SEGURANÇA JURÍDICA: SURGIMENTO, TRAJETÓRIA E FUNÇÃO



EDUARDO CARON DE CAMPOS[1]

RESUMO

Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o principio da segurança jurídica, seu surgimento, sua trajetória, sua inclusão no ordenamento jurídico, bem como sua função social. O presente artigo procura analisar de forma sintética e reflexiva estas questões, uma vez que o contexto histórico nos propicia boas condições para tanto, de modo inclusive a levar-nos a considerar com mais importância esse direito.

PALAVRAS-CHAVE: FUNDAMENTAL, JURÍDICA, PRINCIPIO, SEGURANÇA

ABSTRACT

This article presents some reflections on the beginning of the legal security, its sprouting, its trajectory, its inclusion in the legal system, as well as its social function. The present article looks for to analyze of synthetic and reflexiva form these questions, a time that the historio context in them propitiates good conditions for in such a way, in way also in taking them to consider with more importance this right.

KEYWORD: BASIC, LEGAL, I BEGIN, SECURITY

RESUMEN

Este artículo presenta algunas reflexiones en el principio de la seguridad legal, su brote, su trayectoria, su inclusión en el sistema legislativo, así como su función social. El actual artículo busca analizar de forma sintético y reflexiva estas preguntas, una época que el contexto histórico en ellos las buenas condiciones de los propitiates para de tal manera, de la manera también de ser conducido para considerar con más importancia la esta derecha.

PALAVRAS-CHAVE: BASIC, LEGAL, COMIENZO, SEGURIDAD

INTRODUÇÃO

Quando olhamos para um instituto jurídico, surgem as seguintes questões: Como surgiu? Como foi sua trajetória até aqui? Quais são as dificuldades e desafios para sua efetiva garantia? Assim, para o entendimento e compreensão de determinado preceito jurídico é necessário mais do que uma simples abordagem no tempo presente. É imprescindível a analise de sua origem, buscando verificar a razão de sua existência, seu desenvolvimento e mutações. Distintamente de outros ramos da ciência, notadamente as exatas, o Direito trabalha com valores, experiência humana e fenômenos culturais, o que implica dizer que o Direito não tem como base a verdade, a certeza absoluta. Dentre esses valores, chama-se a atenção para a justiça e a segurança. No direito o foco principal, o centro, e o que especificamente interessa é a justiça. Porém, para justiça há um número considerável de definições, definições essas não pacíficas, e pior, contraditórias. KELSEN[2] afirma que não existe um padrão de justiça, e o que se tem são diferentes idéias e não raras vezes conflitantes.

PERELMAN[3] em estudo dedicado ao tema, procura encontrar a melhor noção de justiça que possa ser comum e compatível com diferenciadas concepções:

1  A cada qual a mesma coisa

Nessa concepção totalmente igualitária, todos devem ser tratados da mesma maneira, sem considerar suas particularidades ou diferenças.

De acordo com essa interpretação, a justiça deve ser aplicada como se todos fizessem parte de uma única categoria.

2  A cada qual segundo os seus méritos

Essa concepção prima pelo tratamento proporcional, a uma qualidade própria, sem falar em igualdade, mas sim em mérito ou demérito, bastando que as pessoas façam parte de uma mesma categoria quanto ao seu mérito, para que possam ser tratadas da mesma forma.

Aqui o julgador está adstrito às qualificações da pessoa, de modo a medir o seu mérito.

3  A cada qual segundo as suas obras

Como na anterior, nessa concepção também se privilegia um tratamento proporcional. O que se leva em conta aqui são os resultados obtidos, de obras ou conhecimentos, ou seja, despreza-se o esforço e considera-se tão somente o resultado.

Segundo PERELMAN, não se procura comprar quadros com obras literárias ou sinfonias com obras de arquitetura.

4  A cada qual segundo suas necessidades

Já para essa concepção o que se considera não são os méritos ou a produção da pessoa, mas sim a necessidade, com o objetivo de aliviar o sofrimento que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais.

Assim, os que integral a mesma categoria, do ponto de vista de suas necessidades, devem ser tratados da mesma forma.

Nessa fórmula a diferença entre caridade e justiça reside na circunstância de que esta se aplica somente a seres considerados como elementos em conjunto, e naquela leva-se em conta o contexto individual.

5  A cada qual segundo sua posição

Para essa concepção o que se pressupõe é que as pessoas com quem se deseja ser justo estão divididas em classes hierárquicas. Trata-se de uma visão aristocrática da justiça, a qual é defendida normalmente pelos que dela são beneficiados.

Pode-se citar como exemplo o exército, onde os soldados e oficiais são tratados de forma distinta, diante da posição que cada um ocupa.

Assim, é justo tratar de forma diferente os membros das mais variadas classes, desde que se trate da mesma forma aqueles que fazem parte da mesma classe.

É preciso lembrar que um regime que adota essa fórmula deve observar que aos direitos particulares correspondem responsabilidades especiais, sob pena de favoritismo sistematizado.

6  A cada qual segundo o que a lei lhe atribui

Nessa interpretação de justiça, o juiz é justo quando aplica às mesmas situações as mesmas leis. Ser justo seria aplicar as leis do país e injusto distorcer as regras do sistema jurídico.

Pode-se dizer que essa concepção é qualificada como estática por ter como base a manutenção da ordem estabelecida, enquanto as demais concepções são formas de justiça dinâmica por possibilitar a modificação dessa ordem, das regras que a determinam.

Diferente também das demais concepções de justiça, não autoriza o encarregado de aplicá-la a escolher a concepção de justiça que prefere, vez que deve primar pela regra estabelecida.

O que se verifica nessa concepção é a forma de justiça imposta, claramente jurídica, onde a interpretação das regras fica sujeita ao controle das Cortes Superiores, bem diferente da concepção moral, onde a pessoa é livre para escolher a forma de justiça que pretende aplicar e a interpretação a ser dada.

Contudo, uma pergunta deve ser feita: pode a concepção particular de justiça de o julgador intervir no exercício de suas funções? Para PERELMAN, tanto o juiz individual como a Corte podem influir na aplicação da regra de justiça.

Ainda que um juiz procure ater-se a linha da jurisprudência, dificilmente não será influenciado pelo seu entendimento particular de justiça.

Por sua vez a jurisprudência, dada a atividade interpretativa da lei, a interferência nas regras de justiça é ainda maior, já que dela depende todas as definições confusas do Direito.

Dado o caráter de norma reguladora da vida social, o Direito não pode ficar entregue e sujeito a diferentes opiniões, e daí decorre a exigência de se estabelecer a segurança, a certeza, primordial condição a paz social, que reclama a positividade do Direito.

Na lição de RADBRUCH[4], "se não é possível fixar e estabelecer aquilo que é justo, deve ao menos ser possível estabelecer aquilo que é justo, deve ao menos ser possível estabelecer aquilo que ficará sendo o direito, e isso deve estabelecê-lo uma autoridade que se ache em condições de poder impor a observância daquilo que precisamente foi estabelecido. A positividade do direito vem assim a ser, ela própria, um pressuposto da sua certeza. Não pode haver direito certo que não seja positivo; e, do mesmo modo, pode dizer-se que assim como a positividade é da essência do próprio conceito de direito certo, assim é da essência do direito positivo o certo."

Forçoso é reconhecer se é difícil, para não dizer impossível, falar-se em justo e em finalidade, em termos absolutos, pelo menos em um ponto é preciso que haja consenso no que concerne ao Direito  quanto à existência de uma ordem jurídica, reconhecida e aceita pela sociedade. Os valores da justiça e da finalidade ficam, dessa forma, preteridos em nome da segurança que se deve ter na busca da paz social.

Em outras palavras, ainda que não se chegue a um consenso sobre qual a finalidade do Direito e qual justiça a ser atingida, deve-se aceitar que em um dado momento determinadas normas e situações regulem a sociedade, em nome do valor fundamental da segurança, sob pena de a injustiça prevalecer, pelo próprio caos no sistema.

DIREITOS FUNDAMENTAIS  ABORDAGEM HISTÓRICA

Baseado na idéia de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, e de que todos os homens têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma submissão política ou social pode destruir o que se denomina direito natural e o constitucionalismo, surgiu a doutrina dos direitos fundamentais.

Além de ter forte base no cristianismo, a doutrina dos direitos fundamentais também possui outras fontes, como a limitação e o controle dos abusos do próprio Estado e das autoridades constituídas.

Foi com o socialismo que resultou a criação dos direitos e a universalização destes direitos. Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que "o Estado contemporâneo nasce no final do século XVIII de um propósito claro, qual seja o de evitar o arbítrio dos governantes. A reação de colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do terceiro estado na frança tiveram a mesma motivação: o descontentamento contra um poder que  ao menos isso lhes parecia  atuava sem lei nem regras"[5]

Verifica-se, desde logo, que a história dos direitos humanos não é algo recente, de forma que o estudo de seu surgimento e evolução é de significativa importância para a doutrina dos direitos fundamentais.

As primeiras noticias de preocupação com os direitos fundamentais vem do antigo Egito e da Mesopotâmia, onde já eram previstos mecanismos para a proteção individual. No Código de Hamurabi (1690 a.C) já havia a consagração de um rol de direitos comuns a todos os homens, entre eles a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, prevendo a supremacia da lei em relação aos governantes.

Entre os gregos, nos anos 495-405 a.C é possível lembrar a idéia de Péricles e Sófocles. Para o primeiro os cidadãos deveriam ter participação política no governo. Para o segundo, o que deveria prevalecer eram as normas não escritas e imutáveis outorgadas pelos deuses. Para os estóicos a natureza humana leva a idéia de liberdade e igualdade com supremacia do direito natural sobre o direito positivo.

Além dos gregos, o Direito Romano também buscava tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais, podendo ser considerada a origem dos textos escritos, a Lei das Doze Tábuas, onde se consagrava o direito a liberdade, propriedade e da proteção aos direitos do cidadão.[6]

Contudo, para CANOTILHO[7] não é possível considerar estes relatos históricos como sendo o reconhecimento dos direitos fundamentais, já que o fundamento daquelas sociedades era a escravatura, razão pela qual se nega a existência de direitos do homem nesse período histórico.

Por outro lado, não se pode deixar de citar as lições de Tomás de Aquino no século XIII, que pregava a supremacia da lei eterna (que só o próprio Deus conhece na plenitude), abaixo da qual estão, por um lado, a lei divina (parte da lei eterna revelada por Deus ou declarada pela Igreja), por outro lado, a lei natural (gravada na natureza humana que o homem descobre por meio da razão), e mais abaixo, a lei humana (a lei positiva editada pelo legislador)

Documentalmente falando, a carta de João Sem Terra, outorgada em 15 de junho de 1215, na Inglaterra, conhecida por Magna Carta é tida como peça basilar da Constituição Inglesa. Esse documento reconhecia direitos do homem contra o Estado. Embora outorgada por João Sem Terra, ela foi o resultado de um acordo entre esse rei os barões ingleses. Além de restrições tributarias, tal documento garantia a liberdade, proporcionalidade entre o delito e a sanção, garantia ao devido processo legal, liberdade de locomoção e apontava a judicialidade como um dos princípios do Estado de Direito, exigindo o crivo do juiz para a prisão do cidadão livre.[8]Em 16 de junho de 1776, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia dispôs em sua cláusula primeira que todos eram por natureza igualmente livres e independentes, e não poderiam ser privados do gozo a vida e liberdade, regulamentando o direito de adquirir e possuir propriedade, e perseguir e obter felicidade e segurança.

Em 17 de setembro de 1787 foi promulgada a Constituição dos Estados Unidos da América, que não continha inicialmente uma declaração de direitos humanos. Porém, para que se desse a entrada em vigor da mesma, era necessária a ratificação pelos Estados independentes, que somente concordaram em aderir a Constituição se fosse introduzida uma carta de direitos, onde fossem garantidos direitos fundamentais. Assim, foram elaboradas as dez primeiras emendas aprovadas em 25 de setembro de 1789, ocasião que em se limitou o poder estatal através da separação dos poderes e reconhecidos alguns direitos fundamentais, como a liberdade religiosa, a inviolabilidade de domicilio, o devido processo legal, o júri, a ampla defesa e a impossibilidade de aplicação de penas cruéis. Antes, em 26 de agosto do mesmo ano, a Assembléia Nacional Francesa editou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Mas foi em 26 de abril de 1793 que os direitos fundamentais foram constitucionalizados, o que coube a Constituição Francesa. Após seguiram os mesmos passos a Constituição Espanhola em 19 de março de 1812, a Constituição Portuguesa em 23 de setembro de 1822, a Constituição Belga em 7 de fevereiro de 1831.

Em 1928-1929 o Instituto de Direito Internacional redigiu um projeto intitulado "Declaração dos Direitos Internacionais do Homem", dando inicio a internacionalização dos direitos fundamentais, e, em 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Quanto ao Brasil, é importante dizer que as Constituições brasileiras sempre integraram nos seus textos declarações dos direitos do homem, o que teve inicio com a Constituição do Império de 1824, sendo a primeira constituição do mundo a positivar de forma clara no texto constitucional os direitos do homem.

PREVISÃO LEGAL

A segurança jurídica como direito fundamental surge pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França, em 1789, no artigo 2º, que prevê que a base de toda associação política é a conservação de todos os direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Posteriormente, a Constituição Francesa de 1793 procurou conceituar o termo no seu preâmbulo: "A segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades"

No âmbito internacional, contudo, os documentos que asseguram e reconhecem a necessidade de se proteger os direitos do homem não fazem referência expressa a um direito à segurança jurídica. Contudo, existem referências a segurança pessoal do individuo e garantias contra a irretroatividade de determinados atos estatais. Porém, o fato de não haver a expressão segurança jurídica, não significa não haver previsão de proteção a esse valor.

Para BARROSO[9] a expressão segurança jurídica passou a designar um conjunto abrangente de idéias e conteúdos, que incluem:

1 - a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade;

2 - a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade;

3 - a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova;

4 - a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados;

5 - a igualdade na lei, inclusive com soluções isonômicas para as situações idênticas ou próximas.

A Constituição da Republica de 1988, no caput do artigo 5º, equipara o direito a segurança, ao direito à vida, à liberdade, à igualdade e propriedade, e muito embora não se verifique a existência da expressão "direito a segurança jurídica", é fácil concluir que ele foi contemplado pelo legislador em uma série de dispositivos, como no principio da legalidade, da proteção ao direito adquirido, da coisa julgada, e do ato jurídico perfeito, bem como no principio da anterioridade em matéria penal.

Na concepção de SILVA[10], são quatro os tipos de segurança jurídica na Constituição Brasileira de 1988: a segurança como garantia; a segurança como proteção dos direitos subjetivos; a segurança como direito social e a segurança por meio do Direito.

No que diz respeito à segurança como garantia, a mesma vem disciplinada no caput do artigo 5º, da Constituição e implica na obrigatoriedade de se respeitar ao exercício e ao gozo de direitos individuais fundamentais, tal como a intimidade (segurança do domicilio), a liberdade pessoal (segurança das comunicações pessoais) ou a incolumidade física ou moral.

Já a segurança como proteção dos direitos subjetivos diz respeito aos direitos subjetivos em face de mutações formais e o direito posto, em face especialmente da sucessão de leis no tempo e à necessidade de assegurar a estabilidade dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

Por sua vez, o artigo 6º da Constituição Federal, trata da segurança como direito social, a qual significa a previsão de meios (direitos sociais) que garantam aos indivíduos e aos seus familiares condições sociais dignas.

De acordo ainda com José Afonso da Silva, existe também a segurança por meio do Direito, que se subdivide em segurança do Estado, que diz respeito às condições básicas de defesa do Estado (estado de defesa e estado de sitio), e segurança das pessoas, a qual se refere à manutenção da ordem pública contra o crime em geral (segurança pública e garantias penais).

Afora as previsões constitucionais, a legislação infraconstitucional também reconhece a existência do direito a segurança jurídica, como ocorre na Lei de Introdução ao Código Civil artigo 6º, que igualmente protege o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Já o Código de Processo Civil descreve a coisa julgada e proíbe o julgador que decida novamente questões já apreciadas, enumera um rol taxativo de possibilidades de cabimento de ação rescisória e prevê o duplo grau de jurisdição para causas que envolvem o Poder Público.

A vista de todos esses dispositivos, bem se vê que a segurança é um valor contemplado pelo ordenamento jurídico e protegido pelo principio da segurança jurídica.

FUNÇÃO SOCIAL

Como se verificou no item anterior, o alcance e abrangência do principio da segurança jurídica é muito maior do que se pode imaginar.

Quando se fala da existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade, da confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade, da estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova, da previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados, da igualdade na lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas, da segurança como garantia, da segurança como proteção dos direitos subjetivos, da segurança como direito social, e da segurança por meio do Direito, não se está falando em outra coisa senão da necessidade que todos carecem para poder conduzir de forma responsável, e sem surpresas, a execução daquilo que um dia se planejou. Em outras palavras, o que se está dizendo é que o Estado deve garantir a seus cidadãos um mínimno de bem estar social.

De outro lado, o bem estar social só se faz possível em uma nação que adota como regime o Estado de direito.

Esse Estado de direito, de acordo com um conceito clássico de CANOTILHO[11], embora longe de corresponder a uma completa pontualização dos momentos considerados fundamentais para assegurar que um Estado seja realmente um Estado de Direito, exige quatro elementos considerados como momentos formais do Estado de direito: 1- divisão dos poderes, entendida como principio que exige a vinculação dos atos estaduais a uma competência, constitucionalmente definida, e uma ordenação relativamente separada de funções; 2- principio da legalidade da administração; 3- independência dos tribunais (institucional, funcional e pessoal) e vinculação do juiz à lei; 4- garantia da proteção jurídica e abertura da via judicial, para assegurar ao cidadão uma defesa sem lacunas.

Atendendo a proposta deste artigo, julga-se apropriado mergulhar um pouco mais no estudo sobre alguns princípios que proporcionam a efetivação da função social da segurança jurídica, como o da legalidade da administração, da proteção da confiança dos cidadãos, que são regulados pelo principio da precisão ou determinalidade das leis e da própria segurança jurídica, princípio da proporcionalidade, da proteção jurídica e das garantias processuais, que também se materializa pelas garantias processuais e procedimentais, e pelo principio da garantia de via judiciária.

De acordo com CANOTILHO,[12] "o principio da legalidade da administração, sobre o qual insistiu sempre a teoria do Estado de direito e a doutrina da separação dos poderes e que acabou por ser considerado mesmo como o seu cerne essencial, postulava, por sua vez, dois princípios fundamentais: o principio da supremacia ou prevalência da lei e o principio da reserva da lei. Estes princípios permanecem validos, pois num Estado democrático-constitucional a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do principio democrático e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, e daí a reserva de lei. De uma forma genérica, o principio da supremacia da lei e o principio da reserva de lei apontam para a vinculação jurídico-constitucional do poder executivo".

Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos partem do pressuposto de que o homem, uma vez inserido no contexto social, reclama uma mínima segurança para conduzir, planejar e moldar autônoma e responsavelmente a sua vida, o que somente se verifica possível através da obediência ao principio da determinalidade de leis, isto é, exigência de leis claras e densas, e de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos.

A razão da exigência de leis claras e densas repousa na possibilidade de uma lei obscura ou contraditória propiciar interpretação equivocadas, e que não seja, então, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. Do mesmo modo a necessidade de que uma lei seja densa, já que um ato legislativo que não disponha uma disciplina suficientemente concreta não será igualmente capaz de alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos, constituírem uma norma de atuação para a administração e possibilitar, através de norma de controle, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses do cidadão.

Por sua vez, os princípios da segurança jurídica, e da proteção da confiança, consubstanciam-se no fato de que o cidadão deve ao mínimo acreditar que eventuais decisões judiciais venham revestidas dos efeitos jurídicos duradouros, também previstos e calculados em normas jurídicas vigentes, o que significa a proibição de leis retroativas, a inalterabilidade do caso julgado e a tendencial irrevogabilidade de atos administrativos constitutivos de direitos.

Já o principio da proporcionalidade, segundo CANOTILHO[13], "dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para limitações administrativas da liberdade individual. É com este sentido que a teoria do Estado o considera, já no século XIX, no direito administrativo, como principio geral do direito de policia. Posteriormente, o principio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido como principio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de principio constitucional. Discutido é o seu fundamento constitucional, pois enquanto alguns autores pretendem derivá-lo do principio do Estado de direito, outros acentuam que ele está intimamente conexionado com os direitos fundamentais".

Finalizando o estudo sobre alguns princípios que proporcionam a efetivação da função social da segurança, tem-se o principio da proteção jurídica e das garantias processuais, denominadas também como "pilar fundamental do Estado de direito", terceira dimensão do Estado de direito" ou "coroamento do Estado de direito". Tais expressões salientam a importância, no Estado de direito, da existência de uma proteção jurídica individual sem lacunas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principio da segurança jurídica, mais do que ser um dos pilares do Estado de Direito, deve propiciar a interação humana, de forma a buscar ao máximo possível neutralizar as incertezas que a rodeiam.

A segurança jurídica propicia previsibilidade, estabilidade, certeza, não só nas relações entre particulares, mas também nas relações destes com o Estado.

Uma vez que o Estado dispõe da coerção legal, o que implica poder mudar ou até mesmo invalidar as normas estabelecidas em uma relação é necessário estabelecer limitações ao poder de intervenção do Estado, o que reclama a atuação de um Poder Judiciário absolutamente independente e forte, que acabe por determinar que as partes envolvidas numa relação jurídica, sejam obrigadas a dar fiel cumprimento nas obrigações assumidas. Assim é que sobre o Poder Judiciário repousa grande responsabilidade, pois dele se exige respeito às normas, tanto quando de sua interpretação como quando de sua aplicação.

A certeza nas relações jurídicas, e a previsibilidade de que suas ações encontrarão respaldo no Estado, permite que o cidadão programe com base razoáveis as implicações futuras de suas ações.

A ausência ou desrespeito a esse principio fundamental, o qual vem ao longo da história se fortalecendo e se mostrando cada vez mais indispensável, tornará inviável qualquer tipo de relação jurídica, já que os riscos advindos dessa garantia permeiam de insegurança a sociedade, inibindo-a a iniciar qualquer tipo de relação, seja de âmbito pessoal, comercial, ou de qualquer outra natureza.

Vale salientar que não será apenas a sociedade a grande e única prejudicada pela não efetivação desse direito. O próprio Poder Judiciário não dará conta das inúmeras demandas que terá que julgar, uma vez que aos envolvidos, diante da ausência de uma jurisprudência bem estabelecida, faltarão parâmetros para que os conflitos sejam resolvidos e solucionados entre as próprias partes.

REFERENCIAS

BARROSO, Luís Roberto. A segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo. In Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BREGA FILHO. Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 1ª ed. Editora Juarez de oliveira, 2002.

CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Editora Almedina  1999.

______________________. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra 1992.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 6ª ed. Saraiva São Paulo 2004.

KELSEN, Hans. O que é Justiça. 3ª ed. São Paulo  Martins Fontes, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais, 2ª ed. São Paulo: Atlas 1998.

PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito, 2ª ed. São Paulo  Martins Fontes, 2005.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Tradução de L. Cabral de Moncada, do original "Rechtsphilosophine" 5ª ed. Coimbra: Arménio Amado Editor, 1974.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. São Paulo. Malheiros. 2003.

[1]Graduado em Direito e especialista em Docência Universitária pelo UNASP - Centro Universitário Adventista de São Paulo. Mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba, vinculado ao Núcleo de pesquisa de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania (NEDFC). Professor Universitário e Advogado militante com experiência nas mais diversas áreas, como Direito Civil, Penal, Constitucional, Comercial, dentre outras. e-mail - [email protected]  [email protected]  Tel. 19  9800-9553

[2] KELSEN, Hans. O que é Justiça. p. 223

[3] PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito. pp. 19 e segs.

[4] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. p. 124

[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. p.1

[6] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 25

[7] CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p.357

[8] BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. p. 6

[9] BARROSO, Luís Roberto. A segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo. In Temas de direito constitucional. p. 49  50.

[10] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p.17 segs.

[11] CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional P. 374.

[12] CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional P. 375.

[13] CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional P. 376.


Autor: Eduardo Caron De Campos


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