Até quando rosas e chocolates?
Todos aprendemos na escola, ou na história que nos contam, que "no dia
8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na
cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve.
Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de
trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas
(as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de
salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do
salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e
tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi
reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da
fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram
carbonizadas, num ato totalmente desumano." Em 1910, apenas, durante
uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o dia 8 de março
passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", oficializado em 1975
pela ONU.
Durante todos esses anos, o dia 8 de março não é apenas um motivo de
comemoração. Mais que isso, é uma forma de discutir o papel da mulher
na sociedade atual. No entanto, atualmente costumamos receber nesse dia
uma rosa, junto com um chocolate, sorrir, agradecer e simplesmente
continuar com a nossa habitual existência.
Mas afinal, se nós mulheres tanto lutamos por igualdade, por que então
termos um dia internacional especialmente para nós? Os homens não têm
um "Dia Internacional dos Homens", não é mesmo? Será que não somos
mesmo diferentes e a "igualdade" entre os sexos não seria uma utopia?
Será que as diferenças, se existem, não mais seriam provenientes de
nossa cultura masculinizada do que inerente à natureza fisiológica do
ser humano? Não sei ainda. Pensemos juntos.
1 - As mulheres são como "o solo fértil": precisa de semente e que seja
regado para germinar, o que é um papel desenvolvido pelo homem. Nisso
não há como saber quem é mais importante do que quem, pois a semente
não vive sem o solo, e o solo torna-se imprestável sem a semente. 2 - À
Eva foi atribuída a culpa pelo pecado de Adão, afinal, foi ela quem o
incentivou a experimentar o fruto proibido. No entanto, quando lemos "E
o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente", percebemos que Eva ainda não havia sido criada. Assim, ela
não pôde ter recebido a ordem diretamente do Senhor e disse Eva a
serpente "Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da
árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem
tocareis nele, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher:
É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia que dele
comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do
bem e do mal". Talvez por falta de poder de persuasão de Adão, ou por
ingenuidade, ou por qualquer motivo, menos maldade (não se pode dizer
que havia maldade antes daquele ato) Eva comeu do fruto e o ofereceu a
Adão. E os olhos de ambos se abriram. Quando Adão foi questionado por
Deus sobre como ele sabia que estavam nus, Adão então quis livrar-se da
culpa, dizendo algo do tipo "Foi ela, Eva, quem me deu para comer". E
aí ja existia a maldade no coração do homem e da mulher. Relevemos a
fraqueza de Adão, já que ele estava diante do próprio Deus, sendo
deveras difícil assumir qualquer tipo de culpa em situações como essa.
A discussão sobre a verdade literal do texto bíblico não cabe: o
simbolismo por ele trazido é o que mais importa. Continuemos em nossos
pensamentos.
3- Segundo a teoria de Freud "a menina é diferente do rapaz, sendo
inferior a este, privada como está desse pênis que lhe falta, de que
tem inveja e de que não encontra senão um pálido e sucedâneo no
clitóris. O sexo feminino é definido negativamente em relação ao sexo
masculino. Tornar-se mulher é aceitar não ser homem, através de um
laborioso itinerário (...) Mas o acesso aos benefícios fálicos, à
sublimação, custará caro à menina, sempre mais ou menos levada a
escolher entre o prazer e o trabalho, enquanto o rapaz pode
harmonizá-los". Isso foi ótimo! Superficialmente apenas consideremos
que, se não temos pênis, temos dois seios, e estamos, assim, em
vantagem sobre a quantidade de orgãos sobrepunjantes e que evacuam
produção: leite ou sêmem, não importa agora o tipo de produto. Além
disso, temos que, no mínimo, duvidar das certezas de Freud, que não
hesita em afirmar que durante o seu percurso lhe escapou alguma coisa
da feminilidade, "esse continente negro", tornando-se célebre a sua
pergunta dirigida a Maria Bonaparte: "Que quer uma mulher?". Ele não
entendeu nada... Mas algo pode ser aproveitado para uma reflexão mais
pormenorizada: "custará caro à menina, sempre mais ou menos levada a
escolher entre o prazer e o trabalho, enquanto o rapaz pode
harmonizá-los". Deixemos para mais adiante os tais pormenores.
4- Alguns dizem que os homens têm mais neurônios e que mulheres têm
mais sinapses; que as mulheres são paralelas, enquanto os homens são
seriais, entre outras irrelevâncias. Enfim, são tantas as maneiras de
se tentar descobrir se somos mesmo diferentes ou não que não se chega a
nenhuma conclusão. A não ser a de que somos simplesmente "mulheres".
Por sermos "mulheres", temos que vestir alguns trajes especiais: a
camisa da santidade trazida pela maternidade (a palavra "mãe" é quase
divina, assim como as suas derivadas, a exemplo da "amamentação"); a
camisa da competência que é o fardamento obrigatório do mercado de
trabalho; a camisa (ou camisola) da sensualidade para nos apresentarmos
aos nossos esposos e deixá-los totalmente satisfeitos; a camisa com
dizeres do tipo "sou um ser astuto, sonso e complicado", já que
geralmente assumimos a total responsabilidade pelos devaneios
masculinos desde o pecado original... Há ainda os acessórios a enfeitar
todo o nosso corpo, ou mesmo dentro das nossas cada vez mais enormes
bolsas, como os clichês sociais de perfeição, delicadeza, fidelidade,
submissão, futilidade, banalidade, burrice, Carla Perez. Nós mesmas nos
vemos assim. Nós nos aceitamos assim, nos criticamos e julgamos através
desses padrões, e nos cobramos - a nós mesmas - mais do que os próprios
homens. Não nos contentamos com o ideal: queremos a perfeição, em todos
os nossos papéis.
E foram tantos os cenários pelos quais passamos durante toda a
história... Tantas lutas, tantas guilhotinas, fogueiras e estupros...
Não podemos nem ao menos pensar em entrar no terreno da akrasia,
praticamente ignorada por Sócrates, pois a ação de uma pessoa que
contraria seu melhor juízo sobre o que fazer em determinada situação
(p. ex. um cônjuge que trai ou um diabético que come doce, mesmo
sabendo ser tal ação errada) não é uma camisa que nos cabe, pois ela
veste melhor os homens, viris, caçadores, guerreiros e possuidores de
testosterona suficiente para justificar seus atos-falhos. Para mim,
nós, as mulheres, não somos melhores, nem piores, nem especiais, nem
mais inteligentes, nem tão misteriosas ou complicadas assim. Somos
"mulheres" vistas por uma sociedade, e por nós mesmas, com olhos de
homem. Por isso é para nós tão duro pensar em fracassar na criação dos
nossos filhos (aliás, ter filhos deve ser obrigatoriamente o maior
sonho das mulheres), quando temos que nos dedicar tanto ao trabalho (já
que o nosso desempenho é comparado ao dos homens e/ou medido através do
comprimento das nossas saias), e a uma capacitação contínua, até que,
finalmente, quem sabe um dia, alcancemos a "perfeita perfeição". Nós
acumulamos as funções das nossas mães e avós, a dos homens, até a dos
animais de estimação. Embora precisemos hoje ir à caça, não é bom que
sejamos vistas como "caçadoras". O mundo exige de nós algo que não
podemos demonstrar que somos. A conclusão que chego: que precisamos nos
contentar com rosas e chocolates, pois é isso que somos: rosas e
chocolates, mesmo que no fundo não tenhamos a delicadeza de uma rosa
nem a doçura de um chocolate. O que queremos, então? Nada demais...
Rosas e chocolates estão de bom tamanho!
Na verdade, nem se sabe ao certo o que somos, senão simplesmente
"mulheres", quanto mais o que queremos, como indagou Freud... Digo isso
pois ontem, quando um senhor idoso e respeitável adentrou
o elevador lotado quase totalmente por seres como eu, o velhinho
admirou-se: "Nossa, aqui há mais mulheres do que gente"... Acredito que
queremos mesmo rosas e chocolates que são mais aprazíveis.
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