O CHINELO DE DEDOS



O CHINELO DE DEDOS

 

 

 

Tem muitas coisas que se pode chamar de populares, mas tem coisa mais democrática que o chinelo de dedos?

 

Pobre rico, jovem ou ancião: todo mundo teve, tem ou terá um chinelo de dedos.

 

A moda inventa, muda cores, formas de apresentação. Pinta de dourado pra parecer chique, ou prateado pra passar o reveillon, mas uma coisa é certa: pra mim continua sendo um chinelo de dedos.

 

Olha só que interessante o que me aconteceu:

 

Certa vez fui de carro ao mercado com meu filho mais velho, o Mário. Realizei minhas compras, e quando fui colocá-las em meu pequeno, mas útil veículo, eis que não estava mais no local estacionado.

 

Com essa indústria de multas, minha primeira preocupação foi ver se tinha estacionado em local apropriado, ou se o DSV tinha guinchado. Bom, eu estacionei em local permitido, e não tinha aquele cavalete escrito atenção, seu veículo foi guinchado, entre em contato com a CET. Então, pensei: roubaram. Ó céus! E agora, como levarei minhas compras? Terei que ir à pé com meu filho pra casa.

 

Você poderia dizer: bem, porque não pegou uma condução (ônibus, metrô, táxi)? Esquecí-me de dizer que a lei de Murphy estava contra mim. Gastei tudo no mercado. Não contava com este imprevisto.

 

Liguei para meu esposo vir me buscar, narrando-lhe o ocorrido. Ele veio, só que esqueceu meu filho menor em casa. Não sei o que é pior, ter o carro furtado, ou o marido preso por abandono de incapaz!

 

Então, eu lhe disse, vá com o Mário para casa, pega o Marquinhos e volta pra me pegar, pois no carro de meu marido não cabia mais nada!!!

 

Como estava demorando pra retornar, resolvi ir à pé mesmo, pois morava relativamente próximo ao mercado. Fui surpreendida por um trombadinha, que exigiu que lhe desse meu relógio e meu par de tênis. Lógico que não reagi, e entreguei o que queria.

 

Como entre o local em que eu estava e minha residência, havia um hospital, o qual eu poderia usar para cortar o caminho, resolvi fazê-lo.

 

Logo que entrei no hospital vieram três seguranças a barrar-me. Disseram que do jeito que eu estava não poderia passar por ali.

 

Quando me dei conta, lembrei que estava descalça! O ladrão levou meu carro, com todos os pertences, e ainda fui novamente furtada e estava lisa, lesa e dura, como dizem.

 

Tentei dialogar com os armários, mas foi em vão, não acreditaram em mim, e ainda deixaram escapar que eu parecia com uma mulher que há tempos atrás entrara no hospital e roubou uma criança da maternidade, pode?

 

Ao olhar para os fundos do hospital pude ver meu marido em apuros com as crianças. Não pensei duas vezes: disparei corredores a dentro. Daí pra diante foi aquela correria! Eu atrás de meu marido, os vigilantes atrás de mim, e os meus pés correndo mais do que eu jamais poderia imaginar que pudessem.

 

Num deslize dos vigias, parei para respirar, e pensei: que falta me faz meus chinelos de dedos! Se os tivesse ali naquele momento, jamais passaria por tal constrangimento.

 

Finalmente consegui esquivar-me daquele local e chegar do outro lado!

 

Acabei encontrando com meu marido, as crianças e as compras, não necessariamente nessa ordem, pois no desespero, meu esposo freou o carro com tanta força que o que eu tinha comprado confundia-se com meus filhos no banco traseiro do carro.

 

Pois bem, entrei no elevador e cheguei em casa. Ao abrir a geladeira...tomei aquele choque!

 

Lembrei-me de novo: se estivesse com meu par de chinelos isso não teria me acontecido. (...)

 

Guardei as compras no armário, fechei as portas da dispensa, mas percebi que uma delas estava caindo. Corri à lavanderia em busca de um prego e martelo.

 

Pisei numa taxinha e feri meu pé direito. Lembrei-me mais uma vez: se tivesse com meus chinelos de dedos...

 

Lógico que depois que passou essa fase de infortúnios, fui ao mercado e comprei novo par de alpargata, mas o mais legal disso tudo foi que pude entender que é da simplicidade que precisamos.

 

Não adiantava eu ter um par de sapatos finos nos momentos em que precisei dos chinelos. Eles têm seu papel estabelecido. São singelos, mas quando necessários cumprem sua tarefa: nos protegem do atrito do solo, servem como isolante térmico, evitam machucados e calos no pé...

 

Levei isso pra minha vida cotidiana. Quantas vezes desprezamos o simples em busca do vistoso, do extravagante? Quantas vezes esquecemos de dar atenção para as pequenas coisas essenciais e nos preocupamos demasiadamente com grandes coisas que não nos servem?

 

Compreendi que o pouco pode ser muito, e o muito normalmente é descartável.

 

Hoje tento dar mais valor à cada momento, coisa ou pessoa. Afinal, não sei até quando vou utilizar meus chinelos de dedos (...).


Autor: Cintia Batista Santos Perez


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