Cabe recurso especial contra violação a princípio constitucional?



Ab initio, frise-se que a Constituição Federal, em seu artigo 105, III, a[1], afirma de modo categórico que caberá ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em única ou última instância, as causas decididas pelos tribunais inferiores quando a decisão recorrida contrariar lei federal, não havendo qualquer menção à norma constitucional, vez que esta será objeto de análise em recurso extraordinário, pelo Supremo Tribunal Federal.

Ora, em nenhum momento vislumbra-se a possibilidade - pelo menos no corpo da Lex Fundamentalis - de interposição de recurso especial baseado em violação a princípio constitucional, o que apenas se admitiria, em sendo o caso, na hipótese da jurisprudência dos tribunais superiores entender por tal cabimento, na medida em que a Carta Magna não veda expressamente tal prática, mas tão somente se omite quanto à questão.

Dessa feita, faz imperiosa a observância do entendimento da jurisprudência do STJ, único tribunal competente para o julgamento de recurso especial, a respeito do cabimento - ou não - de tal recurso, quando se pretende discutir violação a princípio constitucional. Veja-se:

(omissis) Não é da competência desta Corte Superior examinar eventual violação de dispositivos ou princípios constitucionais, em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, atribuição reservada ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Lei Maior. (omissis) [2]

Processual Civil. Recurso Especial. Violação à dispositivo da Constituição Federal. Não cabimento. Princípios constitucionais. Aplicação na interpretação da legislação infraconstitucional. CPC, artigos 480 a 482. Violação não configurada. Súmula 83/STJ. Por expressa determinação constitucional, o STJ não é competente para apreciar violação a dispositivos da Constituição Federal. Na esteira da orientação consagrada no Egrégio STF, não configura violação aos artigos 480, 481 e 482, do CPC, a mera aplicação, pelo órgão fracionário, de princípios da Constituição Federal na interpretação da legislação infraconstitucional. (omissis) [3]

(omissis) O recorrente sustenta que está embasado na alínea "d" do permissivo constitucional, alínea inexistente no artigo 105, III, da Constituição Federal, que elenca as hipóteses de cabimento do recurso especial. Com relação aos princípios constitucionais, ao STJ não cabe examinar matéria constitucional, sob pena de usurpação de competência expressamente atribuída pela Constituição Federal ao STF. Não há nenhuma manifestação do Tribunal "a quo"quanto às normas federais que o recorrente sustenta terem sido violadas, carecendo, assim, o indispensável prequestionamento para o conhecimento do recurso especial. Incidência dos enunciados 282 e 356 da Súmula do STF. Recurso especial não-conhecido. [4]

(omissis) Refogem do âmbito dessa Corte as teses relacionadas com violação de princípios constitucionais. (omissis) [5]

Pelo supra exposto, dúvidas não restam quanto ao entendimento maciço do STJ no sentido de se eximir da competência de julgar causas que versem sobre possível ocorrência de violação a princípios constitucionais, por atribuir tal competência à Suprema Corte.

Entretanto, é possível encontrar no STF alguns julgados em que prevalece uma postura mais tradicional (anti-principiológica) pertinente ao tema, no sentido de que eventual violação a princípio constitucional consistiria em mera violação "reflexa" à Carta Política, o que deslocaria a competência de julgamento ao STJ. Vejamos:

(omissis) Na instância de origem foi ofertada à parte agravante a devida prestação jurisdicional, por meio de decisão fundamentada, que, todavia, mostrou-se contrária a seus interesses, não merecendo acolhida a tese de violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. É inadmissível recurso extraordinário no qual, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, pretende-se a análise de legislação infraconstitucional. Hipótese de contrariedade indireta ou reflexa à Constituição Federal. (omissis) [6]

(omissis) É inadmissível recurso extraordinário que, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, objetive a análise de legislação infraconstitucional. 2. O Superior Tribunal de Justiça limitou-se a tratar de matéria processual relativa ao cabimento da reclamação, nos termos do art. 105, I, f (parte final), da Constituição Federal, cuja discussão não enseja cabimento de recurso extraordinário. 3. A alegada violação aos postulados da prestação jurisdicional e do devido processo legal configura, quando muito, ofensa meramente reflexa. 4. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 5. Agravo regimental improvido. [7]

Como visto acima, em alguns julgados o Pretório Excelso tem inadmitido recursos extraordinários que versam sobre ofensa a princípios constitucionais, por entender que, nesses casos, não há ofensa direta à Constituição, mas mera contrariedade indireta ou reflexa, o que, por exclusão, deslocaria logicamente a competência de julgamento para o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de recurso especial.

Todavia, há de ser observado que tal entendimento da Suprema Corte apenas se aplica às hipóteses em que, "a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, pretende-se a análise de legislação infraconstitucional", o que nos leva a crer que, havendo puramente uma violação a princípio constitucional, sem pretensão de análise de legislação infraconstitucional, caberá sim ao STF a apreciação e julgamento de recursos extraordinários que versem sobre eventual violação a princípio constitucional, ante seu dever de "guardar" a constituição.

Pois, tem-se que, quando a Carta Magna determina que caberá recurso extraordinário quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (artigo 102, III, a), é inegável que, se a decisão recorrida contrariar princípio constitucional, configurado está o pressuposto para o cabimento do recurso extraordinário. Nem se diga que, no caso, a contrariedade seria "reflexa" ou "mediata".

Primeiro porque a Constituição não exige que a contrariedade seja direta; segundo porque os princípios constitucionais são normas jurídicas e, por isso, sempre que a decisão contrariar certo princípio, estará contrariando a norma constitucional diretamente e na sua pior forma de violação, que é a contrariedade a princípio. Do contrário, o princípio constitucional consistiria em mero ideário político, destituído de força sancionatória, pelo que todos se sentiriam "à vontade" para os contrariar.

Portanto, é patente não ser admissível recurso especial quando o objetivo for a discussão de eventual violação a princípio constitucional, o que apenas será possível mediante interposição de recurso extraordinário junto ao Pretório Excelso, salvo quando o intuito maior do recurso for a análise de legislação infraconstitucional, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, hipótese em que a competência para analisar o caso será do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.

[1] Artigo 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (omissis) III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Relatora Ministra Denise Arruda. AGRG no AI nº 974033/SP. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 18/09/08.

[3] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Francisco Peçanha Martins. RESP nº 647045/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 06/03/06.

[4] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. RESP nº 740882/ RS. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 22/08/08.

[5] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relatora Ministra Eliana Calmon. RESP nº 1135743/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 04/03/10.

[6] Brasil. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Relatora Ministra Ellen Gracie. AI nº 749415/PA. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 18/12/09.

[7] Brasil. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Relatora Ministra Ellen Gracie. RE nº 445384/MG. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 18/12/09.


Autor: Thiago Carvalho


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