Representação Feminina em Triste Fim de Policarpo Quaresma



Iriane Trindade e Milena Oliveira²

Resumo:

Muitas das leituras feitas do romance "Triste Fim de Policarpo Quaresma", tem como mote o nacionalismo ufanista caracterizado pelo protagonista Policarpo Quaresma, contudo, o texto também pode ser lido como uma representação feminina da época, muito bem destacada através de três personagens, Ismênia, Adelaide e Olga. É nesta perspectiva que desenvolvemos este trabalho, com intuito de analisar as representações femininas abordada em "Triste Fim de Policarpo Quaresma".

(Abstract)

Many of the readings of the novel "Sad End of Policarpo Quaresma," has as theme the overweening nationalism characterized by the protagonist Policarpo Quaresma, however, the text also it might be read as a representation of women at the time, very well highlighted by three characters. It is this perspective that we develop this work, aiming to analyze the representations of women covered in "Sad End of Policarpo Quaresma


¹ Artigo apresentado a professora Miriam Ramos, da disciplina Estudo da Produção Literária Brasileira, do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus XXI, como requisito para complementação da nota.

² Acadêmicas do II Semestre Noturno, da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus XXI.

Obra Pré-modernista, caracterizada pela critica ao governo e a retratação dos problemas sociais brasileiros, na qual o autor demonstra na história do Major Policarpo Quaresma, funcionário público aficionado pelo Brasil. Discute principalmente a questão do nacionalismo, mas também fala dos desmandos políticos do país, o nepotismo, a negligência dos poderes públicos e de uma ordem social e política excludente.

Como é possível observar, o romance nos permite inúmeras possibilidades de análises e compreensões, contudo, iremos nos delimitar apenas a discutir as questões das representações femininas da época, bem como analisar o contexto histórico no qual se desenvolveram essas personagens.

Na antiguidade as mulheres eram submissas ao homem, pai e marido, oprimidas e incumbidas de educar os filhos e cuidar da casa, sendo educadas desde crianças para serem donas de casa e terem como única perspectiva o matrimônio, e por muitos anos as mulheres viveram neste "cárcere" imposto pela sociedade.

Contudo, com a modernização e o desenvolvimento criaram-se novas relações sociais, novas idéias, costumes e valores, tudo resultado do processo de industrialização e urbanização. As mulheres começaram a reivindicar os seus direitos:

Nos queremos liberdade [...]. Sejamos mulheres, proclamava Minas Gerais, uma colaboradora da revista feminina. Reivindicava igualdade de formação para ambos os sexos, chavamava a atenção das leitoras para as mulheres "vítimas dos preconceitos" viviam fechadas no lar, monetariamanete algemadas aos seus maridos. (MALUF e MOTTI, 1998,P- 370/371)

Nesse contexto Lima Barreto, com seu olhar crítico, busca representar tais situações sociais, modelando três personagens que caracterizavam as mulheres que ainda eram reféns dos dogmas de uma sociedade machista, embora houvesse um desejo de liberdade.

[...] quanto mais ela escapa da esfera privada da vida doméstica, tanto mais a sociedade burguesa lança sobre seus ombros o mátema do pecado [...]. (RAGO, 1985.p- 63)

No romance "O triste fim de policarpa quaresma" as personagens- Ismênia, Olga, D. Adelaide-, soam inevitavelmente como vitimas de sua condição de inferioridade. Uma abandonada pelo noivo definha até a morte; a outra se entrega a sina prevista  ocasamento que a cada dia que passa revela-se inevitável em seu sentido maior; a última alheia a todos esses caprichos, vive ao lado do irmão, sem paixões e sem desejos.

As faltas de perspectivas dessas mulheres as tornam reféns de uma "política matrimonialista" e patriarcal, na qual o casamento é quase uma obsessão ou obrigação.

A personagem Ismênia noiva há vários anos vive apenas em função desse casamento, toda sua vida se resumia a esperar a formatura do noivo e finalmente ser agraciada com o matrimônio, vejamos um diálogo entre Ismênia e Adelaide.

- Então, quando te casas? Era a pergunta que lhe fazia sempre.

-Não sei... Cavalcante forma-se no fim do ano, então marcaremos a data. Aquele seu noivado durava há anos; o noivo, o tal Cavalcante; estudava para dentista, um curso de dois anos, mas que ele arrastava há quatro, e Ismênia Tinha sempre que responder a famosa pergunta: "Então quando se casa?". (BARRETO, 1998, P.25)

Tal personagem demonstra os desejos e anseios da mulher com relação ao matrimônio, desejos estes que a sociedade incrusta no espírito das meninas, que elas devem casar a todo custo, fazendo do casamento o pólo e fim da vida, a ponto a ponto de parecer uma desonra, uma injúria, ficar solteira, como é posto no romance que para dona Maricota mãe de Ismênia, não se pode compreender ou aceitar uma mulher solteira: "[...] Parecia-lhe feio e desonroso para a família [...]", assim como para seu pai - General Albernaz- que também fazia questão de salientar a importância do casamento.

A importância do matrimônio é posta de uma forma tão totalizadora, que quando Ismênia é abandonada pelo noivo, não vê mais motivos para viver e definha até a morte.

-Ela não podia mais com isso. Decididamente estava condenada a não se casar, a ser tia, a suportar durante toda existência esses estado de solteira que a apavorava. (BARRETO, 1998. P-80)

Outra personagem feminina de "destaque" no romance é Adelaide, irmã de Policarpo Quaresma, que não possui perspectiva de vida que não seja do lado do irmão, não tem anseios ou desejos próprios, se dedicava apenas aos afazeres domésticos, e sempre concorda com os ideais de Policarpo, passando assim a visão de mulher submissa e presa aos caprichos de um homem, ainda que esse não seja seu pai ou marido.

O autor também chama à atenção para a educação destinada a mulher (sempre a sombra de um homem), o que a torna refém monetariamente deste, impossibilitando-a de viver seus próprios desejos e adquirir suas experiências.

Educada em casa sempre com um homem ao lado, o pai depois o irmão, ela não sabia lidar com o mundo [...] (BARRETO. 1998. P-72)

Essa personagem reforça o estereótipo de que mulher solteira anula a vida em prol das outras, quando retrata a de dedicação de Adelaide ao irmão e aos seus desejos.

Ela tinha aquela ampla maternidade das solteironas; pois, parece que a falta de filhos reforça a alarga o interesse da mulher pelas dores dos outros. (BARRETO, 1998 P-24)

Olga é outra personagem feminina "importante", talvez a mais interessante das três, pois, por meio dessa personagem o autor nos apresenta um novo perfil de mulher. Ela é ativa, inteligente e determinada, sabe o que quer e luta por seus objetivos, demonstrando assim um certo "desvio" dos padrões destinados às mulheres.

A menina vivaz habituada a falar alto e desembaraçadamente, não escondia a sua ficção tanto mais que se sentia confusamente nele alguma coisa de superior, uma ousadia de ideal, uma tenacidade em seguir um sonho, uma idéia, um vôo. Enfim para as altas regiões do espírito que ela não estava habituada a ver em ninguém no mundo que freqüentava. (BARRETO, 1998. P- 38).

Como vimos Olga se diferencia das duas personagens citadas anteriormente, talvez ela seja a representação da busca da liberdade feminina, de viver seus próprios anseios, e não os impostos pela sociedade, contudo, mesmo com seus ideais e objetivos, Olga não está isenta do casamento como ideal de vida. Embora não houvesse nela uma obsessão pelo patrimônio.

Ela acabou se casando com um homem que não gostava e que não fazia jus aos seus anseios, mas, como o enlace matrimonial era uma espécie de ritual a ser cumprido pelas mulheres daquela época, ela não poderia fugir à regra e submeteu-se ao habito da sociedade. "E tinha razão em se casar, em obedecer à sua concepção. È tão difícil ver nitidamente num homem de vinte a trinta anos, o que ela sonhara que era bem possível tomasse a nuvem por Juno... casava por habito da sociedade [...] (BARRETO, 1998. P -76)

Assim como as demais personagens, Olga cumpriu sua sina de estar atrelada e submissa ao homem e aos costumes da sociedade da época.

Considerações finais

Após uma leitura da obra por uma ótica que não seja o nacionalismo e a crítica a política, podemos observar de forma muito clara que o romance retrata a posição e o comportamento das mulheres daquela época, nos permitindo compreender que os papéis desempenhados por homens e mulheres estavam bem definidos, onde as mulheres eram sempre submissas e inferiores e os homens sempre doutores, funcionários públicos e intelectuais dos quais as mulheres dependiam para tudo, até para pensar, e sem eles não tinham se quer dignidade.

As mulheres mostradas como destituídas de desejos sem apresentar nenhuma perspectiva a não ser o casamento, assim eram, pois, as mesmas viviam sobre a imposição de uma sociedade machista, onde o que valia eram os desejos e os projetos masculinos.

Com esta análise podemos perceber que a visão crítica de Lima Barreto, foi bem além do que muitos lêem e conseguem compreender da obra, bem como demonstra a importância das personagens femininas para retratar com mais eficácia a sociedade e as mulheres da época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Record, 1998. 

  CHALOUB, Sidney. "Diálogos políticos em Machado de Assis". In: PEREIRA, Leonardo Affonso de M. (org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.95-122.   

MOTT, Maria Lúcia e MALUF, Marina. "Recônditos do mundo feminino". In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.370-388. 

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. "Sobre confetes, chuteiras e cadáveres: a massificação cultural no Rio de Janeiro de Lima Barreto". Proj. História, São Paulo. nº 14, fev. 1997, p. 231-241.    

SEVCENKO, Nicolau. "Lima Barreto e a" República dos Bruzundagas"". In: Literatura como missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 161-196.  


Autor: Milena Oliveira De Souza


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