A coleira no pescoço



A coleira no pescoço

 

 

 

A vida arrasta a vida, somos todos nós reféns do cotidiano e vítimas de contingências que estão além das nossas forças. Quem nunca se sentiu com a corda no pescoço? Mas, sobretudo, somos reféns e vítimas de nós mesmos, dos nossos medos, dos nossos vícios, da nossa covardia, dos nossos hábitos e até mesmo das nossas virtudes. A vida arrasta arraigados gestos que nos rasgam e aos poucos nos arrasam.

 

Mas sempre há a possibilidade de um instante de estranheza, de espantar-se, de um reconhecimento, de uma fuga para si mesmo.

 

O livro A coleira no pescoço (Bertrand Brasil), de Menalton Braff, fala desse cotidiano maçante e a possibilidade dos instantes.

 

É um livro de contos com histórias que, de uma forma ou de outra, nos identificamos. A primeira delas, cujo título dá nome ao livro, começa com uma bela e triste imagem:

 

Nenhum dos dois conseguia disfarçar os danos da velhice, que suportavam em silenciosas e mútuas acusações. O velho parecia fazer um esforço enorme para puxar o cão ladeira acima. A sola seca de seus sapatos esfolava o ladrilho da calçada, arrancando-lhe um ruído ríspido, áspero, como de alguma coisa que se arrasta, e isso irritava o cão, cuja cabeça se mantinha o tempo todo virada de lado, o focinho apontando para a rua. Seu corpo todo era uma recusa tensa e escura, e ele tinha o olhar aborrecido de quem não pode esperar mais nada da vida além daquela coleira no pescoço, na ponta de uma corrente.

 

Nesse conto, parece vir justamente do cão a percepção humana da decadência e do poder arrasador do cotidiano: um ruído ríspido, áspero, como de alguma coisa que se arrasta, e isso irritava o cão. E é o cão quem mantém alguma possibilidade de recusa, de estranhamento: Por isso o pescoço torto, a cabeça virada para a rua: o lado de fora.

 

Todos os contos do livro nos confrontam com a opressão dos hábitos arraigados e um instante de recusa ou estranhamento, que pode ser ou não a ponte para a transformação. Em Alice e o violoncelo, a personagem todas as noites é subjugada a tocar obsessivamente o seu instrumento diante do marido ciumento: Não tocava para os outros, sedutora? Ninguém com mais direitos sobre Alice do que ele, seu marido. Porém, o modo como a mulher enlaçava o instrumento parecia-lhe despudoradamente sensual. Metáfora que pode nos levar a várias interpretações, ao gosto de cada leitor.

 

A linguagem de Menalton é refinada, elegante e muito agradável. A sua leitura nos leva a querer ler mais, construindo imagens em que costura magistralmente o material com o subjetivo: Um dia Teodoro sentou em cima do muro de sua casa e ficou com as duas pernas tão penduradas que parecia um desconsolo.

 

O escritor foi vencedor do Prêmio Jabuti de 2000 (livro do ano, na categoria ficção), com À sombra do cipreste, também um livro de contos. Além disso, tem vários romances publicados.

 

Uma ótima indicação para uma leitura gostosa, instigante e que nos faz pensar um pouco mais sobre a condição humana.

 

 

 

(André Augusto Passari)

 

Autor de: "Fragmentos do tempo"

Editora: Arte Paubrasil

Gênero: Poesia/Literatura brasileira

Páginas: 112

Preço: R$ 20,00 (R$ 14,60 no site da Editora)

Para encomendar:

- Livraria Saraiva

- Livraria Cultura

- Livraria artepaubrasil (www.artepaubrasil.com.br)

- e outras


Autor: André Augusto Passari


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