Ei professor, um aluno surdo estuda na sua escola!!!



Ei professor, um aluno surdo estuda na sua escola!!!Você sabe como lidar com ele?Thalita Xavier PassosDe acordo com a OMS estima-se que cerca de 1,5% da população brasileira tenha algum tipo de deficiência auditiva. Estamos falando de mais de dois milhões de pessoas com deficiência auditiva, que cruzam todos os dias o nosso caminho, sem que nos demos conta de suas necessidades e dificuldades.Um problema de longa duração dos surdos é o desempenho acadêmico, especialmente na área da leitura. Um aluno surdo de 20 anos, por exemplo, lê em um nível compatível com o inicial da quarta série, fato que os faz incapazes de ler jornais, que são escritos em nível compatível com o da quinta série.Porque essa realidade ainda é tão desconhecida em nosso país? Esse texto tem como objetivo melhor informar professores e profissionais que lidam direta ou indiretamente com surdos, sobre seu modo de ver o mundo e como se posicionar diante de um aluno surdo.Antes de começarmos é importante frisar que o nome correto é Surdo, e não surdo-mudo como é comum ouvirmos. Surdez e mudez são problemas diferentes. Os surdos, ao contrário dos mudos, não possuem nenhum problema nas cordas vocais, a maioria não usa a voz apenas porque não aprendeu como fazer.1)O que é LIBRAS?Libras, Língua Brasileira de Sinais, é a língua materna dos surdos. Diferente de nós ouvintes que temos uma língua oral-auditiva, os surdos utilizam uma língua visual-gestual, pronunciada pelo corpo e movimentos das mãos.A educação de surdos através da utilização das Línguas de sinais é muito antiga no mundo. Por volta de 1700, foram fundadas as primeiras escolas para surdos na Inglaterra, França e Alemanha. Nos Estados Unidos, principal centro de pesquisas sobre a surdez e as línguas de sinais no mundo, a primeira escola para surdos foi criada em 1817 por Thomas Gallaudet.No Brasil a primeira escola para surdos foi fundada em 1896, pelo padre Huet, um professor surdo que veio da França para o país a pedido de Dom Pedro II. Surgia então o Instituto dos Surdos-Mudos, hoje Instituto Nacional da Educação de Surdos (INES). Foi a partir desse Instituto que surgiu, da mistura de sinais da língua francesa, trazida por Huet, com a língua de sinais brasileira antiga, usada por surdos brasileiros de várias regiões do país, a Língua Brasileira de Sinais.No Brasil, a Libras foi reconhecida como meio de comunicação oficial dos surdos através da lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Assim como as línguas oral-auditivas possuem variações de acordo com a região e país em que são faladas, as línguas de sinais também sofrem variações de acordo com o local em que são usadas. LGP, BSL, ASL e Libras são línguas de sinais de Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, respectivamente.2)Libras e leitura Labial:Desde muito cedo, antes mesmo de aprender a linguagem escrita, temos acesso à diversos tipos de informação através da língua oral. Antes de aprender a escrever o próprio nome as crianças já sabem o nome de praticamente tudo que vêem, tudo que podem e também tudo que não podem fazer e questionam o porque de todas as coisas serem como são, aprendendo com isso. A construção do saber é feita através do que ouvimos, vemos e lemos. E o que acontece quando temos apenas uma dessas etapas?Imagine-se em um lugar como a China, com fome, cansado, sem conhecer nenhuma palavra em chinês e sendo empurrado de um lugar para o outro pelas pessoas que se comunicam entre si sem que você possa entender o que elas estão falando. Algumas ficam bravas, insistem em mostrar coisas e falar, mas quando percebem que você não esta entendendo elas se afastam. Outras conversam tranquilamente e caem na gargalhada olhando em sua direção, e de repente, todas elas saem em direção a algum lugar deixando você sozinho, até que uma volta e novamente o carrega pra algum lugar que você sequer sabe o nome.Difícil? Pois é isso que a maioria dos surdos vive todos os dias sem conseguir se comunicar com as pessoas e muitas vezes sem entender o que elas dizem. A ausência da audição dificulta o aprendizado da língua oral e escrita, e, considerando a transdisciplinaridade da Língua Portuguesa, compromete cerca de 85% das atividades escolares. Na verdade, não só atividades escolares, mas também todo o processo de cognição.Alguns surdos, no entanto, são treinados para fazer leitura labial, que consiste em acompanhar o movimento dos lábios e associá-los a palavras. A leitura labial possui uma taxa de erro de 30 a 40% no entendimento das palavras por parte dos surdos, se considerarmos um surdo adulto e com bom treinamento.Para comunicar-se com um surdo através da leitura labial é necessário seguir alguns pontos:"É preciso se posicionar de frente para o surdo. O erro mais comum é as pessoas pensarem que a leitura labial oferece algum estímulo auditivo, e, portanto, se posicionarem ao lado do surdo ou acima do seu campo de visão."Não é necessário emitir sons. O que conta para os surdos é o movimento dos lábios, não os sons."Não é necessário gesticular excessivamente ou falar muito pausadamente. A fala deve ser normal, a leitura labial aprendida por um surdo é a que ele vai usar com todas as pessoas, ou seja, é uma espécie de padrão de palavras reconhecidas pelo surdo, algumas alterações nesse padrão, como gesticulação excessiva, falar rápido demais ou pausado demais, podem não ser bem compreendidas."Ao aproximar-se de um surdo que esteja de costas, não o toque diretamente, ele pode se assustar. Aproxime-se, entre em seu campo visual e quando for se comunicar com ele toque seu ombro ou braço levemente."Durante a explicação de um exercício, primeiro explique tudo para que ele faça leitura labial, em seguida avise que vai mostrar o exemplo e aponte para o caderno/livro, quando o surdo voltar os olhos a você continue a explicação. É comum iniciar uma explicação, apontar para o caderno/livro e prosseguir com a explicação enquanto o surdo olha para o caderno. Isso faz com que ele perca parte da informação dada."Sempre que terminar a explicação e quiser se certificar que o aluno entendeu, pergunte se ele tem dúvidas. A pergunta Você entendeu? é interpretada pelos surdos como referência à recepção das palavras, mas não à compreensão de seu conteúdo. É muito comum que eles respondam afirmativamente essa pergunta, sem ao menos fazer idéia do contexto da mensagem. No entanto quando lhes é perguntado se tem dúvidas, eles perguntam tudo que não entenderam."Mantenha as mãos longe do rosto quando falar.Ainda em relação ao grupo de surdos que faz a leitura labial, é importante ressaltar que a leitura labial se trata da percepção do movimento dos lábios, portanto ainda é uma comunicação visual-gestual. O fato de um surdo fazer a leitura labial não significa que ele faça correspondência desses movimentos em palavras escritas. A escrita continua sendo seu maior obstáculo e o português seu segundo idioma.Já para os surdos que não fazem leitura labial, a comunicação se torna duplamente difícil, tanto em libras quanto em língua escrita. Por não conseguir fazer a leitura labial e muitas vezes por não possuir auxilio de um intérprete, esse grupo não domina sinais mais avançados com correspondência em português e possui as menores taxas de escolaridade.Em ambos os casos, é importante o uso da Língua de Sinais, porque todo o processo de construção de conhecimento do surdo é baseado em imagens. É através das imagens que o surdo constrói seu mundo e encontra suas respostas.3)O Intérprete de Libras:O Intérprete de Libras é o profissional responsável pela tradução/interpretação do que está sendo falado em português (ou outros idiomas) para a Língua Brasileira de Sinais, possibilitando a comunicação entre surdos e ouvintes."Ética: o profissional intérprete, autorizado e avaliado pelo Estado, é treinado para agir com ética e se limita a fazer a interpretação/tradução do conteúdo. Deve manter imparcial durante o transcurso da interpretação, evitando interferências e opiniões próprias, a menos que seja requerido a fazê-lo."O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereços, mantendo a dignidade da profissão e não chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o exercício da função (Regimento Nacional de Intérpretes  FENEIS, Capítulo 1)."Intérpretes de cor de pele clara devem usar roupas de cor preta, azul escuro ou verde oliva. Intérpretes de cor de pele escura devem usar roupas claras de cor bege, branco ou caqui. As cores vivas devem ser evitadas por distraírem o olhar do surdo."Comunidade Surda: o intérprete deve participar da comunidade surda, para se manter atualizado dos sinais que surgem a cada dia. Ë necessário também, ter fluência em Libras e Português."Interpretação: Uma coisa muito comum de acontecer é que durante uma interpretação o professor se dirija ao intérprete e diga pergunte para fulano se ele entendeu. Não é necessário que isso aconteça. Durante a interpretação, o intérprete passa tudo que está sendo falado em primeira pessoa, como se ele estivesse emprestando suas mãos ao professor e sua voz e ouvidos ao surdo. O aluno surdo tem consciência que o movimento das mãos naquele momento não pertence ao intérprete e sim ao regente da turma."O intérprete é apenas um facilitador da comunicação, não cabe a ele tomar conta da turma na ausência do professor nem a responsabilidade de ensinar ao aluno surdo."O intérprete deve conhecer os conteúdos a serem interpretados e estar sempre atualizado de novos sinais para que a comunicação seja eficaz.4)O professor regente das classes comuns:"Falar olhando diretamente para o surdo mesmo que ele não faça leitura labial. O contato visual é o que mostra ao surdo quando se dirigem a ele, além de que, ele entende essa como uma postura de respeito do professor em relação à sua deficiência." Utilize comandos simples e claros nos exercícios, destacando palavras-chaves."Estimular o aluno a participar em sala de aula. O professor deve incentivar o aluno a participar de trabalhos em grupos e discussões. Muitas vezes o aluno deseja participar, mas, por não ter o mesmo conhecimento dos outros alunos, sente insegurança de dar sua opinião e ser recriminado ou ridicularizado na frente da turma."Lembrar que a língua portuguesa apresenta-se para o surdo como uma língua estrangeira. A grande maioria das palavras da língua portuguesa, inclusive as que para nós parecem simples, como garota, por exemplo, para o surdo são desconhecidas. É importante incentivar o uso do dicionário, para que ele procure as palavras que não conhece e as identifique. Novamente é importante ressaltar que, o surdo oralizado (que faz a leitura labial) possui a mesma dificuldade com a língua escrita que um surdo não oralizado."Sempre destacar o verbo das frases, ensinando-lhes o significado de forma clara. Assim o aluno será capaz de identificar as instruções e executá-las."Enviar com antecedência para o intérprete: o conteúdo a ser desenvolvido a cada semana, o texto a ser interpretado, o tema da redação elaborada. Dessa forma a interpretação será mais correta e eficaz dentro do tema proposto."Não superproteger o aluno permitindo atitudes que seriam proibidas aos demais. No ambiente inclusivo, a escola garante que todos tenham seus direitos cumpridos, no entanto também precisam cumprir seus deveres."O professor deve ter conhecimento que apesar de ler (ver o significante, a letra), os alunos surdos muitas vezes não sabem o significado daquilo que leram. Muitos possuem o chamado analfabetismo funcional."Utilizar vocabulário alternativo quando eles não entenderem o que estão lendo. Traduza, troque, simplifique e tome cuidado com gírias e sinônimos."Utilize recursos visuais (mapas, desenhos, fotografias, mímicas) sempre que necessário."Quando o assunto apresentar conceitos abstratos, exemplifique com assuntos conhecidos e concretos."Uma ótima idéia é pedir aos alunos que façam um rodízio para fazer cópia extra das anotações, utilizando papel carbono quando escreverem. O surdo deverá passar as cópias para o caderno quando estiver em casa. Isso possibilita que o surdo preste atenção as explicações do professor mais atentamente e a melhor fixação do conteúdo.¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬A inclusão do aluno surdo na classe regular de ensino só é possível através do trabalho em equipe e da valorização e respeito às diversidades culturais dos indivíduos. Escola parada não inclui, é preciso movimento e cooperação.É mais fácil ser uma pessoa com qualquer tipo de deficiência do que ser visto como uma pessoa deficiente.Marco Antonio de Queiros¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬_____________________________________________________________Referências:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL.Saberes e Práticas da inclusão. Brasília: 2006MOORES, D.F. Educating the deaf: Psycology, principles, and pratices. Boston: Houghton Mifflin, 2001.QUADROS, Ronice Muller de. Estudos Surdos. Petrópolis: Arara Azul, 2006QUADROS, Ronice Muller de. O Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua. Secretaria de Educação Especial; Programa de apoio à Educação de Surdos. Brasília: MEC; SEESP, 2002.SACKS, O. Vendo Vozes. Rio de Janeiro: Imago, 1990.SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL; PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À EDUCAÇÃO DE SURDOS. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Brasília : MEC ; SEESP, 2004. 94 p. : il.SKLIAR, Carlos (org). A Surdez, um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.SMITH, Deborah Deustch. Introdução à educação especial: ensinar em tempos de inclusão. Porto Alegre: Artmed, 2008.Para saber mais:Programa Especial  TVEFala sobre vários tipos de deficiências, metodologias de ensino e assuntos relacionados à Inclusão de deficientes.Terça às 12:00 horas, Quinta às 19:30 e aos Sábados 12:00 horas.Jornal Visual  TVEÉ um jornal apresentado em Libras para deficientes auditivos.iariamente 12:25 hrs..Assim Vivemos  TVEUm programa com exibição de filmes e curta metragens mostrando a vida e o sucesso de pessoas com deficiências.Exibição as Quintas 12:30 hrs.
Autor: Thalita Xavier Passos


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