionais já consolidadas e conhecidas, estabelecidas pela divisão regional tradicionalista.

Já que essa regionalização tradicional impõe as regiões goianas um desenvolvimento apenas baseado em setores bastante conhecidos, sem haver muita abertura para o incentivo de setores que ainda possuem um potencial razoável de crescimento. Por exemplo, não vemos por parte do planejamento estratégico estatal em Goiás, políticas públicas satisfatórias para ramos de atividades que não sejam tradicionalmente ligados à prática agropecuária, como tecnologia e educação nas regiões mais carentes no Centro-norte do Estado.

Se determinada região possui tendência conhecida ao setor primário, os investimentos e esforços devam abarcar as vias de comunicações rurais (estradas e logística de distribuição), dotando-as de condições de uso pela zona rural; a assistência direta ao produtor se torna tanto mais eficiente, quando realizada através de suporte, podemos aludir ao caso, por exemplo, das condições de plantio que o produtor possui quando do início do mesmo, a idéia de suporte, se preocupará em oferecer insumos, custos e garantia de preços mínimos adequados a uma renda razoável para quem cultiva.

Nas aglomerações urbanas (cidades), a sociedade civil organizada, representada por Universidades, entidades de classe entre outros. Estes Podem desempenhar papel importante na resolução de questões como a habitação, que não sendo devidamente atacada, e resolvida nas localidades interioranas, vão ser motivo juntamente com a questão do emprego, para o crescente fluxo populacional em direção aos centros de decisão principal, tanto em Goiás representada neste caso por Goiânia. Como também este fluxo de saída, em direção ao exterior tende a se avolumar.

Tendo por base, esta última menção que fizemos em relação ao emprego, tem-se que sem dúvida, que este, nos dias atuais se apresenta como uma das grandes problemáticas a serem atacadas tanto em Goiás como no Brasil, sendo assim, faz-se necessário que as decisões de investimentos nos setores rurais e urbanos, comerciais e industriais, sejam deslocados de seus centros tradicionais já conhecidos e se destinem cada vez mais as regiões tradicionalmente mais desprovidas destes. Coincidentemente, essas regiões estão localizadas na porção Centro-norte de Goiás.

Decerto que aqui, foram abordadas apenas uma ínfima parte das questões que se encontram na ordem do dia, das que afetam as populações locais do Cerrado em seu espaço goiano, questões de infra-estrutura, logística na articulação do território, são apresentadas no sentido de apontar que os seus aperfeiçoamentos são de fundamental importância para uma localidade que pretenda alcançar um nível de desenvolvimento e integração ao meio cientifico – informacional que signifique melhoria na qualidade de vida dessas populações.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

MORAIS, R. C. A; COSTA, M. W. da. Geografia Crítica: a valorização do espaço. 3º ed. Hucitec: São Paulo, 1993.

MAIA, S. D. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. Terra Livre – AGB. N° 16. p. 71 – 98 São Paulo, 2001.

AGUIAR, A. A. M. do. Terras de Goiás: estrutura fundiária (1850-1920). Editora UFG: Goiânia, 2003.

ALMEIDA, G. M. de. (org.). Abordagens Geográficas de Goiás: o natural e o social na contemporaneidade. Goiânia, 2002.

AB' SABER, A. Os domínios de natureza no Brasil. Potencialidades paisagísticas. Ateliê Editorial, 2003.

FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 29º ed. Editora Nacional: São Paulo, 1999.




Autor: Luciano Rodrigues Campos


Artigos Relacionados


Pra Lhe Ter...

Eu Jamais Entenderei

Tudo Qua Há De Bom Nessa Vida...

Minha Mãe Como Te Amo

Exemplo

Soneto Ii

Blindness