Filosofia hoje: o por quê e a inutilidade



Filosofia hoje: o por quê e a inutilidade

1- FILOSOFIA: POR QUÊ

 Aqui nos colocamos diante de uma característica diferenciadora, que faz com que a filosofia seja diferente tanto da ciência como do senso comum ou da religião.

Em geral se pergunta "para que serve" determinada realidade? A questão é pragmática, utilitarista. Coloca-se o critério da utilidade acima de tudo: tem utilidade? Então é algo bom que pode e deve ser preservado. Não tem utilidade? Então não presta e deve ser descartado, extinto.

Com base nisso a pergunta é feita à filosofia: qual é a utilidade da filosofia? E a constatação é imediata: a filosofia não tem utilidade prática nenhuma. Ao menos nenhuma aparente! E sendo assim, algo sem utilidade, o destino da filosofia é o lixo: tanto na escola como na sociedade.

E o bom disso é que a filosofia não se defende. Não sai, por aí, gritando suas virtudes. Apenas e humildemente pergunta: Por quê? Essa é sua defesa: a indagação!

Sobre a importância da filosofia podemos ler a comparação entre este saber e a ciência desenvolvida por R. Gomes (1982). Diz ele que a ciência, em nossos dias assumiu um caráter pragmático: seu valor é o de seus resultados em termos de técnica. [...]. O cientista é, do ponto de vista do vigente, dispensado de defender a cidadania da ciência. (GOMES, 1982, p. 29). Mas o autor continua ao dizer que As coisas mudam quando tratamos da filosofia. [...]. Na filosofia nos deparamos com um modo de colocar a existência em questão (GOMES, 1982, p. 30)

Por que existe essa forma de pensar sobre a filosofia? Por que há uma visão preconceituosa a respeito da filosofia? Por que existe aversão à filosofia? E, quando ela é assumida, ou defendida, dentro de um programa escolar, por exemplo, por que isso acontece? Por que é colocada no inicio de um curso de graduação?

O fato é que a filosofia põe a realidade em questão. Podemos dizer que a filosofia não se ocupa com as aparências nem com a utilidade (para que serve), mas com a essência (o que é) dessa realidade. Uma mesa é bem aceita por que é útil: sobre ela são colocados pratos e talheres; papéis e livros. A mesa é útil. Mas não é esse o interesse da filosofia. O cotidiano já definiu a praticidade, a utilidade... por isso a filosofia, só faz uma pergunta, que acaba gerando outras: o que é a mesa? Por que na mesa de alguns há pratos e talheres e noutras mesas isso não existe? Por que em algumas mesas há o que comer e em outras residências nem mesa existe, menos ainda alimento? Por que alguns têm mesa para estudar ou trabalhar enquanto outros não têm acesso ao estudo ou ao trabalho? Por que o que não tem estudo não tem as mesmas chances de trabalho e as mesmas condições de alimentação, que o outro que estudou?

Continuando a reflexão poderíamos dizer que a primeira preocupação da filosofia é a afirmação do real. Ao colocar a questão: o que é isso? a filosofia está afirmando que essa realidade existe  se não existisse não poderia ser colocada, como questão! A partir dessa afirmação-constatação, começam os questionamentos: o que é essa realidade? Qual o sentido de sua existência? O que faz com que isso seja assim e não de uma outra forma possível? Qual a relação dessa realidade com a vida sócio-político-econômica das pessoas? Por que essa realidade é vista dessa forma e não de outras formas possíveis? Ou não é possível ver essa realidade de outra forma? Por que não? Pessoas com formação e situação sócio-econômicas distintas podem ver a mesma realidade e tirar as mesmas conclusões?

Com isso já teríamos elementos para outra investigação: por que existe esse preconceito com relação à filosofia? Qual a razão de ter se formado uma visão contrária à filosofia? O que fez com que, num determinado período da história do país, a filosofia fosse banida da escola? E por que retornou à grade curricular nos vários níveis escolares? É verdade que a filosofia é privilégio de intelectuais? Por que se criou  essa mentalidade?

O fato é que a filosofia, despretensiosamente, começa questionando a realidade imediata e manifesta. Não pela realidade em si, nem somente para evidenciar a nudez dessa realidade, negada pela acomodação  lembremo-nos do conto em que em que somente a criança viu a nudez do rei. E isso ocorreu por que a criança não tinha nenhum interesse a defender nem a esconder. Ela pode ser verdadeira e manifestar sua opinião, sem medos de reprimendas.

A filosofia questiona a realidade por que, simplesmente quer desvelar o que está por trás do evidente. Pode-se dizer, também, de outra forma: à filosofia interessa saber a quem interessa que a realidade seja vista dessa forma que se evidencia, ocultando outras, possíveis. Por exemplo, a maioria das pessoas aceita, passivamente a afirmação de que o trabalho dignifica o homem. Com isso as pessoas são levadas a desmerecer os que não trabalham. E, em geral, pára-se nessa constatação. Mas quantas pessoas já se deram ao luxo de parar para pensar sobre o por quê de algumas pessoas não poderem trabalhar? Se o trabalho dignifica o homem, quem não trabalha não é digno? Por que não existe oportunidade de trabalho para todas as pessoas de forma igualitária?

Assim as realidades são vistas de uma determinada forma por que essa forma de ver é a que interessa, no momento. E quando for vista de outra forma, a quem isso vai interessar? Basta ver nisso o exemplo de episódios corriqueiros que são superexplorados pela mídia enquanto outros, importantes, mal são mencionados. Quem se beneficia com esse tipo de informação? Quem é prejudicado?

 

2- INUTILIDADE DA FILOSOFIA

A partir do que foi dito podemos dizer que há uma tendência em afirmar a desnecessidade da Filosofia.

Na verdade o que se pretende é mascarar a real necessidade a partir de uma afirmação de inutilidade. Esse mascaramento manifesta-se de diversas formas: uma forma é caricaturizá-la (filosofia é como um cego, num quarto escuro, procurando por algo que não sabe se existe). A caricatura dessa visão preconceituosa se evidencia em sua contradição. Ninguém procura pelo que não existe. Se existe busca é por que há a convicção da existência daquilo que é buscado. Além disso, o cego no quarto escuro, não teria a noção de escuridão como têm os que vêem. Quem fala da escuridão é quem a vê. Esse, portanto, faz um juízo a respeito do que o outro está fazendo. E se é o outro quem procura, quem faz o juízo não tem como afirmar se o que é procurado existe ou não, pois não é o outro.

Outro mascaramento é ridicularizar a figura do pensador ou do cientista (veja-se o tipo de cientista representado, por exemplo, nos filmes: uma pessoa meio amalucada, trejeitado em um jaleco branco). O tipo, cinematográfico ou da literatura, não corresponde à realidade do pesquisador, que na realidade é uma pessoa comum, que se dedica a uma atividade profissional, como qualquer outra pessoa, com sonhos, qualidades e defeitos. Enfim, existem várias formas de mascarar e descaracterizar a real necessidade da filosofia.

O detalhe é que hoje não é só a filosofia que recebe um mascaramento. O sistema escolar também passa por esse problema. Embora haja um discurso em defesa do ensino, a realidade aponta para outra direção. O que ocorre, efetivamente é a negação da escola e da importância da escolaridade. Afinal a quem realmente interessa que a população não seja sábia e sem escolaridade? Ou alguém, em sã consciência e utilizando o bom senso, ainda acredita que, com tantas informações sobre comportamento, sobre processo de aprendizagem... nosso país ainda não tenha condições de sair das últimas colocações nas aferições internacionais? Será que alguém ainda acredita que está nos alunos ou nos professores a causa de muitos concluírem o ensino superior e permanecerem analfabetos? Será que alguém ainda acredita que mudar planos e metas, trocar ministro e redefinir rumos, assumir ou rejeitar esta ou aquela teoria educacional é solução para os problemas educacionais? Como encarar o fato de que os estudantes das faculdades estão saindo despreparados para o mercado de trabalho?

Todas essas, juntadas a outras, são questões atuais e dependem de uma resposta da filosofia. E a elas se pode acrescentar a indagação sobre o motivo pelo qual a filosofia é ridicularizada, caricaturizada, mascarada. E assim volta a indagação sobre quem é favorecido quando não se faz filosofia? Quem leva vantagem quando não se discutem os problemas? Quando algo não está bem, sempre há alguém que perde e outro que sai em vantagem. Quem está levando vantagem com o descrédito tanto do sistema escolar como da filosofia?

Vários pontos podem ser refletidos, entretanto vale a pena fazer, antes algumas afirmações: a filosofia não tem utilidade prática, imediata, entretanto ela é necessária por que permite um processo de pensar-analisar a realidade e as diversas situações. E precisamos pensar sob pena de progredirmos nas conquistas científicas e tecnológicas e regredirmos em nossas relações interpessoais ou na aquisição de novos valores. Como já foi dito a filosofia ajuda no processo de humanização. Uma das características definidoras do humano é o pensamento. Deixar de pensar, portanto, é desumanizar-se.

Noutras palavras: a filosofia é amada ou odiada na medida em que se pretende esclarecer ou confundir a população. Assim, se em um período da história a filosofia foi banida da escola era por que se pretendia que a juventude e os estudantes em geral permanecessem alienados, sem consciência de seus direitos. O que se queria era dar aos estudantes fórmulas prontas e que estivessem de acordo com as orientações do governo militar-positivista, daquela época. Entregando tudo pronto o estudante não precisava pensar. Não pensando o jovem era pensado, não precisava usar a própria cabeça e os próprios critérios. O estudante, então poderia ser conduzido para onde fosse conveniente aos governantes. A presença, hoje, da filosofia nas escolas, embora ainda deficitária, pode ser vista como uma tentativa de superação dessa deficiência.  Mas quando há um processo e um trabalho filosófico bem fundamentado, o estudante é levado a pensar com a própria cabeça. O estudante é desafiado a buscar suas próprias convicções. E assim o estudante passa a ver criticamente as aulas, os professores, a escola... e disso poderá nascer um novo modelo escolar, ainda a ser engendrado...

Manter um processo filosofante é abrir-se para o novo e aplicar-se ao debate, em busca dos próprios critérios. Fechar-se à filosofia é manter-se alienado. Podemos retomar as palavras de K. Jaspers (1973): "muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho, pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma consciência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante". Ou que a filosofia seja apresentada como algo sem sentido ou perda de tempo.

Resumindo podemos dizer que a filosofia não é útil, no sentido que as pessoas possam pegar, usar, manipular. No entanto a filosofia é necessária para mantermos um processo crítico sobre todas as informações e realidades que nos são apresentadas. A filosofia fornece instrumentos para que sejam superadas posturas dogmáticas ou visões estreitas sobre a realidade ou dimensões específicas do cotidiano ou da vida. A filosofia é uma importante ferramenta para gerar o novo e fazer o novo renovar-se num processo constante.

 

 

Referências:

ALVES, Rubem. Filosofia d Ciência, 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1982

ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando, Introdução à filosofia, 1997.

CHAUÍ, M.. Convite à Filosofia. 5ªed. S. Paulo: Ática, 1995.

GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim, 5 ed. São Paulo: Cortez. 1982

JASPER, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1973.

TAHAN, Maba. Os melhores contos. 22 ed. Rio de Janeiro: Best Seller. 2006.


Autor: Neri P. Carneiro


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